Mensageiro Sideral https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br De onde viemos, onde estamos e para onde vamos Sat, 04 Dec 2021 19:09:39 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Talvez inócua, conferência do clima representa ascensão da inteligência planetária https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2021/10/31/talvez-inocua-conferencia-do-clima-representa-ascensao-da-inteligencia-planetaria/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2021/10/31/talvez-inocua-conferencia-do-clima-representa-ascensao-da-inteligencia-planetaria/#respond Sun, 31 Oct 2021 15:00:42 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2018/11/PIA00122_hires-320x213.jpg https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=10163 Começa neste domingo (31), em Glasgow, mais uma conferência do clima da ONU. A ambição é que a COP26 traga mais compromissos dos países para conter as mudanças climáticas. A expectativa, por sua vez, é que os resultados fiquem aquém dos necessários. Mas, dando um passo atrás, talvez ela represente parte de um evento geológico transformador na história da Terra: a ascensão da inteligência planetária.

É um conceito defendido por David Grinspoon, pesquisador da Universidade do Colorado. Nesses tempos de depressão civilizatória, encontrei algum conforto nessa ideia de que o chamado Antropoceno, em vez de uma grande tragédia global, possa ser o início de algo espetacular.

Antropoceno é o nome que se dá à época geológica em que os humanos se tornaram capazes de interferir nos rumos e no destino de seu planeta. Pode soar meio arrogante, mas isso nem sequer é novidade na história da Terra. Grinspoon nos lembra que há antecedentes de criaturas que causaram impacto devastador. Uns 2,5 bilhões de anos atrás, as cianobactérias tomaram conta dos oceanos e encheram a atmosfera de um gás então tóxico para a maior parte das formas de vida: o oxigênio. Extinção em massa e devastação provocada por criaturas vivas, portanto, não é novidade.

A exclusividade dos humanos é o modo pelo qual estamos devastando o planeta, movido por nossa ocupação desordenada suportada por intervenções tecnológicas, ou seja, pela inteligência. Mas, veja lá, é uma inteligência meia-boca. Até hoje, ela trouxe boas soluções locais, mas que produzem efeitos globais inadvertidos e catastróficos. Converter uma área de floresta para a agricultura ou queimar petróleo para locomoção são boas soluções tecnológicas locais. Mas contratam uma desgraça global, se aplicadas em larga escala –como estamos fazendo.

Grinspoon se pergunta se, do ponto de vista de possíveis civilizações avançadas lá fora, essa nossa sagacidade tecnológica representaria real inteligência. E aí elenca o que seria o próximo estágio: a tal inteligência planetária –a capacidade de usar nosso poderio tecnológico transformador para aliar soluções globais e locais, nos preservando e protegendo, como à biosfera, no longo prazo.

Isso exige forte cooperação internacional, o que, como estamos vendo, não é fácil. Grinspoon não tem ilusões quanto ao horizonte imediato. Para ele, as mudanças climáticas já são realidade e ainda cobrarão enorme sofrimento, além de levar gerações futuras a se perguntarem como fomos tão letárgicos, com décadas de sobreaviso. Mas, em eventos como a COP, vemos que a mudança de atitude, embora lenta, está “em andamento”. O século 21 não será batatinha, mas haverá um século 22, e nele talvez a inteligência já tenha se instalado na Terra como um fenômeno planetário –e possivelmente a força mais benigna que o mundo já conheceu. Apesar dos nossos passos em falso, ainda há esperança para a humanidade.

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Estudo sugere que Vênus nunca teve oceanos ou condições habitáveis https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2021/10/17/estudo-sugere-que-venus-nunca-teve-oceanos-ou-condicoes-habitaveis/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2021/10/17/estudo-sugere-que-venus-nunca-teve-oceanos-ou-condicoes-habitaveis/#respond Sun, 17 Oct 2021 15:00:30 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2013/09/Earth-and-Venus-SOURCE-NASA-via-the-Apollo-program-and-Mariner-10-150x150.jpg https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=10156 Um novo estudo publicado na revista Nature e liderado por pesquisadores da Universidade de Genebra, na Suíça, jogou água na fervura da busca por vida em Vênus. Ele sugere que o nosso vizinho mais próximo sempre foi, desde o nascimento, um inferno quente e inabitável.

Os pesquisadores liderados por Martin Turbet criaram simulações do clima das versões primordiais de Vênus e da Terra, mais de 4 bilhões de anos atrás, quando a superfície dos planetas era de rocha derretida.

Nessa época, ambos os planetas deviam conter vapor d’água apenas na atmosfera, já que o calor impedia a água de condensar e ocupar a superfície. Mas, enquanto a Terra pôde se resfriar, formando chuvas torrenciais que geraram nossos oceanos, lá em Vênus essas condições nunca chegaram. Em vez disso, o efeito estufa descontrolado acabou fazendo com que as moléculas de água fossem quebradas e perdidas para o espaço com o passar do tempo.

Que Vênus já teve muita água no passado é ponto pacífico. Isso porque a análise dos isótopos de hidrogênio (em essência, variantes atômicos que podem ter nenhum, um ou dois nêutrons no núcleo, além de um próton solitário) por lá indica uma presença bem maior de deutério (um nêutron) do que do hidrogênio simples (sem nêutron), comparado à Terra.

O melhor jeito de explicar essa diferença é que, quando as moléculas de água se quebram na atmosfera em razão da luz ultravioleta do Sol, o hidrogênio (mais leve) escapa mais para o espaço que o deutério (mais pesado), criando essa distorção.

A novidade foi a demonstração de como essa água pode nunca ter se estabilizado na superfície. E aí quem sofre são os entusiastas das possibilidades de vida em Vênus. Se o planeta nunca teve condições habitáveis, é improvável que possa ter sido em algum momento palco para o surgimento de micróbios.

Além disso, o estudo explica muito bem por que Terra e Vênus, de início “gêmeos”, evoluíram de forma diferente, levando em conta o que os cientistas chamam de “paradoxo do Sol fraco”. Tem a ver com o fato de que nossa estrela, no passado remoto, era menos brilhante e emitia menos radiação. Isso era difícil de conciliar com o fato de que a Terra sempre se mostrou um planeta com condições amenas, desde muito cedo, em vez de um planeta gélido por conta do Sol menos brilhante.

As simulações mostram que o Sol mais fraco pode ter feito a diferença no sucesso da Terra. Graças a ele, nosso planeta pôde se resfriar a ponto de os oceanos condensarem, algo que nunca teria acontecido em Vênus.

Apesar do bom encaixe com o atual estado do Sistema Solar, vale a ressalva: um modelo é apenas um modelo, e no caso venusiano as incertezas vêm junto com nosso relativo desconhecimento do planeta. Turbet e seus colegas enfatizam que os dados a serem colhidos pelas três missões agora em fase de planejamento (duas americanas, uma europeia) podem ajudar a corroborar ou refutar suas conclusões.

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Perseverance reconstrói história de lago marciano e identifica rochas com potencial para abrigar fósseis https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2021/10/07/perseverance-reconstroi-historia-de-lago-marciano-e-identifica-rochas-com-potencial-para-abrigar-fosseis/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2021/10/07/perseverance-reconstroi-historia-de-lago-marciano-e-identifica-rochas-com-potencial-para-abrigar-fosseis/#respond Thu, 07 Oct 2021 18:00:43 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2021/10/delta-kodiak-jezero-perseverance-320x213.jpg https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=10133 A primeira análise científica das imagens produzidas pelo rover Perseverance aponta que ele de fato pousou num ótimo lugar para procurar sinais pregressos de vida marciana. A cratera Jezero teve uma rica história com água, com um lago que se manteve estável até uns 3,7 bilhões de anos atrás.

O trabalho, publicado na edição desta semana da revista Science, é o primeiro a trazer resultados da mais recente missão da Nasa ao planeta vermelho.

Mesmo à distância, o rover pôde colher imagens detalhadas da região onde, a partir da órbita, os cientistas já viam uma formação similar a um delta de rio seco, conduzindo ao interior da cratera. Retratos de partes da borda oeste, dentre elas uma estrutura batizada informalmente como Kodiak, foram colhidos com a câmera Mastcam-Z e com a SuperCam, a 2,2 km de distância. Sua análise foi liderada por Nicolas Mangold, da Universidade de Nantes, na França, e Sanjeev Gupta, do Imperial College de Londres, e revela diversas camadas de deposição de sedimentos em vários trechos da encosta.

A exemplo do que acontece na Terra, essa estratificação em camadas permite inferir a história geológica de como aquelas rochas se formaram. E, no caso em questão, elas contam uma narrativa bastante interessante e consistente com a visão prevalente sobre o passado de Marte.

As camadas mais inferiores, portanto mais antigas, formam um padrão de deposição horizontal e narram a história da cratera até cerca de 3,7 bilhões de anos atrás. Eles indicam um fluxo constante de água para o lago, consistente com a ideia de que Marte, até essa época, era um lugar mais quente, úmido e abrigava corpos líquidos de forma estável em sua superfície.

A data é relevante, já que, aqui na Terra, os primeiros vestígios incontroversos de vida, encontrados na Groenlândia, datam da mesma época (3,7 bilhões de anos atrás), embora haja alguns possíveis microfósseis ainda mais antigos (4,1 bilhões de anos) em rochas australianas e outros ainda mais remotos (4,3 bilhões) no Canadá. Marte e Terra se formaram, junto com os demais planetas do Sistema Solar, por volta de 4,5 bilhões de anos atrás.

Já a camada superior, mais recente, testemunha outra fase do planeta. Há pedras inteiras em meio aos sedimentos, indicando fluxos de alta energia ocasionais. Marte passou a ser episodicamente “molhado”, no início do processo de ressecamento que levou ao atual estágio, em que água (quase) nunca flui na superfície. “Essa sucessão sedimentar indica uma transição, de atividade hidrológica sustentada em um ambiente de lago persistente, para fluxos fluviais de curta duração altamente energéticos”, escreveram os pesquisadores.

Representação da dimensão do lago durante a formação das primeiras camadas da formação Kodiak (azul), comparada às dimensões estimadas do lago em seu momento mais amplo, feitas com imagens orbitais (contorno preto). A estrela indica o sítio Octavia E. Butler, local de pouso do Perseverance. (Crédito: Mangold et. al/Science)

O MAPA DA MINA
Parte importante do trabalho foi indicar potenciais caminhos para o futuro da missão do Perseverance, cujo objetivo central é buscar potenciais evidências moleculares (as chamadas “bioassinaturas”) de vida pregressa em Marte.

Pelas imagens, no fundo das encostas, os autores identificam camadas promissoras do que parecem ser pedras de lama e argila finamente granuladas, tipos de rocha que poderiam em tese preservar traços de biologia antiga no planeta vermelho — isso se houve de fato alguma coisa viva por lá no passado distante.

Ao longo dos próximos meses, o Perseverance deve se deslocar para a direção do delta, numa travessia que deve oferecer alguns desafios, dada a irregularidade do terreno. O rover chegou a Marte em 18 de fevereiro de 2021 e nos primeiros meses trafegou relativamente próximo à sua região de pouso, embora já tenha avançado 2,6 km. No momento, ele está em repouso, esperando o fim do alinhamento temporário entre Marte e o Sol que impede comunicação com a Terra. Com o retorno às operações, no fim deste mês, deve começar a avançar com mais afinco na direção dessa formação mais próxima da borda oeste do delta.

Além de fazer análises de composição química de rochas em solo, o Perseverance tem a missão de colher e armazenar amostras, para futuro envio de volta à Terra. Muitos cientistas acreditam que evidências inequívocas de vida marciana só poderão ser obtidas quando esses testemunhos rochosos forem estudados detalhadamente em laboratórios terrestres. Mas, no que é um avanço importante para a missão, os cientistas já têm alvos importantes para estudar e amostrar.

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Astrônomos de Cambridge propõem nova categoria de exoplanetas habitáveis https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2021/08/29/astronomos-de-cambridge-propoem-nova-categoria-de-exoplanetas-habitaveis/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2021/08/29/astronomos-de-cambridge-propoem-nova-categoria-de-exoplanetas-habitaveis/#respond Sun, 29 Aug 2021 15:00:09 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2021/08/planeta-hiceanico-hycean-320x213.jpg https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=10079 Pesquisadores da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, sugerem que a busca por planetas com vida não deve se limitar a mundos similares ao nosso e cravam que uma categoria em particular desses objetos é candidatíssima para a primeira detecção de biossinais: os planetas hiceânicos.

Nome estranho, né? Demorei um pouco para entender de onde veio. Aguenta aí que eu chego lá. Muito já foi dito sobre os planetas oceânicos, que seriam um pouco maiores que a Terra e totalmente recobertos por espessas camadas de água, capazes de fazer nossos mares parecerem piscininhas.

E aí a categoria seguinte, até então pouco prestigiada, seria composta por planetas ainda maiores, que, além de serem ricos em água, teriam atmosferas extensas em que predomina o hidrogênio, similares às de planetas gigantes gasosos.

Em ambos os casos, estamos falando de mundos com tamanho intermediário entre a Terra (o maior dos mundos solares rochosos) e Netuno (o menor dos gasosos, com diâmetro cerca de quatro vezes maior que o terrestre). Não existe nada assim no Sistema Solar, mas os astrônomos já encontraram centenas de planetas com diâmetros nessa faixa intermediária, e são geralmente referidos como superterras (com diâmetro até 60% maior que o da Terra) ou mininetunos (se maiores que 60%).

Até recentemente, apesar de mais numerosos que as superterras, os mininetunos eram considerados candidatos ruins a abrigar vida. Especulava-se que a pressão e a temperatura sob sua atmosfera rica em hidrogênio fossem excessivamente altas para permitir a existência de vida.

O jogo começou a virar no ano passado, quando a equipe de Nikku Madhusudhan, em Cambridge, mostrou em um estudo publicado no Astrophysical Journal Letters que o mininetuno K2-18 b, descoberto pelo satélite Kepler, da Nasa, a despeito de ser 2,6 vezes maior que a Terra, poderia, em tese, ter um oceano habitável sob sua atmosfera hidrogenada. Hidrogênio+oceânico, hiceânico. Rá.

Agora, em um novo artigo, desta vez no Astrophysical Journal, Madhusudhan e seus colegas Anjali Piette e Savvas Constantinou, apresentam de forma mais ampla a categoria dos planetas hiceânicos. Em tese, mundos com até 2,6 vezes o diâmetro terrestre podem guardar condições habitáveis, e a chamada zona de habitabilidade (região ao redor da estrela em que a quantidade de radiação é compatível com a existência de corpos d’água de forma estável em um planeta) seria bem mais larga para esses mundos do que para análogos terrestres.

E o que mais empolga é que muitos dos potenciais planetas hiceânicos poderão ter sua atmosfera estudada em detalhes muito em breve pelo Telescópio Espacial James Webb, que a Nasa espera lançar até o fim do ano. Observações do K2-18 b, por sinal, já estão programadas entre as primeiras a serem feitas pelo novo satélite.

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Estudo sugere que metano em lua de Saturno pode ser indicativo de vida https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2021/07/18/estudo-sugere-que-metano-em-lua-de-saturno-pode-ser-indicativo-de-vida/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2021/07/18/estudo-sugere-que-metano-em-lua-de-saturno-pode-ser-indicativo-de-vida/#respond Mon, 19 Jul 2021 02:15:19 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2015/03/enceladus-180x111.jpg https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=10039 A pequena Encélado encontrou uma “fosfina” para chamar de sua. Um grupo de pesquisadores sugere que a presença de metano nas quantidades observadas nas plumas de água que são ejetadas da lua de Saturno não pode ser explicada por qualquer mecanismo conhecido, salvo vida.

O resultado lembra muito as conclusões dos pesquisadores liderados por Jane Greaves, da Universidade de Cardiff, no Reino Unido, que detectaram fosfina nas nuvens de Vênus. Eles também não cravaram que era um sinal de vida, mas indicaram não conhecer mecanismo alternativo capaz de explicar as quantidades.

O novo estudo, liderado por Régis Ferrière, da Universidade do Arizona, nos EUA, e Stéphane Mazevet, da Universidade Paris Ciências & Letras, na França, foi publicado na revista Nature Astronomy e segue a trilha dos achados da sonda Cassini, que em 2017 causou furor ao cruzar as plumas e detectar nelas a presença de hidrogênio molecular e metano.

Sabe-se que, sob a crosta congelada de Encélado, há um oceano de água líquida, em contato direto com um leito rochoso. É de lá que partem as plumas, ejetadas a partir de fissuras no gelo. Na Terra, fumarolas no fundo do oceano são o lar de muitas formas de vida metanogênicas: elas consomem hidrogênio e despejam metano. Na lua saturnina, encontramos ambos, o que fez muitos evocarem o oceano subsuperficial como habitável. Mas daí a habitado, são outros 500. Até porque há outros processos de geração de metano que não envolvem formas de vida, como a interação de água com certos minerais, no processo conhecido como serpentinização.

Modelo da estrutura interna de Encélado, com seu oceano global descoberto pela sonda Cassini (Crédito: Nasa)

O trabalho de Ferrière e Mazevet consistiu em tentar determinar a origem do metano sem precisar ir até lá para checar. Em vez disso, o grupo modelou matematicamente a probabilidade de que diferentes processos, dentre eles metanogênese biológica, ou seja, a produção de metano por formas de vida, pudessem explicar o resultado colhido pela Cassini.

A pergunta central era: a quantidade seria compatível com processos puramente geológicos? E a resposta dos pesquisadores é “não” –mas só até onde sabemos. Eles apontam que das duas uma: ou está rolando metanogênese por micróbios no interior de Encélado, ou há algum fenômeno desconhecido, sem igual na Terra, capaz de gerar a substância.

Na soma dos resultados, podemos olhar o copo meio cheio ou meio vazio. Por um lado, é empolgante que tenhamos já detectado compostos que podem sinalizar a presença de vida em tantos astros (fosfina em Vênus, metano em Encélado e em Marte). Por outro lado, as conclusões são mais especulativas do que gostaríamos até o momento. Para todos os casos, ainda é inteiramente possível, quiçá provável, que a explicação dispense atividade biológica. Em todos, o que falta são mais observações. Será preciso enviar novas sondas até lá, se quisermos desfazer esses mistérios.

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Novo estudo esquenta discussão sobre a habitabilidade das nuvens de Vênus https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2021/07/04/novo-estudo-esquenta-discussao-sobre-a-habitabilidade-das-nuvens-de-venus/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2021/07/04/novo-estudo-esquenta-discussao-sobre-a-habitabilidade-das-nuvens-de-venus/#respond Mon, 05 Jul 2021 02:15:38 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2018/04/Snapshot-47-320x213.png https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=10010 Um novo estudo sugere que as nuvens de Vênus, a despeito de terem temperatura e pressão adequadas para a vida, provavelmente não abrigam microrganismos. O motivo? Falta água. O novo trabalho é liderado por John Hallsworth, da Universidade da Rainha em Belfast, no Reino Unido, e Chris McKay, do Centro Ames de Pesquisa da Nasa, e foi publicado na última edição da Nature Astronomy.

É mais uma pesquisa que mostra como o interesse por nosso planeta vizinho mais próximo (e completamente inóspito à superfície, com temperaturas de 460° C) se reacendeu em tempos recentes, sobretudo após a detecção de fosfina (possível, ainda que não provável, marcador biológico nas nuvens venusianas) pelo grupo de Jane Greaves, da Universidade de Cardiff, no Reino Unido, no ano passado. No mês passado, Nasa e ESA anunciaram novas missões direcionadas a Vênus para os próximos anos.

Muito do interesse é a perspectiva de que aquele mundo pode ter sido plenamente habitável, com oceanos e tudo mais, no passado remoto. Num ambiente assim, a vida teria condições para surgir. Conforme o planeta se ressecou, microrganismos poderiam ter estabelecido morada definitiva nas nuvens da alta atmosfera, onde as condições são mais aprazíveis, ainda que extremamente ácidas e com pouquíssima água. É aí que entra o estudo da equipe de Hallsworth e McKay.

Baseados em princípios químicos básicos, envolvendo composição, temperatura e pressão da atmosfera, os pesquisadores exploraram um índice conhecido como “atividade da água”, que contrasta a pressão parcial de vapor d’água em uma solução com um valor padrão. O grupo calculou a atividade da água nas soluções de ácido sulfúrico das nuvens de Vênus e concluiu que ela fica em 0,004, menos de um centésimo da requerida pelas formas de vida mais extremas da Terra nesse quesito, 0,585.

Isso levou os autores a tratar a questão de forma categórica, proclamando as nuvens venusianas “inabitáveis”. Outros especialistas, contudo, pedem cautela. O problema não são os resultados, e sim as premissas que levam a eles. “O trabalho é sólido no sentido de que os cálculos parecem ter sido feitos corretamente”, diz David Grinspoon, astrobiólogo da Universidade do Colorado (EUA). “Entretanto, as conclusões do estudo são excessivamente confiantes, porque sabemos menos sobre a atmosfera de Vênus e sobre a natureza da vida do que os autores pressupõem.”

Grinspoon aponta que há indícios não só de que as nuvens venusianas não sejam só ácido sulfúrico com um pinguinho de água, como o trabalho supõe, mas também de que elas não sejam homogêneas, oferecendo ambientes bem diferentes do que sugeriria uma média simplificada. Em suma, faltam dados.

Diante disso, como resolver a questão? Só tem um jeito: teremos mesmo de fazer mais observações e mandar novas sondas até lá para colher mais dados.

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Nasa anuncia duas novas missões a Vênus, com dois orbitadores e uma sonda atmosférica https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2021/06/02/nasa-anuncia-duas-novas-missoes-a-venus-com-dois-orbitadores-e-uma-sonda-atmosferica/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2021/06/02/nasa-anuncia-duas-novas-missoes-a-venus-com-dois-orbitadores-e-uma-sonda-atmosferica/#respond Wed, 02 Jun 2021 20:13:05 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2021/06/veritas-davinci-320x213.jpg https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=9990 Agora é oficial: após mais de três décadas de abandono, a Nasa está voltando ao planeta Vênus, com duas missões robóticas. Chamadas DaVinci+ e Veritas, elas representam as primeiras investidas da agência espacial americana no segundo mundo a contar do Sol, nosso vizinho planetário mais próximo, desde a missão Magellan (Magalhães), lançada em 1989 e encerrada em 1994.

Vênus tem tamanho parecido com a Terra, mas sofre com uma atmosfera cem vezes mais densa e um efeito estufa acachapante, que eleva a temperatura média do planeta a 460 graus Celsius. Ele é meio como o “gêmeo malvado” do nosso mundo, e um lembrete desconfortável do que pode dar errado com planetas que, em outros aspectos, são bem similares ao nosso.

Contudo, nem sempre a história foi essa. É bem possível que, no começo, 4 bilhões de anos atrás, quando o Sistema Solar era jovem, Vênus fosse mais amigável, talvez abrigando até mesmo oceanos. A missão DaVinci+, com seu orbitador, estudará a atmosfera venusiana justamente atrás de pistas da existência pregressa desses mares hoje desaparecidos.

O projeto também contará com uma sonda atmosférica, que atravessará o invólucro de gases que envolve Vênus e investigará sua composição. O interesse por esses resultados, bem como os obtidos em órbita, cresceu em tempos recentes, depois que um grupo da Universidade de Cardiff apresentou, no ano passado, evidências de que um composto chamado fosfina pudesse estar presente nas nuvens venusianas, a uma altitude em que a pressão atmosférica e a temperatura são amenas. A detecção, bem como seu significado, ainda são muito debatidos pela comunidade de astrobiologia, mas há quem acredite que possam ser sinais de vida microbiana ainda hoje proliferando no ar venusiano.

Já a outra missão escolhida, Veritas, é um orbitador equipado com um poderoso radar para investigar a superfície venusiana e suas estruturas geológicas. Ele deve repetir o esforço de mapeamento realizado pela Magellan, mas desta vez com resolução bem maior. (Vale lembrar que Vênus é totalmente recorberto, o tempo todo, por nuvens espessas, de modo que o único meio de mapear a superfície em alta resolução a partir da órbita é com sistemas de radar.)

As duas missões foram selecionadas como parte do programa Discovery, que a Nasa promove para realizar sondas interplanetárias com objetivos restritos e custo mais modesto. Seu orçamento, fora o lançamento, não pode exceder US$ 500 milhões. Vale comparar com o rover marciano Perseverance, que custou à agência, no total, US$ 2,8 bilhões, numa missão classificada como Flagship (capitânia).

É a segunda vez que ambas chegam à fase final do processo seletivo; na rodada passada, em 2017, as duas acabaram preteridas por missões destinadas a asteroides (Lucy e Psyche, que devem voar em 2021 e 2022). Na concorrência, elas bateram outras duas propostas, o orbitador IVO, destinado à lua Io, de Júpiter, e a missão Trident, que faria um sobrevoo de Tritão, a maior das luas de Netuno. (Na primeira fase de seleção, em 2020, o Mensageiro Sideral apostou que pelo menos uma venusiana ia ganhar.)

A Nasa diz que os lançamentos devem ocorrer entre 2028 e 2030. Ainda está longe. Mas o fato é que a agência volta seu olhar para Vênus, depois de longas décadas. Depois da Magellan, o planeta recebeu os orbitadores Venus Express (da ESA, Agência Espacial Europeia), lançada em 2005 e destruída em 2015, e Akatsuki (da Jaxa, japonesa), lançada em 2010 e ainda operacional, embora em uma órbita que limita seus resultados científicos. Isso além de visitas ocasionais de espaçonaves de passagem, como a BepiColombo, cujo destino final é Mercúrio, mas fez um sobrevoo de Vênus no ano passado e fará outro neste ano.

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Com pouso de rover em Marte, China supera ex-URSS em feitos espaciais https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2021/05/17/com-pouso-de-rover-em-marte-china-supera-ex-urss-em-feitos-espaciais/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2021/05/17/com-pouso-de-rover-em-marte-china-supera-ex-urss-em-feitos-espaciais/#respond Mon, 17 May 2021 18:19:50 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2021/05/zhurong-320x213.jpg https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=9966 É difícil superestimar o significado do pouso bem-sucedido do rover chinês Zhurong em Marte, ocorrido às 20h18 (pelo horário de Brasília) da última sexta-feira (14). Descer à superfície do planeta vermelho nunca é fácil, e a China fez isso em sua primeira tentativa, com um veículo sobre rodas de respeitáveis 240 kg.

Não é tão grande quanto os americanos Curiosity (899 kg) e Perseverance (1.025 kg), os dois últimos rovers a descerem por lá. Mas é maior que seus antecessores diretos, Spirit e Opportunity (185 kg), e maior que os dois jipinhos robóticos lunares Yutu (120 kg), lançados pela China. Massa é um bom tradutor de funcionalidades embarcadas e de capacidade de levar grandes cargas úteis a alvos distantes, daí a importância da comparação.

Mais do que isso, contudo, é preciso lembrar que a China fez algo que muitos tentaram, mas somente a Nasa até sexta passada conseguiu: pousar com sucesso e operar uma sonda em solo marciano. Nem mesmo a União Soviética, no auge da corrida espacial, havia conseguido isso. Seu melhor resultado, com a sonda Mars 3, foi um pouso suave seguido por 20 parcos segundos de operação, antes de o módulo pifar. Isso em 1971. Todas as tentativas posteriores tiveram resultado ainda pior. Recentemente, em 2016, a Rússia, em parceria com a Agência Espacial Europeia, voltou a tentar, com o módulo Schiaparelli. Fracassou.

Os próprios europeus bateram na trave, com o módulo inglês Beagle-2, uma valente (e barata) tentativa de descer ao solo marciano, em 2003. A missão falhou, mas imagens de satélite mostraram que foi por pouco. O módulo pousou, mas não conseguiu abrir todas as suas pétalas de painéis solares, impedindo que estabelecesse contato com a Terra.

No ano passado, a Europa adiou o envio de seu rover Rosalind Franklin, da missão ExoMars, após uma série de problemas nos testes de seu paraquedas supersônico para a travessia da tênue atmosfera marciana. O voo ficou para a próxima oportunidade, em 2022.

Os chineses já haviam conquistado um feito inédito em 2019, ao realizarem o primeiro pouso robótico no lado afastado da Lua, com a missão Chang’e-4. Isso nem a Nasa havia feito, mas também não havia tentado. Já a Chang’e-5, no ano passado, realizou a primeira coleta robótica de amostras do solo lunar desde a Luna-24 soviética, em 1976.

Em paralelo, o país avança a passos largos em seu programa tripulado, que iniciou no mês passado a construção de uma estação espacial nos moldes da russa Mir, com o lançamento de seu módulo principal. A primeira tripulação a ocupá-la deve subir em junho. E com isso a China já supera tudo que a antiga União Soviética havia feito de mais importante no espaço durante a Guerra Fria. Nada mau para quem lançou seu primeiro astronauta ao espaço apenas em 2003.

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Sonho de colonizar Marte passa longe de ser chancela para destruição da Terra https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2021/04/25/sonho-de-colonizar-marte-passa-longe-de-ser-chancela-para-destruicao-da-terra/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2021/04/25/sonho-de-colonizar-marte-passa-longe-de-ser-chancela-para-destruicao-da-terra/#respond Mon, 26 Apr 2021 02:15:16 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2021/04/starship-mars-320x213.jpg https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=9934 Já dizia a cantiga: um Elon Musk incomoda muita gente, muitos Elons Musks incomodam muito mais. A obsessão do bilionário dono da SpaceX e da Tesla pela colonização de Marte, acompanhada por muitos dos amantes da exploração espacial (dentre eles, este que vos escreve), tem sido injustamente equalizada a um símbolo do capitalismo mais voraz e parasítico que pode existir.

A premissa de que partem esses críticos é que não passa de prestidigitação a ideia de que podemos construir uma vida no planeta vermelho em contraposição à destruição crescente (a “passada da boiada”) da nossa própria biosfera. E nisso eles estão 100% certos. Não há substituto para a Terra. O falso é atribuir essa mentalidade aos planos de colonização espacial.

Primeiro, vamos tirar da frente o fato de que Elon é um sujeito peculiar (para ser gentil), que de vez em quando fala besteira, age como criança mimada, teve atitude irresponsável na pandemia e está deixando os astrônomos loucos ao lançar milhares de satélites à órbita terrestre. Mas lembremos também que entre seus melhores momentos está o de criar do nada as tecnologias e o mercado para viabilizar o advento dos carros elétricos –hoje festejado como um importante componente para tentar evitar um futuro de mudanças climáticas arrasadoras. Musk se preocupa com a Terra.

Em sua obsessão marciana, o bilionário apenas aponta que ter um backup para a vida terrestre em outro canto do Sistema Solar é uma boa ideia. Não como forma de chancelar o parasitismo da Terra ou por uma ambição desmedida de crescimento econômico eterno (o dogma falso segundo o qual rezam muitos dos economistas liberais), mas por algo profundo e humanista.

É fartamente reconhecida, nas artes e na ciência, a tragédia da existência humana. Num plano individual, sabemos que todos vamos morrer em algum momento. Num plano coletivo, sabemos que a existência da vida na Terra –e da própria Terra– é igualmente finita. Em contraste, olhamos há milênios para as estrelas e contemplamos, até o momento, apenas a nossa própria solidão. A própria noção de proteger a Terra vem de reconhecer a propriedade mais especial que ela tem: a vida. E sabemos que é um abrigo finito, no espaço e no tempo.

Parte da nossa existência, individual e coletiva, é definida por essas percepções. Temos filhos, a quem legamos o futuro, e a contemplada finitude de nossa existência nos conduz à busca por uma vida que valha a pena ser vivida.

Como espécie inteligente, somos guardiões da vida na Terra. Mas, mais que isso, podemos ser seu principal instrumento de propagação. A Terra pode ter filhos! Levar a vida a Marte é, talvez, a coisa mais valiosa que a humanidade possa fazer para justificar sua própria existência.

O planeta vermelho hoje parece estéril (hipótese ainda a ser confirmada). Mas pode ter um futuro vibrante em colônias humanas e, muito mais que isso, com a introdução de uma biosfera marciana criada a partir da terrestre. A Terra pode ter filhos! É um legado do qual a humanidade, a despeito de suas mazelas, poderá se orgulhar: levar a vida a pelo menos mais um mundo no universo.

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Reanálise de dados de sonda de 1978 reafirma fosfina nas nuvens de Vênus https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2021/03/28/reanalise-de-dados-de-sonda-de-1978-reafirma-fosfina-nas-nuvens-de-venus/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2021/03/28/reanalise-de-dados-de-sonda-de-1978-reafirma-fosfina-nas-nuvens-de-venus/#respond Mon, 29 Mar 2021 02:15:55 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2021/03/Pasted-Image-36-320x213.png https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=9876 A história da fosfina em Vênus ganha mais um empolgante capítulo. Um quarteto de cientistas nos EUA reanalisou dados de uma antiga espaçonave americana dedicada ao estudo do planeta vizinho e diz ter encontrado evidências de moléculas em desequilíbrio químico nas nuvens de média altitude venusianas, dentre elas a bendita fosfina.

Cabe uma recapitulação, para quem chegou de Marte ontem. Em setembro de 2020, um grupo liderado por Jane Greaves, da Universidade de Cardiff, no Reino Unido, indicou ter detectado 20 partes por bilhão de fosfina na atmosfera venusiana, a partir de dados colhidos pelo Telescópio James Clerk Maxwell, no Havaí, e pelo conjunto Alma, no Chile.

De acordo com os pesquisadores, a quantidade identificada não seria explicada por qualquer processo conhecido em Vênus. E, aqui na Terra, a fosfina é majoritariamente produto de metabolismo de microrganismos. Greaves e seus colegas jamais chegaram a soletrar “vida venusiana”, mas a implicação era clara.

Como acontece na ciência, qualquer descoberta anunciada passa pelo escrutínio do resto da comunidade. E aí começou a série de embaraços. O grupo de Cardiff recebeu críticas de todo lado, desde terem feito um processamento “maleável” dos dados para se encaixar à detecção até terem confundido o sinal do comum dióxido de enxofre com o da fosfina.

Para piorar tudo, descobriu-se que os dados do Alma passaram por um processamento errôneo (por culpa da própria equipe que opera o conjunto de radiotelescópios no Chile). Ao passar por uma recalibração, o sinal da fosfina ainda se mantinha, segundo a equipe da descoberta original, mas em quantidade bem menor – e mais facilmente explicável por mecanismos não biológicos.

Agora entre em cena mais uma peça do quebra-cabeça. Em artigo publicado no periódico Geophysical Research Letters, o grupo de Rakesh Mogul, da Universidade Politécnica Estadual da Califórnia, reanalisa dados do espectrômetro de massa da espaçonave americana Pioneer Venus.

Além de um orbitador, essa missão de 1978 contou com sondas que entraram na atmosfera venusiana colhendo dados, em 9 de dezembro daquele ano. O espectrômetro de massa colheu amostras do ar e as analisou.

Pouca atenção se deu então aos gases-traço, presentes em quantidade mínima na atmosfera. O que levou à reanálise agora, concentrando-se numa altitude entre 64,1 e 51,3 km. E aí surgiram potenciais evidências de fosfina.

Os dados também sugerem presença de sulfeto de hidrogênio, ácido nitroso, ácido nítrico, cianeto de hidrogênio e possivelmente amônia. E os pesquisadores lembram que várias dessas moléculas têm papel importante, na Terra, no ciclo do nitrogênio, fundamental para a vida por aqui. O próximo passo? Os pesquisadores querem mais dados in situ, e lembram que a missão DaVinci+, em estudo pela Nasa, seria um excelente passo na direção dessa meta.

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