Mensageiro Sideral https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br De onde viemos, onde estamos e para onde vamos Sat, 04 Dec 2021 19:09:39 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Astrônomos preveem que supernova vista em 2016 vai ter ‘reprise’ em 2037 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2021/09/26/astronomos-preveem-que-supernova-registrada-em-2016-vai-ter-reprise-em-2037/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2021/09/26/astronomos-preveem-que-supernova-registrada-em-2016-vai-ter-reprise-em-2037/#respond Sun, 26 Sep 2021 15:00:00 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2021/09/macs-j0138-320x213.jpg https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=10120 A detonação de uma supernova é um evento que se espera ver uma vez só. A estrela explode, temos nosso show pirotécnico, o brilho vai diminuindo até sumir, deixando para trás uma nebulosa e um cadáver estelar. Mas há uma supernova em particular da qual os astrônomos esperam uma reprise – para 2037.

Não, não será a mesma estrela explodindo de novo. Supernovas costumam mesmo ser eventos catastróficos únicos (embora tenham sido vistos casos em que o mesmo astro aparentemente detonou duas vezes, algo ainda não totalmente esclarecido). Aqui estamos falando de um truque diferente. É a mesma explosão, vista em dois momentos diferentes, não exatamente no mesmo lugar.

Entra em cena a relatividade geral de Einstein e a predição de que a gravidade curva raios de luz. A primeira demonstração da teoria, por sinal, foi obtida graças a isso, em 1919: astrônomos foram à Ilha do Príncipe, na África, e a Sobral, no Ceará, fotografar um eclipse solar, tentando registrar as estrelas de fundo. A ideia era contrastar suas posições durante o fenômeno com as que elas guardam no céu noturno, quando o Sol não está à frente delas para curvar seus raios de luz.

Deu certo, palmas para Einstein. Corta para hoje. Astrônomos estudam com afinco as chamadas lentes gravitacionais fortes, em que grandes e distantes aglomerados de galáxias, com massa total de muitos trilhões de sóis, curvam (e concentram) a luz vinda de objetos ainda mais afastados. Nesse processo, a luz de uma supernova que cruze o aglomerado por vários caminhos diferentes pode fazer com que o objeto apareça em várias posições distintas no nosso céu. E, claro, como a luz tem uma velocidade bem alta, mas finita, isso também implica que as imagens aparecerão em tempos diferentes, dependendo da distância total de cada caminho percorrido pela luz até chegar aos nossos telescópios.

Uma dessas lentes naturais incríveis é a do aglomerado de galáxias MACS J0138.0-2155. Ele foi fotografado pelo Hubble em 2016, e na imagem era possível ver três imagens distintas da mesma supernova. Em 2019, uma nova fotografia foi produzida, e as três haviam sumido. A luz da estrela explodida deve ter partido de seu ponto de origem há uns 10 bilhões de anos e foi curvada pelo aglomerado galáctico depois de 6 bilhões de anos de viagem.

O grupo de astrônomos liderado por Steve Rodney, da Universidade do Sul da Califórnia em Columbia, agora modelou a saga e calculou que uma nova imagem da detonação, a surgir do outro lado do aglomerado, deve pintar em 2037, com margem de erro de uns dois anos. A predição, publicada na Nature Astronomy, não é só vontade de ser bidu. Trata-se de um teste efetivo da modelagem da distribuição de massa no aglomerado, incluindo aí a contribuição da misteriosa matéria escura (que não sabemos o que é, mas podemos saber onde está, graças a fenômenos como esse). A conferir.

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Radiotelescópio Bingo, em construção na Paraíba, buscará sinal dos primeiros sons do Universo https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2021/07/06/radiotelescopio-bingo-na-paraiba-buscara-eco-dos-primeiros-sons-do-universo/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2021/07/06/radiotelescopio-bingo-na-paraiba-buscara-eco-dos-primeiros-sons-do-universo/#respond Tue, 06 Jul 2021 20:56:10 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2021/07/BINGO_1800_1800-1024x1024-320x213.jpeg https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=10013 Sabemos que sucesso musical é questão de época. Agora, um grande radiotelescópio em construção no interior da Paraíba foi projetado especificamente para investigar qual era o som da moda nos primeiros tempos do Universo, pouco depois do Big Bang, e com isso ajudar a elucidar dois dos maiores mistérios da ciência moderna: o que são energia escura e matéria escura. O chamado Projeto Bingo teve sua apresentação oficial realizada nesta terça-feira (6), de forma não presencial, pela internet.

A iniciativa internacional liderada pelo Brasil conta com participantes da China, do Reino Unido, da França, da África do Sul e da Alemanha. “Perdemos um tempo considerável em razão da pandemia, mas os instrumentos estão em construção e esperamos entrar na fase de comissionamento do radiotelescópio até o fim de 2022”, disse Elcio Abdalla, coordenador do projeto e pesquisador do Instituto de Física da USP (Universidade de São Paulo).

A iniciativa tem custo estimado entre R$ 15 milhões e 20 milhões, com recursos da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), do MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações), da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) e do governo da Paraíba. Entre as instituições de pesquisa brasileiras mais envolvidas estão a USP, a UFCG (Universidade Federal de Campina Grande) e o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).

E o Bingo, claro, segue a tradição dos astrofísicos com acrônimos engraçadinhos: trata-se de uma contração de Baryon Acoustic Oscillations from Integrated Neutral Gas Observations, ou Oscilações Acústicas de Bárions em Observações Integradas de Gás Neutro. Resumindo, o registro dos sinais deixados pelos antigos sons que fluíram pelo cosmos quando ele não passava de um plasma denso, mais de 13 bilhões de anos atrás.

A BALADA DO UNIVERSO
Calma, não se desespere por não estar entendendo direito que papo é esse. Vamos destrinchar esse negócio, começando pelo Big Bang. Normalmente apresentado como uma grande explosão, ele na verdade pode ser melhor visualizado como uma grande diluição por expansão. Imagine que, no começo de tudo, 13,8 bilhões de anos atrás, toda a matéria e energia do Universo estivesse acumulada em um único ponto. Esse ponto então inflou como um balão, e o conteúdo cósmico foi se espalhando e se diluindo. Nesse processo, foi se resfriando. Partículas foram formadas. Mas ainda muito quentes, se deslocavam a altíssimas velocidades. A luz, por sua vez, não conseguia avançar sem logo trombar em alguma partícula. Elétrons não conseguiam ser capturados por prótons e nêutrons, formando núcleos atômicos neutros. A essa maçaroca desorganizada se dá o nome de plasma. O Sol, por exemplo, é feito de plasma — são núcleos atômicos e elétrons quentes demais para existirem em forma combinada estável.

Com as leis físicas conhecidas, os cientistas conseguem descrever de forma bem razoável o que acontecia nesse plasma primordial. Primeiro, ele não era totalmente homogêneo (a física quântica proibia isso), ou seja, era como um angu cheio de caroços. Segundo, as partículas de luz estavam o tempo todo tentando sair (eu as imagino gritando “me deixa passar, me deixa passar!”), enquanto trombavam com partículas de matéria ao redor.

Não ser homogêneo significava que havia lugares com maior densidade de bárions (prótons e nêutrons) que outros. Onde a densidade era maior, a gravidade fazia mais força para dentro, de compressão. Mas os fótons (partículas de luz) seguiam fazendo seu esforço de se desvencilhar, uma força para fora. A combinação dos dois produziu oscilações acústicas. Isso mesmo, ondas de som foram emanadas em meio àquele plasma denso primordial. Oscilações acústicas de bárions.

A expansão prosseguiu, a diluição aumentou, até que, finalmente, a luz conseguiu transitar sem ficar trombando, enquanto átomos puderam se formar, combinando prótons e nêutrons a elétrons de maneira estável (o que os cosmólogos chamam de “época da recombinação”, de forma até meio confusa, já que essas partículas jamais haviam se combinado antes). Isso aconteceu cerca de 380 mil anos após o Big Bang, quando, diz-se poeticamente, o Universo se tornou transparente.

Os primeiros fótons a dar seu grito de liberdade seguem transitando por aí, tendo viajado mais de 13 bilhões de anos e contando. Nós os detectamos na forma de micro-ondas. Como essa radiação vem de todos os lados, fruto da própria expansão do cosmos pós Big Bang, damos a ela o nome de radiação cósmica de fundo em micro-ondas.

Imagem da radiação cósmica de fundo em micro-ondas obtida pelo satélite Planck. (Crédito: ESA)

E as tais oscilações acústicas, também ainda transitam por aí? Não. Lembre-se: sons, para se propagarem, precisam de matéria. O preço de o Universo se tornar transparente foi também o de ficar mudo. Mas lá atrás, essas ondas induziram alterações na distribuição da matéria naquele plasma primordial, que mais tarde se refletiriam na organização do cosmos em galáxias, grandes conjuntos de estrelas e gás. Observando a distribuição da matéria em nossos arredores cósmicos mais amplos, podemos buscar o padrão das oscilações acústicas ocorridas na fase “opaca” que veio logo após o surgimento do Universo.

Não é uma tarefa fácil: imagine jogar centenas de pedras em um lago e, depois que cada uma das ondas circulares geradas se sobrepôs às outras em um padrão complexo, você tirar uma foto e tentar identificar uma por uma cada uma delas. Agora vá mais longe e imagine que, no Universo, isso estava acontecendo em três dimensões — os círculos do lago viravam bolhas, ocorrendo em diferentes profundidades.

Apesar da dificuldade, já temos algumas evidências bem documentadas desse padrão. As medidas da radiação cósmica de fundo permitem estimar o tamanho que as bolhas de densidade geradas pelas oscilações acústicas tinham quando o Universo se tornou “mudo”, o chamado “horizonte do som”. E, por outro lado, grandes varreduras do céu, como a famosa Sloan Digital Sky Survey (SDSS), permitiram encontrar esses padrões na distribuição de galáxias, indicando que o antigo horizonte do som, no Universo de hoje, após bilhões de anos de expansão, tem um tamanho de cerca de 500 milhões de anos-luz. Essa é a principal medida que o Bingo pretende fazer, mas observando a distribuição de hidrogênio neutro.

O LUGAR CERTO
Os pesquisadores liderados por Elcio Abdalla procuraram por toda a América do Sul, sobretudo Brasil e Uruguai, onde poderiam abrigar o grande radiotelescópio. Acabaram optando pela Serra da Catarina, na zona rural de Aguiar, no sertão da Paraíba. Os critérios de escolha foram a geografia local e o isolamento, que tornam a região a que sofre menor interferência de rádio gerada por atividade humana, dentre todas as visitadas.

O desenho do radiotelescópio é próprio do projeto, com um refletor principal de 40 metros de diâmetro e um secundário de 36 metros, e uma torre com 28 cornetas para receber o sinal refletido do espaço. O sistema é fixo, o que significa que o instrumento não será “apontado” (a exemplo do famoso radiotelescópio de Arecibo, recém-desativado em Porto Rico). Em vez disso, registrará observações do que estiver no céu acima, e a própria rotação terrestre fará o “apontamento”, permitindo que o Bingo registre cerca de um oitavo da esfera celeste em suas observações.

O principal objetivo é fazer medições de ondas de rádio no comprimento de 21 centímetros, que está associado à presença do hidrogênio neutro (com um elétron girando ao redor do núcleo atômico, compensando a carga positiva de seu único próton). Os dados permitirão observar sua distribuição a uma distância de alguns bilhões de anos-luz. A ambição é que o Bingo seja o primeiro instrumento a detectar em rádio os padrões das oscilações acústicas de bárions.

A precisão das medidas, por sua vez, pode fornecer boas pistas a respeito da matéria escura e da energia escura, duas entidades que conhecemos apenas por efeitos indiretos, mas cuja natureza ainda não é compreendida. E o que dá mais agonia: elas respondem por 95% de todo o conteúdo de matéria e energia do Universo. A dita matéria bariônica, que forma todos os objetos diretamente detectáveis, dos átomos às estrelas, responde por apenas 5%.

Sabemos que a matéria escura existe porque ela produz gravidade, embora não interaja com a luz. E claro que sua contribuição gravitacional é parte da receita para as oscilações acústicas ocorridas lá no plasma primordial pós-Big Bang. Medir as oscilações com precisão ajuda a delimitar sua ação e contrastar com hipóteses explicativas.

Já a energia escura é uma força misteriosa que tem feito com que a expansão cósmica se acelere, de uns 5 bilhões de anos para cá. Ninguém sabe o que é, mas, como ela influencia na expansão, também tem impacto no tamanho das bolhas deixadas pelas oscilações acústicas.

Dessa maneira, espera-se que o Bingo contribua para elucidar esses grandes mistérios. Mas não apenas esses. Os pesquisadores também apostam que o radiotelescópio será útil no estudo das chamadas rajadas rápidas de rádio (“fast radio bursts”, em inglês), fenômeno descoberto na década passada que envolve disparos muito rápidos e intensos de energia. Ainda são largamente misteriosos e vêm em vários sabores; alguns parecem se repetir, periodicamente ou não, outros são eventos únicos. Estamos falando de ocorrências cósmicas altamente energéticas, possivelmente conectadas, ao menos em alguns casos, a estrelas de nêutrons com fortíssimos campos magnéticos, mas sua natureza exata ainda não está clara.

Quando Albert Einstein teve sua teoria da relatividade geral confirmada pela observação de um eclipse solar em Sobral, no Ceará, disse à imprensa: “O problema que minha mente formulou foi respondido pelo luminoso céu do Brasil.” A relatividade geral, por sua vez, é a base da cosmologia, de onde agora nascem os mistérios da energia escura e da matéria escura. Em Aguiar, na Paraíba, um século mais tarde, chegou a hora de o “luminoso céu do Brasil” mais uma vez entrar em campo para tentar resolver a parada. Que venha a construção e então os primeiros resultados!

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Buracos negros são maestros da sinfonia da formação estelar em galáxias vizinhas https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2021/06/27/buracos-negros-sao-maestros-da-sinfonia-da-formacao-estelar-em-galaxias-vizinhas/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2021/06/27/buracos-negros-sao-maestros-da-sinfonia-da-formacao-estelar-em-galaxias-vizinhas/#respond Mon, 28 Jun 2021 02:15:37 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2021/06/galaxia_gas_satelites_02_1920x1080px-320x213.jpg https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=10006 Volto hoje ao plano A da semana passada, atravessado pela tragédia da pandemia. O tema é buracos negros supermassivos, objetos que moram no coração de praticamente todas as galáxias elípticas e espirais, inclusive a nossa. Um novo estudo demonstrou que eles são capazes de influir no processo de formação de estrelas de uma vasta região do espaço, incluindo galáxias-satélite vizinhas.

Primeiro um pouquinho de contexto. A Via Láctea, nossa galáxia, tem algo como 200 bilhões de estrelas, das quais o Sol é apenas mais uma. Essas estrelas estão distribuídas em braços espirais, onde há nuvens de gás, que podem dar origem a futuras estrelas no futuro. Na região central, há um bojo, com maior concentração estelar e gasosa, e bem no meio de tudo reside o buraco negro supermassivo, com massa equivalente a 4,1 milhões de sóis, comprimida de tal modo que seu diâmetro é apenas 30 vezes maior que o do Sol.

Há muita curiosidade sobre o que acontece dentro de um buraco negro, dado que as leis físicas conhecidas “bugam” por lá. Mas, para os astrofísicos, o mais interessante é o que rola do lado de fora. Estrelas e gás são acumulados na região externa do buraco negro e acabam, com o tempo, sendo tragados por ele. O objeto no centro da nossa galáxia anda relativamente quieto (entre refeições), mas há muitos corações galácticos por aí bem mais ativos.

Nesses, o gás circundante a ser tragado é acelerado, e a dinâmica produz jatos enormes de partículas ejetadas quase à velocidade da luz, nos dois sentidos do eixo de rotação do buraco negro. Na galáxia gigante M87, por exemplo (a mesma que teve seu buraco negro central fotografado recentemente), esse jato é bem visível e se estende por 5.000 anos-luz.

Especula-se há tempo que os jatos que emanam da borda do buraco negro impactam no tênue gás circundante e influem em processos de formação estelar dentro da galáxia. Ou seja, o buraco negro central é como um maestro, regendo e modulando a produção de novas estrelas. O que Ignacio Martín-Navarro, do Instituto de Astrofísica das Canárias, e seus colegas quiseram testar é se esses processos também podem afetar galáxias satélites vizinhas.

Em artigo publicado na Nature, veio a conclusão: sim. Com dados de arquivo de observação de 124 mil galáxias-satélites, distribuídas ao redor de mais de 29 mil sistemas galácticos, os pesquisadores notaram que as galáxias-satélites localizadas acima e abaixo dos jatos do buraco negro da galáxia central tinham menos produção estelar que as demais circundantes.

Para completar, testaram se o mesmo efeito aparecia numa simulação chamada Illustris TNG, que reproduz em computador a evolução do universo na escala intergaláctica, partindo de leis básicas da física. E o efeito também está lá. Ou seja, esses grandes maestros do Universo conduzem uma orquestra bem maior do que antes se supunha.

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A física dos buracos negros e os campeões morais do Nobel em Física deste ano https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2020/10/06/a-fisica-dos-buracos-negros-e-os-campeoes-morais-do-nobel-em-fisica-deste-ano/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2020/10/06/a-fisica-dos-buracos-negros-e-os-campeoes-morais-do-nobel-em-fisica-deste-ano/#respond Tue, 06 Oct 2020 18:48:42 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2020/10/penrose-genzel-ghez-320x213.jpg https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=9583 A Academia Real de Ciências da Suécia fez uma ótima escolha ao premiar Roger Penrose, Reinhard Genzel e Andrea Ghez com o Nobel em Física de 2020, por suas contribuições no estudo dos enigmáticos buracos negros. Mas cabe nesta hora lembrar outros dois ganhadores “morais” do prêmio – um que ficou no passado e um que certamente ainda levará sua medalha no futuro.

O do passado é Stephen Hawking. O físico britânico foi um grande especialista na física dos buracos negros e foi um contemporâneo de Penrose na decifração de seus segredos. Os dois inclusive trabalharam como parceiros em vários estudos e se tornaram sinônimos da investigação da singularidade (o que supostamente há no interior do buraco negro, onde a teoria da relatividade geral se recusa a entrar) e dos fenômenos do horizonte dos eventos — a linha imaginária que delimita o ponto de não retorno de um buraco negro: tudo que está dentro dessa fronteira matemática está destinado a desaparecer da nossa vista para sempre; já o que está fora ainda tem chance de escapar.

O Nobel não é concedido postumamente, de forma que Hawking, morto em 2018, terá de passar à história como um dos muitos pesquisadores brilhantes que acabaram não agraciados pela prestigiosa premiação. Era meio consensual entre os físicos que sua predição de que buracos negros emitem uma sutil radiação e evaporam poderia perfeitamente justificar o prêmio — caso fosse confirmada. Se tivesse vivido mais dois anos, mesmo sem essa confirmação, Hawking possivelmente embolaria a disputa do prêmio deste ano.

Isso porque 2019 foi o ano que nos trouxe a mais contundente evidência de que os aspectos mais radicais da física dos buracos negros não são meras abstrações teóricas: a imagem produzida pelo Event Horizon Telescope, que pela primeira vez revelou a sombra escura de um buraco negro.

Como demonstram os trabalhos de Penrose, a física já era bem robusta antes disso — os cientistas já esperavam que o horizonte dos eventos e a escuridão que se esconde além dele estivessem lá. Mas, como dizem por aí, uma imagem vale mais do que mil equações.

E uma das grandes motivações por trás do projeto do EHT foi justamente a descoberta dos outros dois premiados deste ano, Reinhard Genzel e Andrea Ghez (ela apenas a quarta mulher a ganhar um Nobel em física na história): a existência de um buraco negro supermassivo no coração da Via Láctea, a nossa galáxia.

Quando o EHT se lançou à tarefa de reunir radiotelescópios espalhados pelo globo para constituir o equivalente de uma enorme antena do tamanho da Terra, o principal alvo era registrar esse objeto, conhecido como Sagittarius-A* (pronuncia-se A-estrela). Mas eles também tinham um segundo alvo, muito mais distante, mas também muito maior, no coração da galáxia M87. Foi esse o astro do registro histórico de 2019. Sagittarius-A* continua na mira do projeto, que segue colhendo dados para tentar visualizar sua sombra.

É indiscutível que as lideranças por trás do EHT (e em particular seu idealizador, o astrofísico Shep Doeleman) acabarão levando seu próprio Nobel num futuro próximo. Por ora, serve como consolo para eles o fato de que sua descoberta decerto foi determinante para a escolha dos acadêmicos suecos neste ano.

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Com ondas gravitacionais, astrônomos veem pela primeira vez ‘elo perdido’ dos buracos negros https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2020/09/02/com-ondas-gravitacionais-astronomos-veem-pela-primeira-vez-elo-perdido-dos-buracos-negros/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2020/09/02/com-ondas-gravitacionais-astronomos-veem-pela-primeira-vez-elo-perdido-dos-buracos-negros/#respond Wed, 02 Sep 2020 12:00:39 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2020/09/13-GW190521-Massive-Merger-Art-320x213.jpg https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=9527 Por meio de ondas gravitacionais, uma grande colaboração internacional de cientistas diz ter detectado pela primeira vez uma espécie de “elo perdido” dos buracos negros. Ele não seria nem dos que têm porte de uma estrela, nem um dos gigantes que existem no coração das galáxias, com milhões a bilhões de vezes a massa do Sol.

A descoberta foi possível graças aos dois observatórios LIGO, nos Estados Unidos, e ao Virgo, na Itália, detectores que têm estruturas com três a quatro quilômetros de extensão e conseguem medir flutuações minúsculas na própria geometria do espaço-tempo — marolas produzidas pelo espiralar alucinante de objetos de alta massa rumo a uma colisão que consiste no equivalente cósmico de atirar uma pedra num lago, com ondas se propagando a partir do ponto do impacto em todas as direções.

No caso em questão, a colisão se deu há cerca de 7 bilhões de anos, entre dois buracos negros, um com 85 vezes a massa do Sol, e outro com 66 vezes a massa do Sol. Nesse evento brutal, a energia equivalente a mais de oito sóis foi convertida diretamente em ondas gravitacionais, que se propagaram por uma distância hoje correspondente a 16 bilhões de anos-luz, até atingirem a Terra, como uma sutil vibração do espaço-tempo, no dia 21 de maio de 2019, onde foram “sentidas” pelo LIGO e pelo Virgo.

(Leitores mais atentos ficarão encafifados com os números acima: se as ondas gravitacionais viajaram por 7 bilhões de anos, à velocidade da luz, como podem ter percorrido uma distância hoje equivalente a 16 bilhões de anos-luz? Lembre-se de que, durante essa viagem, o Universo todo está em expansão, ou seja, o próprio espaço está se esticando. O hodômetro das ondas gravitacionais de fato marca 7 bilhões de anos-luz percorridos, mas durante o percurso o próprio espaço cruzado se esticou, colocando o objeto de origem a uma distância que, hoje, é bem maior.)

Como esse evento, já são um bom punhado as detecções de colisões de buracos negros por ondas gravitacionais nos últimos anos. Mas essa tem um sabor especial: o tamanho dos buracos negros envolvidos.

A fusão resultou na formação de um buraco negro de 142 massas solares, o que já o coloca confortavelmente na faixa dos buracos negros intermediários — objetos com algo entre 100 e 1.000 massas solares, cuja existência até agora era apenas suposta (embora com boas evidências indiretas).

Cabe aqui explicar o que são buracos negros. Em essência, são objetos em que a massa foi tão comprimida que a força da gravidade em seu entorno impede o escape até mesmo da coisa mais rápida que existe — a luz.

Durante algumas décadas, essa foi apenas uma curiosidade teórica derivada das equações da relatividade. Mas, depois que os astrofísicos entenderam como as estrelas “funcionam”, compensando sua gravidade enorme (de fora para dentro) com a produção de energia por fusão nuclear (de dentro para fora), eles perceberam que estrelas com massa suficientemente alta podem acabar, ao final de suas vidas, quando o combustível para a fusão se esgota, colapsando até virarem um buraco negro.

Esses são de longe os tipos mais comuns — o feijão do Universo, por assim dizer.

Só que esse não é o fim da história. Nossas observações mostram que, no coração de praticamente todas as galáxias, há um objeto com massa enorme, equivalente a milhões ou bilhões de sóis, que só pode ser um buraco negro (de fato, já até tiramos uma foto de um desses, então não resta dúvida de que seja). São chamados pelos astrônomos de supermassivos — a nossa feijoada cósmica.

Bem, e como se faz uma boa feijoada? Você tem de jogar na panela um monte de feijão e mais um bom bocado de carnes e temperos. Os buracos negros de massa intermediária seriam, portanto, as orelhas de porco, paios e linguiças do Universo.

Exceto pelo fato de que ninguém nunca tinha observado uma orelha de porco cósmica. A gente só conhecia para valer os feijões e a feijoada completa. Bueno, no más! Porque não só achamos agora esse produto de uma fusão de dois buracos negros que ficou com respeitáveis 142 massas solares, como um deles, com 88 massas solares, está em uma faixa em que os astrofísicos não esperavam encontrar buracos negros.

Dos feijões à feijoada cósmica: observatórios de ondas gravitacionais estão aos poucos mapeando a receita. (Crédito: LIGO-Virgo)

Na verdade, a maior parte dos modelos sugere que há um intervalo, entre cerca de 65 e 120 massas solares, que deveria ser um “deserto” de buracos negros. Isso porque estrelas com até 130 massas solares explodiriam como supernovas e deixariam para trás um caroço de até 65 massas solares para virar buraco negro, mas as maiores que isso sofreriam um tipo de colapso tão explosivo que as destruiria por completo, sem deixar sobras. E aí, acima disso, restariam apenas aquelas estrelas realmente imensas, com mais de 200 massas solares, que poderiam colapsar direto em buraco negro sem uma explosão violenta, formando objetos escuros com pelo menos 120 massas solares — já se aproximando dos elusivos intermediários.

E, no entanto, mesmo antes da fusão, LIGO e Virgo acabaram de ver um buraco negro todo pimpão com 85 massas solares, bem no meio dessa faixa “desértica”.

Qual o melhor palpite no momento para explicá-lo? Jogando com o que temos, dá para pensar que ele mesmo pode ser o resultado de uma fusão anterior entre dois buracos negros de porte estelar. (Com efeito, em 2017, uma colisão assim foi observada pelo LIGO, formando um buraco negro de 80 massas solares.)

Essa sequência toda, por sinal, acaba sugerindo um caminho para irmos do feijão à feijoada, por fusões sucessivas de buracos negros cada vez maiores. (E aqui nos despedimos de nossa metáfora culinária, porque não haverá meio de você fundir dois feijões para que se tornem uma orelha de porco.)

Para confirmar ou refutar essa hipótese, qual o caminho adiante? Ajudará bastante “escutarmos” mais ondas gravitacionais de outros eventos semelhantes, até termos uma ideia clara do processo todo, dos menores aos maiores buracos negros. Por sinal, em retrospecto, é fascinante ver como essas marolas no espaço-tempo preditas por Einstein fizeram nosso conhecimento sobre buracos negros evoluir tão depressa em meros cinco anos. Até setembro de 2015, ninguém havia sequer observado uma onda gravitacional. Agora, já as usamos para sondar, em detalhes cada vez mais finos, os objetos mais intrigantes e (literalmente) obscuros do cosmos.

Os novos resultados foram publicados em dois artigos, um sobre a detecção em si (no Physical Research Letters) e outro sobre as consequências astrofísicas do achado (no Astrophysical Journal Letters).

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Astrônomos encontram ‘elo perdido’ na evolução dos buracos negros https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2020/04/06/astronomos-encontram-elo-perdido-na-evolucao-dos-buracos-negros/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2020/04/06/astronomos-encontram-elo-perdido-na-evolucao-dos-buracos-negros/#respond Mon, 06 Apr 2020 04:00:48 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2020/04/STSCI-H-p2019c-m-2000x2000.png https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=9272 Eles existem mesmo. Um grupo de astrônomos, apoiando-se em observações do telescópio Hubble e de dois satélites de raios X, encontrou as melhores evidências de que os buracos negros de massa intermediária são de fato uma realidade.

Bem conhecidos são os outros dois tipos: os de massa estelar e os supermaciços. Os primeiros existem às pencas e se formam quando uma estrela de grande porte (bem maior que o Sol) chega ao fim de sua vida. As camadas exteriores explodem como uma supernova, enquanto o núcleo é comprimido a tal ponto que, dali, nem mesmo a luz consegue escapar – a definição clássica de um buraco negro.

Já os supermaciços sabemos que moram no coração de cada galáxia e que podem chegar a ter massa equivalente à de bilhões de sóis, comprimida numa região menor que o Sistema Solar. O buraco negro supermaciço em nossa galáxia, Sagittarius A*, está a cerca de 26 mil anos-luz da Terra e tem massa de cerca de 4 milhões de sóis – até modesto, comparado aos equivalentes de outras galáxias.

Os de massa intermediária seriam um potencial “elo perdido” entre os dois, e os mais complicados de detectar. Os de massa estelar sabemos como se formam, e aí basta procurar estrelas que pareçam estar girando ao redor de um companheiro invisível (quando não sendo consumidas por ele) para encontrá-los. Já os supermaciços moram no coração de cada galáxia, onde por vezes se veem deglutindo gás em copiosas quantidades, o que gera indiscretos raios X. No ano passado, conseguimos até tirar uma foto de um deles.

Para achar um de massa intermediária, contudo, seria preciso contar com a sorte. E a fortuna pareceu sorrir aos astrônomos em 2006, quando os satélites XMM-Newton (europeu) e Chandra (americano) detectaram uma poderosa rajada de raios X, identificada pela insuspeita sigla 3XMM J215022.4-055108. O sinal, embora antigo, só foi encontrado pelos astrônomos recentemente, em meio aos dados de arquivo. E podia representar a emissão de uma estrela de nêutrons da nossa galáxia ou o sinal de despedaçamento de uma estrela pelas forças gravitacionais de um buraco negro de massa intermediária localizado fora da nossa galáxia.

Para distinguir entre as duas hipóteses, os pesquisadores encabeçados por Dacheng Lin, da Universidade de New Hampshire (EUA), voltaram a observar o objeto, desta vez com o XMM-Newton e com o Hubble.

As novas observações nos deixaram apenas com a hipótese de um buraco negro extragaláctico com massa dezenas de milhares de vezes maior que a do Sol. Ele parece habitar os subúrbios de uma galáxia lenticular a 800 milhões de anos-luz daqui.

Concepção artística de um buraco negro de massa intermediária despedaçando uma estrela. (Crédito: STScI/Nasa/ESA)

A detecção, publicada no Astrophysical Journal Letters, salta direto para o topo da lista de candidatos a buracos negros de massa intermediária, que já contava com alguns (poucos) membros. Resta agora entender qual é o processo de formação desses objetos e a relação deles com seus primo. Será que tudo começa com os de massa estelar, que se agregam para formar os de massa intermediária, que podem ao longo de muito tempo virar os supermaciços? A questão segue em aberto.

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Europeus lançam a Solar Orbiter, sonda destinada a estudar o Sol de perto https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2020/02/10/europeus-lancam-sua-sonda-para-estudar-o-sol-de-perto/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2020/02/10/europeus-lancam-sua-sonda-para-estudar-o-sol-de-perto/#respond Mon, 10 Feb 2020 05:00:42 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2020/02/solar-orbiter-320x213.jpg https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=9214 Partiu ao espaço nesta segunda-feira (10) mais uma sonda destinada a investigar de perto os mistérios da grande usina de energia do nosso sistema planetário: a europeia Solar Orbiter.

Não estaríamos aqui hoje não fosse o Sol (e, claro, a conveniência de a Terra estar no lugar certo para nem fritar, nem congelar), mas restam muitos mistérios não solucionados sobre nossa estrela-mãe.

A Solar Orbiter fará dobradinha com a já lançada e operacional Parker Solar Probe, americana, que vem batendo recordes sucessivos de aproximação máxima do Sol para investigar seus segredos. Até agora, em órbitas cada vez mais excêntricas (ovais), a sonda já chegou a estar a apenas 18,6 milhões de quilômetros da fotosfera (a superfície solar), em 29 de janeiro. Foi sua quarta passagem de raspão pelo Sol, literalmente mergulhando em sua coroa (a atmosfera estendida da estrela).

Em futuras órbitas, a distância mínima da Parker com o astro-rei será encurtada ainda mais, chegando a meros 6,2 milhões de quilômetros. Em contraste, a Solar Orbiter tem a promessa de vida mais fácil. 

Após ser impulsionada pelo foguete americano Atlas 5, a partir de Cabo Canaveral, na Flórida, a sonda europeia será inserida numa órbita elíptica ao redor do Sol, que será ajustada por meio de passagens de raspão pela Terra e por Vênus, usando a gravidade dos planetas como estilingue. Daqui a dois anos, ela deve atingir sua órbita operacional, que chegará no mínimo a 42 milhões de km da fotosfera.

É bem mais que a Parker, mas não é exatamente uma brisa. Seu periélio (ponto de máxima aproximação do Sol) levará a espaçonave para mais perto do Sol que Mercúrio, o menor e mais interno dos planetas. Para lidar com o calor, a Airbus, empresa responsável pelo projeto e pela construção da Solar Orbiter, desenvolveu um revestimento chamado SolarBlack. Aplicado ao escudo térmico da sonda, ele protegerá os 10 instrumentos embarcados de temperaturas superiores a 500° C – suficientes para derreter chumbo.

Futuros encontros com os planetas ajudarão a colocar a sonda numa órbita cada vez mais inclinada, dando meios para observar as latitudes mais altas da estrela – algo que a Parker, com órbita cuja inclinação de 3,4° com relação ao Sol (praticamente no equador solar), não permite fazer. Em sua missão estendida, se a Solar Orbiter aguentar até lá, sua inclinação orbital poderá chegar a até 33 graus.

As duas sondas, portanto, são complementares, e não por acaso há grande participação da Nasa no projeto da ESA. Juntas, elas devem fornecer o quadro mais completo já produzido do funcionamento do maravilhoso motor nuclear do Sistema Solar.

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Não prenda a respiração esperando a supernova de Betelgeuse https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2020/01/20/nao-prenda-a-respiracao-esperando-a-supernova-de-betelgeuse/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2020/01/20/nao-prenda-a-respiracao-esperando-a-supernova-de-betelgeuse/#respond Mon, 20 Jan 2020 05:00:19 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2020/01/betelgeuse-hubble-320x213.jpg https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=9197 Olhe para as Três Marias e procure, próximo a elas, uma estrelinha avermelhada. Lá, a 642 anos-luz de distância, está Betelgeuse, a estrela que, desde o fim do ano passado, todo mundo está torcendo para explodir numa supernova. OK, eu também estou, mas melhor não contar com isso.

Os astrônomos dizem que sua explosão é iminente. Mas entenda o que é “iminente” em astronomia: estamos falando de algum ponto dos próximos 100 mil anos. Sabemos que vai acontecer porque se trata de uma estrela supergigante vermelha. É o que viram as estrelas azuis (as maiores e mais brilhantes) quando inflam, no estágio final de suas vidas.

Inchada, Betelgeuse se tornou ainda mais gigantesca. Se a colocássemos hoje no centro do Sistema Solar, ela engoliria Mercúrio, Vênus, Terra e Marte, além do cinturão de asteroides, possivelmente atingindo Júpiter. É uma monstrenga.

E o que gerou essa ideia de que a estrela pode estar às vésperas de uma explosão? Ocorre que, em tempos recentes, ela se tornou especialmente pouco brilhante. Nunca a vimos tão discreta, desde que começamos a medir com alguma precisão o brilho das estrelas. (O primeiro a notar que o brilho dela variava foi John Herschel, em 1836.)

Sabemos por que essas variações de brilho acontecem (tem a ver com processos convectivos na superfície da estrela inchada), mas o nível de variação desta vez pegou os cientistas de surpresa. Poderia ser o prenúncio da esperada explosão? Improvável, mas não impossível.

Para embaralhar ainda mais o jogo, o observatório de ondas gravitacionais Ligo detectou na última terça-feira um sinal na direção geral de Betelgeuse, deixando alguns se perguntando se seria um aviso prévio da explosão. Supernovas devem gerar ondas gravitacionais, mas o sinal viaja à velocidade da luz, de forma que entre as ondas gravitacionais e as eletromagnéticas (luminosas, para os íntimos), a diferença de tempo entre os dois seria de poucos instantes (a luz pode chegar “atrasada”, tendo de transitar pelas camadas exteriores da estrela). E claro, isso implica que, se virmos ela virar supernova amanhã, quer dizer que isso aconteceu na verdade há 642 anos, tempo que a luz da explosão levou para viajar até aqui.

Há sinais preliminares de que Betelgeuse voltou a aumentar seu brilho, embora seja preciso esperar mais alguns dias para confirmar isso. De todo modo, é muitíssimo provável que os rumores da morte dela tenham sido grandemente exagerados. O que é uma pena. Teria sido um espetáculo visual incrível (e inofensivo). A explosão a tornaria visível mesmo à luz do dia, por semanas, quiçá meses. A última supernova visível a olho nu na Via Láctea pintou nos céus em 1604 – e estava 30 vezes mais distante. Fica a torcida.

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Em reunião, astrônomos apresentam avanços sobre matéria escura e dúvidas da energia escura https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2020/01/13/em-reuniao-astronomos-apresentam-avancos-sobre-materia-escura-e-duvidas-da-energia-escura/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2020/01/13/em-reuniao-astronomos-apresentam-avancos-sobre-materia-escura-e-duvidas-da-energia-escura/#respond Mon, 13 Jan 2020 05:00:29 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2020/01/STSCI-H-p2005a-d-1280x720-320x213.png https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=9185 Nas últimas décadas, os astrofísicos tiveram de postular a existência de dois novos ingredientes no Universo para dar conta de explicar suas observações: sem saber o que eles podiam ser, eles os batizaram de matéria escura e energia escura.

A primeira seria uma substância misteriosa e invisível, diferente da matéria convencional que compõe estrelas, planetas e tudo mais que vemos por aí, mas que podia ser detectada por produzir gravidade. Ela ajudaria a explicar a distribuição e forma das galáxias, além de seu padrão inusual de rotação.

A segunda seria uma forma de energia que estaria agindo contra a gravidade, acelerando a expansão do cosmos, o que parece ser sugerido por uma série de evidências, a começar pela observação de supernovas distantes que servem como pontos de referência para identificar distância e velocidade de afastamento desses objetos com relação a nós.

Desde então, os pesquisadores vêm tentando fazer observações cada vez mais detalhadas para encontrar uma teoria capaz de explicar esses dois fenômenos. E a 235ª Reunião da Sociedade Astronômica Americana (AAS), em Honolulu, realizada na semana passada, trouxe resultados importantes nas duas frentes.

No caso da matéria escura, um grupo liderado por Anna Nierenberg, da Nasa, demonstrou, com novas observações feitas pelo Telescópio Espacial Hubble, que a matéria escura pode se aglomerar em pequenas quantidades – algo que não tinha sido visto antes e ajuda a corroborar o modelo mais aceito para ela, a chamada “matéria escura fria”. (Fria nesse caso, no sentido termodinâmico do termo, indicando que suas partículas constituintes se movem em baixa velocidade e, portanto, podem se manter reunidas com um nível de gravidade menor.)

Eles observaram quasares distantes que têm sua imagem multiplicada por uma lente gravitacional, quando uma galáxia ou aglomerado delas que está entre nós e os quasares age como uma lente, curvando os raios de luz dos objetos de fundo. Modelando essas distorções com uma nova técnica, o grupo encontrou evidências de concentrações de matéria escura que chegam a um centésimo de milésimo da quantidade de matéria escura presente no halo da Via Láctea, nossa galáxia. O resultado parece indicar que os cientistas estão no caminho certo para compreender a matéria escura, embora falte identificar que misteriosas partículas seriam essas.

Já para a energia escura, as notícias não foram tão alvissareiras. Um novo conjunto de observações e análises de supernovas e suas galáxias de origem feito por um grupo de pesquisadores da Universidade Yonsei, em Seul (Coreia do Sul) parece identificar um viés observacional que, quando levado em conta, faz desaparecer as evidências de que o Universo esteja se acelerando. Ou seja, o resultado sugere que a energia escura possa não existir.

É cedo demais para apostar que esse é o caso, já que as supernovas analisadas pelo trabalho são apenas as menos brilhantes, que não são as que baseiam a hipótese da energia escura. Além disso, há outras linhas de evidência circunstanciais que apontam para sua existência. Trata-se de questão em aberto – que acaba de ficar um pouco mais nebulosa.

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Pesquisadores anunciam nova detecção de ondas gravitacionais https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2020/01/06/pesquisadores-anunciam-nova-deteccao-de-ondas-gravitacionais/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2020/01/06/pesquisadores-anunciam-nova-deteccao-de-ondas-gravitacionais/#respond Mon, 06 Jan 2020 20:15:10 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2020/01/colisao-ligo-320x213.jpg https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=9172 Pesquisadores da colaboração internacional que envolve os observatórios de ondas gravitacionais Ligo e Virgo detectaram os sinais de uma colisão de dois astros de alta massa ocorrida a 520 milhões de anos-luz de distância.

Os resultados foram apresentados nesta segunda-feira (6), durante reunião da Sociedade Astronômica Americana (AAS) e podem até mesmo representar a primeira detecção de uma fusão de uma estrela de nêutrons com um buraco negro, mas o mais provável é que sejam duas estrelas de nêutrons em choque – algo que já foi detectado uma vez em 2017.

O alto nível de incerteza tem a ver com o fato de que a detecção foi feita por apenas um dos três detectores da colaboração. Dois deles (do Ligo) estão nos EUA, em Hanford e Livingston, e o terceiro (do Virgo) está em Cascina, na Itália. O sinal de ondas gravitacionais foi captado no dia 25 de abril de 2019 em Livingston, ocasião em que o de Hanford estava temporariamente fora de operação. E o fenômeno não era intenso o suficiente para ter sido captado pelo detector de Cascina, um pouco menor que os americanos.

Com um único detector, há algumas limitações de precisão na detecção. Ainda assim, há pouca dúvida entre os pesquisadores de que de fato a colisão é um evento real. “A taxa de falso alarme num caso como esse é de uma possibilidade a cada 69 mil anos”, diz Odylio Aguiar, pesquisador do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e um dos líderes da participação brasileira na colaboração internacional.

É a primeira vez que o grupo se sente confortável em anunciar uma detecção feita por apenas um dos observatórios, demonstrando o amadurecimento das pesquisas com ondas gravitacionais. Contudo, o fato de só haver uma detecção acaba impedindo a busca por um sinal luminoso correspondente no céu. Quanto mais detectores para triangular a direção de onde vieram as ondas gravitacionais, mais fácil limitar em que parte do firmamento o fenômeno se deu. Com um único detector, a colisão pode ter acontecido em cerca de um quinto de todo o céu, o que inviabilizou a busca por algum sinal luminoso com telescópios (como o que foi observado em 2017, na primeira detecção de uma colisão de estrelas de nêutrons).

Estima-se que os objetos que colidiram tinham, ao todo, massa entre 3,3 e 3,7 vezes a do Sol. Com esses números, poderiam ser duas estrelas de nêutrons (as maiores conhecidas têm cerca de duas massas solares) ou um buraco negro e uma estrela de nêutrons.

O aspecto mais importante da detecção é aumentar as estatísticas para estimar com que frequência esses eventos acontecem pelo Universo. “Se realmente foram duas estrelas de nêutrons, este seria o segundo evento detectado”, diz Aguiar. “Se um dos objetos era um buraco negro de baixa massa (cerca de 2,2 vezes a massa do Sol), este seria um evento inédito.”

A detecção fez parte da terceira “corrida” de observações de ondas gravitacionais feitas conjuntamente pelos observatórios Ligo e Virgo, que terminará em abril.

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