Mensageiro Sideral https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br De onde viemos, onde estamos e para onde vamos Sat, 04 Dec 2021 19:09:39 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Buracos negros são maestros da sinfonia da formação estelar em galáxias vizinhas https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2021/06/27/buracos-negros-sao-maestros-da-sinfonia-da-formacao-estelar-em-galaxias-vizinhas/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2021/06/27/buracos-negros-sao-maestros-da-sinfonia-da-formacao-estelar-em-galaxias-vizinhas/#respond Mon, 28 Jun 2021 02:15:37 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2021/06/galaxia_gas_satelites_02_1920x1080px-320x213.jpg https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=10006 Volto hoje ao plano A da semana passada, atravessado pela tragédia da pandemia. O tema é buracos negros supermassivos, objetos que moram no coração de praticamente todas as galáxias elípticas e espirais, inclusive a nossa. Um novo estudo demonstrou que eles são capazes de influir no processo de formação de estrelas de uma vasta região do espaço, incluindo galáxias-satélite vizinhas.

Primeiro um pouquinho de contexto. A Via Láctea, nossa galáxia, tem algo como 200 bilhões de estrelas, das quais o Sol é apenas mais uma. Essas estrelas estão distribuídas em braços espirais, onde há nuvens de gás, que podem dar origem a futuras estrelas no futuro. Na região central, há um bojo, com maior concentração estelar e gasosa, e bem no meio de tudo reside o buraco negro supermassivo, com massa equivalente a 4,1 milhões de sóis, comprimida de tal modo que seu diâmetro é apenas 30 vezes maior que o do Sol.

Há muita curiosidade sobre o que acontece dentro de um buraco negro, dado que as leis físicas conhecidas “bugam” por lá. Mas, para os astrofísicos, o mais interessante é o que rola do lado de fora. Estrelas e gás são acumulados na região externa do buraco negro e acabam, com o tempo, sendo tragados por ele. O objeto no centro da nossa galáxia anda relativamente quieto (entre refeições), mas há muitos corações galácticos por aí bem mais ativos.

Nesses, o gás circundante a ser tragado é acelerado, e a dinâmica produz jatos enormes de partículas ejetadas quase à velocidade da luz, nos dois sentidos do eixo de rotação do buraco negro. Na galáxia gigante M87, por exemplo (a mesma que teve seu buraco negro central fotografado recentemente), esse jato é bem visível e se estende por 5.000 anos-luz.

Especula-se há tempo que os jatos que emanam da borda do buraco negro impactam no tênue gás circundante e influem em processos de formação estelar dentro da galáxia. Ou seja, o buraco negro central é como um maestro, regendo e modulando a produção de novas estrelas. O que Ignacio Martín-Navarro, do Instituto de Astrofísica das Canárias, e seus colegas quiseram testar é se esses processos também podem afetar galáxias satélites vizinhas.

Em artigo publicado na Nature, veio a conclusão: sim. Com dados de arquivo de observação de 124 mil galáxias-satélites, distribuídas ao redor de mais de 29 mil sistemas galácticos, os pesquisadores notaram que as galáxias-satélites localizadas acima e abaixo dos jatos do buraco negro da galáxia central tinham menos produção estelar que as demais circundantes.

Para completar, testaram se o mesmo efeito aparecia numa simulação chamada Illustris TNG, que reproduz em computador a evolução do universo na escala intergaláctica, partindo de leis básicas da física. E o efeito também está lá. Ou seja, esses grandes maestros do Universo conduzem uma orquestra bem maior do que antes se supunha.

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O mistério cósmico do ovo e da galinha https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2019/06/17/o-misterio-cosmico-do-ovo-e-da-galinha/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2019/06/17/o-misterio-cosmico-do-ovo-e-da-galinha/#respond Mon, 17 Jun 2019 05:00:33 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2019/06/heic1911a-320x213.jpg https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=8902 Sabemos que toda grande galáxia tem um buraco negro supergigante em seu centro. Mas há nesse fato um mistério clássico, no melhor estilo “o que vem primeiro, o ovo ou a galinha?”. É a galáxia que, ao evoluir, gera um buraco negro com milhões de vezes a massa do Sol, ou é o buraco negro gigante e antigo que faz evoluir a galáxia no seu entorno? A resposta a essa pergunta ainda é desconhecida, e o mais provável é que ela seja similar à do ovo ou da galinha, necessariamente prefaciada com as palavras “é mais complicado que isso”.

Na semana passada, a equipe responsável pelo Telescópio Espacial Hubble divulgou imagens de um bom lugar onde procurarmos pistas para resolver o enigma: a galáxia ESO 495-21, localizada a 30 milhões de anos-luz daqui, na constelação austral da Bússola.

Ela é bem pequena, com apenas 3 mil anos-luz de diâmetro (comparados aos 100 mil anos-luz da Via Láctea), e no entanto está formando estrelas num ritmo assustador — mil vezes mais depressa do que na nossa galáxia. Mas o mais interessante é que há evidências de que, em seu centro, há um buraco negro supergigante com massa de 1 milhão de sóis. É menor que o da Via Láctea (com massa estimada em 4 milhões de sóis), mas ainda assim é proporcionalmente muito grande, em contraste com o tamanho da galáxia.

O pequeno porte, a forma indistinta e a produção acelerada de estrelas fazem da galáxia ESO 495-21 um exemplar bastante incomum entre as populações galácticas mais próximas da Terra. Os astrônomos acreditam, contudo, que ela provavelmente se sentiria em casa no passado remoto do Universo, onde galáxias pequenas, bagunçadas e com alta taxa de formação estelar (as chamadas “galáxias starburst”) deviam ser o feijão com a arroz cósmico.

O fato de que ela, apesar da aparência jovial, provavelmente tem um superburaco negro dá a impressão de que esses objetos surgem bem cedo na história de uma galáxia — se é que não nascem primeiro que ela. O certo é que, uma vez que temos uma galáxia jovem e um superburaco negro para lhe servir de centro, ambos evoluem de mãos dadas. Os jatos de radiação emitidos pelo disco de gás que circunda o buraco negro ajudam a modular a formação estelar da galáxia em volta, e a presença de matéria galáctica ajuda a alimentar o buraco negro e fazê-lo crescer.

Uma questão importante em aberto é a de como nascem os buracos negros supergigantes em primeiro lugar. Ajuda providencial nesse sentido está vindo das detecções recentes de ondas gravitacionais, que estão permitindo identificar uma população de buracos negros jamais sondada antes. Pouco a pouco, os astrônomos vão juntando as peças para no fim das contas responder à pergunta que mais nos interessa: como viemos parar aqui?

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Projeto está perto de obter a primeira foto de um buraco negro https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2019/01/14/projeto-esta-perto-de-obter-a-primeira-foto-de-um-buraco-negro/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2019/01/14/projeto-esta-perto-de-obter-a-primeira-foto-de-um-buraco-negro/#respond Mon, 14 Jan 2019 04:00:49 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2019/01/buraco-negro-simulacao-320x213.jpg https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=8580 Estamos prestes a ver a primeira imagem direta de um buraco negro. É o que dão a entender os cautelosos cientistas envolvidos no EHT, o Event Horizon Telescope, uma rede de cerca de 20 radiotelescópios espalhados pelo globo que se reuniram em causa comum para trabalhar como se fossem um só observatório gigante e então fornecer a visão mais impressionante que a humanidade já teve de um objeto astrofísico.

Tá, já sabemos, é muito fácil fazer piadinhas com buracos negros. Mais difícil — mas infinitamente mais recompensador — é contemplar o que significa observar um objeto completamente escuro circundado por um enigmático halo brilhante, provável visão a ser ofertada quando a equipe do EHT estiver pronta para apresentá-la.

Será algo tão incrível que o próprio Einstein, em 1917, quando confrontado com a ideia de que sua teoria permitia a existência de objetos assim, achou que tudo não passava de uma solução irrealista das equações. A natureza, julgou, jamais permitiria a existência de tal aberração.

Isso porque a descrição relativística de um buraco negro é basicamente a de uma passagem para fora do Universo — um rasgo no próprio tecido da nossa realidade física. Em princípio, nada que está dentro de um buraco negro pode escapar de lá e voltar para cá, e tempo e espaço perdem seu significado.

Os radiotelescópios do EHT foram apontados em 2017 na direção dos dois únicos buracos negros que em tese poderiam ser observados diretamente: o mais óbvio é o superburaco negro que mora no coração da Via Láctea, chamado de Sagitário A* (fala-se “a-estrela”), e sua contraparte no centro da galáxia M87, que está muito mais distante, mas também é mil vezes maior.

A tal “foto do buraco negro” é esperada desde o ano passado e, quando não veio, houve gente achando que o esforço havia fracassado.

O lance é que combinar todos os dados de todos os radiotelescópios, eliminar todos os defeitos de processamento e problemas de interferência, é um processo complicadíssimo.

Agora, no entanto, começaram a pintar os primeiros sinais de que o esforço deu resultado. Ouvi primeiro, no fim do ano passado, de um físico brasileiro especializado em buracos negros que o sucesso estava próximo, e na sexta-feira (11) o jornal britânico The Guardian conseguiu ainda mais detalhes.

Em entrevista, a astrofísica Sera Markoff declarou que dados “espetaculares” foram colhidos pelo EHT, mas não confirmou ou negou a observação da “sombra”, o horizonte dos eventos do buraco negro. A apresentação oficial dos resultados é esperada para o segundo trimestre de 2019. Fique de olho.

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Grande Nuvem de Magalhães vai colidir com a Via Láctea, diz estudo https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2019/01/07/a-colisao-que-vai-transformar-a-via-lactea/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2019/01/07/a-colisao-que-vai-transformar-a-via-lactea/#respond Mon, 07 Jan 2019 04:00:07 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2019/01/heic0506a-320x213.jpg https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=8570 A Via Láctea deve sofrer uma grande colisão galáctica muito antes do que se imaginava, e o impacto, em aproximadamente 2 bilhões de anos, vai transformar completamente o ambiente de nossa galáxia. A conclusão é de um quarteto de pesquisadores da Universidade de Durham, no Reino Unido, e foi publicada na última sexta-feira (4) no periódico MNRAS, da Sociedade Real Astronômica britânica.

Não estamos falando da futura colisão da Via Láctea com sua vizinha maior, a galáxia de Andrômeda — algo que é tido como um desfecho inevitável da dança gravitacional entre os membros galácticos de nosso cantinho do Universo, mas que está muito mais adiante no futuro. Aqui o drama é mais imediato e diz respeito à Grande Nuvem de Magalhães.

Trata-se de uma velha conhecida, uma galáxia-satélite da Via Láctea localizada a modestos 163 mil anos-luz daqui, figurinha fácil mesmo a olho nu no céu do hemisfério Sul. Até então, era tida como inofensiva, e esperava-se que fosse orbitar nossa galáxia por muitos bilhões de anos, ou mesmo escapar completamente do puxão gravitacional da Via Láctea, dada sua velocidade de deslocamento.

Contudo, estudos recentes mostraram que a Grande Nuvem de Magalhães tem muito mais massa do que antes se pensava, e isso muda tudo. Numa simulação de supercomputador, os pesquisadores constataram que haverá, sim, uma colisão — e é iminente. Deve acontecer em uns 2,5 bilhões de anos, com margem de erro de 1 bilhão para mais ou para menos.

“Embora 2 bilhões de anos seja um tempo extremamente longo comparado à duração de uma vida humana, é curto em escala cosmológica”, comenta Marius Cautun, líder da pesquisa.

A simulação indica que o impacto será transformador. A Via Láctea receberá enorme injeção de gás e estrelas, o que fará com que o buraco negro gigante no coração da nossa galáxia (que é modesto e quieto, comparado ao de algumas de suas vizinhas) cresça 8 vezes em tamanho e se torne ativo, emitindo doses cavalares de radiação. A periferia da Via Láctea também sofrerá mudanças e terá cinco vezes mais estrelas do que atualmente. Ironicamente, após o impacto a mirrada Via Láctea ficará mais parecida com uma galáxia espiral típica.

Apesar da bagunça, o evento não deve meter medo. Em colisões de galáxias, é muito raro que estrelas individuais (e seus planetas) passem por distúrbios. Até existe uma chance de que o Sistema Solar seja ejetado da Via Láctea rumo ao vazio do espaço intergaláctico, mas é pequena, e mesmo isso não deve afetar significativamente nossos planetas — só vai estragar a visão do céu noturno.

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Como nascem os buracos negros gigantes https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2018/09/17/como-nascem-os-buracos-negros-gigantes/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2018/09/17/como-nascem-os-buracos-negros-gigantes/#respond Mon, 17 Sep 2018 05:00:07 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2018/09/buraco-negro-supermassivo-quasar-320x213.jpg https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=8067 Praticamente todas as galáxias de respeito têm em seu centro um buraco negro gigante, com milhões a bilhões de vezes a massa do nosso próprio Sol. Mas explicar como eles foram parar lá não é moleza.

Os astrônomos conhecem uma receita clássica para formar um buraco negro: basta deixar que uma estrela de alta massa esgote seu combustível nuclear. Sem energia gerada de dentro para fora a fim de compensar a gravidade a esmagá-la, o astro simplesmente implode, e não há força conhecida na natureza capaz de impedir esse colapso.

Funciona. Mas o problema é que esses buracos negros, óbvio, não podem ter, de saída, massa maior que a das estrelas que os geraram. E não há estrela com milhões de vezes a massa do Sol.

A solução padrão para esse dilema sempre foi imaginar que buracos negros estelares, com o passar de bilhões de anos, pudessem ir engordando, engolindo mais e mais matéria, mais e mais estrelas, até se tornarem gigantes.

Seria uma ótima resposta, não fosse um detalhe inconveniente: observações das profundezas do espaço, que revelam como eram as galáxias na tenra infância do Universo, estão salpicadas de evidências de enormes buracos negros, numa época em que eles não poderiam existir caso a hipótese do engordamento gradual estivesse correta.

No ano passado, começou a ganhar força uma alternativa: simulações mostraram que, nas condições certas, enormes nuvens de gás primordial poderiam colapsar diretamente num buraco negro gigante, com dez mil a cem mil vezes a massa do Sol, numa tacada só.

Na teoria, maravilha. Na prática, como checar isso? A resposta veio na última edição da Nature Astronomy. Nela, astrônomos do Instituto de Tecnologia da Georgia, nos EUA, mostram que o Telescópio Espacial James Webb, a ser lançado em 2021, em tese seria capaz de detectar evidências da formação de buracos negros gigantes por colapso direto em observações cuja luz remonta aos primórdios do cosmos. Se eles estiverem certos, estamos muito perto de saber como nasce o coração de cada galáxia.

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A incrível saga de um neutrino solitário https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2018/07/16/a-incrivel-saga-de-um-neutrino-solitario/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2018/07/16/a-incrivel-saga-de-um-neutrino-solitario/#respond Mon, 16 Jul 2018 05:00:28 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2018/07/icecube-blazar-320x213.jpg http://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=7907 Há 3,7 bilhões de anos, uma torrente de minúsculas partículas de alta energia foi ejetada na direção da Terra, quase à velocidade da luz. Eram neutrinos, alguns dos componentes fundamentais mais discretos do Universo.

Neste momento seu corpo está sendo trespassado por centenas de bilhões dessas partículas, a maior parte emanada do Sol.

Tenha em mente que, a despeito das aparências, todo agregado de matéria — inclusive você — é majoritariamente feito de nada. Cada átomo é mais de 99,999% espaço vazio. Só não atravessamos paredes por aí por conta da repelência mútua que os átomos exercem uns sobre os outros, por meio da força eletromagnética.

Só que os neutrinos, com sua carga elétrica neutra e seu tamanho diminuto, não estão submetidos a essa força. Por isso, eles costumam atravessar nossos corpos sem abalos.

Pergunta honesta: então como sabemos qualquer coisa deles? Ocorre que os neutrinos são uma peça necessária para explicar certos tipos de decaimento radioativo. Esses processos, por sua vez, são produto de uma outra força da natureza, a interação nuclear fraca.

E essa é a chave para detectá-los. Em raras circunstâncias, neutrinos podem realizar interações com a matéria por meio da força nuclear fraca. Ganham assim sua função de mensageiros cósmicos.
Voltemos então à torrente de neutrinos disparada para cá há 3,7 bilhões de anos. A imensa maioria dessas partículas viajou todo esse tempo inabalada, cruzou nosso planeta como se fosse nada e seguiu viagem sem nem levar souvenir.

Mas um desses neutrinos em particular, passando pela Terra em 22 de setembro de 2017, estava no lugar certo e na hora certa, com energia suficientemente alta, para interagir fracamente com um imenso bloco de gelo no pólo Sul, num volume de 1 km cúbico onde está instalado um ousado experimento de detecção de neutrinos conhecido como IceCube.

A interação gerou um sinal de radiação no gelo, que acionou um sistema de alerta automático para toda a comunidade astronômica, indicando de onde no espaço o neutrino tinha vindo. Era uma rara oportunidade para colocar em prática a chamada “astronomia multimensageira”, em que os pesquisadores observam um fenômeno não só pela luz que emite, mas também por alguma outra fonte de informação — no caso em questão, um neutrino solitário.

Observações feitas em todas as frequências de luz, sobretudo as mais energéticas, e publicadas na última edição da revista Science, revelaram que a partícula fugidia havia saído de um blazar conhecido pela sigla TXS 0506+056.

Ninguém vai culpá-lo se você disser que não sabe o que é um blazar. É basicamente um buraco negro supergigante, como os que moram no coração de cada galáxia (incluindo a nossa), mas visto “de cima” (ou “de baixo”), na direção do seu eixo de rotação.

Agora sabemos que esses objetos astrofísicos, além do Sol e das supernovas, podem ser fontes observáveis de neutrinos — o que, é claro, vai nos ajudar a entender toda a física por trás desses peculiares exemplares do zoológico cósmico. Missão cumprida para o fugidio mensageiro solitário.

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Universo já formava estrelas desde bebê, indica observação de galáxia distante https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2018/05/16/universo-ja-formava-estrelas-desde-bebe-indica-observacao-de-galaxia-distante/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2018/05/16/universo-ja-formava-estrelas-desde-bebe-indica-observacao-de-galaxia-distante/#respond Wed, 16 May 2018 17:00:19 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2018/05/eso1815a-320x213.jpg http://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=7708 Observando uma galáxia distante, um grupo de astrônomos encontrou evidências de que já havia formação de estrelas apenas 250 milhões de anos após o Big Bang. Se o “apenas” soa estranho acompanhado por “250 milhões de anos”, tenha em mente que esse número representa cerca de 2% da idade atual do Universo, 13,8 bilhões de anos. Se o cosmos fosse hoje um senhor de 50 anos, a formação dessas estrelas aí teria acontecido quando ele tinha um ano — um bebê.

O trabalho vem de uma equipe internacional liderada por Takuya Hashimoto, da Universidade Osaka Sangyo, no Japão, e será publicado na edição desta quinta-feira (17) da revista científica britânica Nature. E o resultado só foi possível graças ao Alma, o conjunto de radiotelescópios instalado no deserto do Atacama, no Chile.

A galáxia em questão é conhecida pela antipática sigla MACS1149-JD1 e está a uma distância imensa daqui. A luz dela que chega agora aos nossos telescópios partiu de lá há 13,3 bilhões de anos. Ou seja, na prática, é como embarcar numa máquina do tempo: estamos vendo ali um pedacinho do Universo como ele era apenas 500 milhões de anos após o Big Bang.

Certo, mas então de onde está vindo a história dos 250 milhões de anos, proclamada em alto e bom som no título do artigo de Hashimoto e seus colegas? Ocorre que, analisando a assinatura de luz dessa galáxia, eles encontraram um claro padrão relacionado à emissão de átomos de oxigênio. (Por sinal, trata-se da mais distante detecção desse elemento químico já feita pelos astrônomos.)

Aí rola um episódio de CSI: Cosmos. Sabemos que oxigênio não existia no Universo primordial, recém-nascido; o Big Bang em si só produziu hidrogênio, hélio e lítio. Coube às primeiras gerações de estrelas, usando processos de fusão nuclear, fabricar o resto da tabela periódica. Se há 500 milhões de anos já havia oxigênio suficiente na galáxia MACS1149-JD1 para produzir o sinal detectado pelo Alma, não há dúvida de que muitas estrelas já deviam ter nascido e morrido por lá para produzir oxigênio e democratizar o acesso galáctico a ele.

Combinando o resultado do Alma a observações feitas em infravermelho pelos telescópios espaciais Hubble e Spitzer, os cientistas puderam reconstruir a história da galáxia. E os modelos sugerem que, para ela estar do jeito que está 500 milhões de anos após o Big Bang, as primeiras estrelas devem ter surgido uns 250 milhões de anos antes.

Trata-se de um avanço importante no estudo da fase do Universo que os astrônomos chamam de “amanhecer cósmico” — o momento em que estrelas e galáxias começaram a se formar a partir das nuvens de gás geradas pelo Big Bang.

A galáxia MACS1149-JD1 compõe mais uma peça desse quebra-cabeças, mas é difícil ver a figura toda olhando só uma peça. Com efeito, essa nova peça não está se encaixando tão bem. Análises feitas da radiação cósmica de fundo — uma espécie de “eco” luminoso do Big Bang — com base em dados do satélite europeu Planck sugerem que o fim da “idade das trevas” no Universo se deu uns 550 milhões de anos após o Big Bang.

Há uma aparente contradição aí. Nessa época, a idade das trevas claramente já havia acabado de velha na galáxia MACS1149-JD1. Seria ela uma galáxia precoce? Ou as estimativas feitas com o Planck, que dependem do modelo cosmológico aplicado a elas, é que estão erradas? Um bom meio de responder é procurar mais galáxias, ainda mais distantes.

Daí a expectativa com a próxima geração de telescópios em solo e no espaço. O Telescópio Espacial James Webb, a ser lançado em 2020, pode olhar mais longe e encontrar outros exemplares galácticos ainda mais distantes que MACS1149-JD1. “Nossos resultados indicam que pode ser possível detectar esses episódios iniciais de formação estelar em galáxias similares com telescópios futuros”, escreve Hashimoto.

Com mais peças do quebra-cabeça disponíveis, certamente será mais fácil visualizar o início da evolução do cosmos. Por enquanto, por assim dizer, só temos a figura da caixa como guia.

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Satélite Gaia cria mapa 3D da Via Láctea https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2018/04/30/satelite-gaia-cria-mapa-3d-da-via-lactea/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2018/04/30/satelite-gaia-cria-mapa-3d-da-via-lactea/#respond Mon, 30 Apr 2018 05:00:29 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2018/04/Gaia_s_sky_in_colour-1-320x213.jpg http://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=7645 O Natal chegou mais cedo para os astrônomos. Na semana passada, a Agência Espacial Europeia divulgou a segunda bateria de dados do Gaia, satélite destinado a fazer o maior censo estelar da Via Láctea. Com essas informações, é possível gerar um mapa 3D da nossa galáxia, mesmo estando nós do lado de dentro dela.

Lançado em dezembro de 2013, o satélite começou a colher dados no ano seguinte. A primeira divulgação ocorreu em 2016 e continha já um catálogo respeitável, que permitia estimar a distância e o movimento de cerca de 2 milhões de estrelas.

O Gaia mede a distância das estrelas por um método conhecido como paralaxe. Em sua órbita ao redor do Sol, o satélite está ora de um lado, ora de outro do Sistema Solar, o que gera uma pequena mudança de perspectiva com relação às estrelas. Por trigonometria, pode-se calcular a distância com base na variação.

A rigor, poderíamos perceber isso com nossos próprios olhos, já que a Terra também ora está lá, ora está cá no Sistema Solar. Mas como a distância das estrelas é enorme, a mudança de perspectiva é muito pequena para ser registrada — exceto por um equipamento de alta precisão como o Gaia.

Neste segundo pacote, com 22 meses de dados, o número de estrelas cuja distância pode ser estimada subiu de 2 milhões para 130 milhões. E o número total de estrelas monitoradas é ainda maior: 1,7 bilhão. É uma revolução. Forma-se agora, gradualmente, uma base que vai alimentar o trabalho dos astrônomos por décadas a fio.

Só a título de exemplos, veja algumas pesquisas que já pipocaram.

Um grupo de astrônomos determinou que o disco da Via Láctea parece ser dinamicamente jovem e foi perturbado entre 300 e 900 milhões de anos atrás pela passagem próxima de uma galáxia anã vizinha.

Outro trabalho encontrou uma estrela que viaja em alta velocidade pela nossa galáxia, depois de ter sido ejetada da Grande Nuvem de Magalhães, sugerindo que essa modesta galáxia vizinha também tem um buraco negro gigante em seu centro.

Um terceiro analisou os resultados de detecção de 25 exoplanetas distantes por microlentes gravitacionais, corroborando 19 deles com os novos dados do Gaia.

Isso sem falar na própria equipe do satélite, que publicou um pacotaço de artigos numa edição especial da Astronomy & Astrophysics. Esse é apenas o começo de uma revolução na astronomia.

BÔNUS: Viaje virtualmente pelo céu de Gaia!
A Universidade de Heidelberg, na Alemanha, desenvolveu um software que é basicamente um simulador virtual do Universo baseado nos dados do satélite Gaia. Você pode baixá-lo e viajar pela galáxia clicando aqui.

A coluna “Astronomia” é publicada às segundas-feiras, na Folha Corrida.

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Nasa adia lançamento do Telescópio Espacial James Webb para 2020 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2018/03/28/nasa-adia-lancamento-do-telescopio-espacial-james-webb-para-2020/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2018/03/28/nasa-adia-lancamento-do-telescopio-espacial-james-webb-para-2020/#respond Wed, 28 Mar 2018 04:10:19 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2015/04/jwst-artist-180x180.jpg http://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=7519 Más notícias para os fãs do Telescópio Espacial James Webb, vendido pela Nasa há anos como o sucessor do Hubble nos corações e mentes do mundo todo. A agência espacial americana anunciou nesta terça-feira (28) que terá de mais uma vez adiar o lançamento em um ano — agora a expectativa é de que ele esteja pronto para ir ao espaço em maio de 2020.

Originalmente programado para voar neste ano, o projeto já havia sofrido um adiamento em 2017. A rigor, todas as peças do telescópio já estão construídas. Mas um painel de revisão estabelecido pela Nasa sugere que é preciso mais tempo para testar a integração e o comportamento de todos os elementos em conjunto, a fim de garantir a operação bem-sucedida do telescópio espacial depois que ele for lançado.

Para aumentar a chance de sucesso, a agência espacial americana criará um painel de revisão independente para verificar todas as etapas do trabalho e contrastar suas descobertas e recomendações com as feitas pelo painel da própria Nasa.

Com o atraso, já se espera que o telescópio espacial vá ultrapassar seu teto de custos estabelecido pelo Congresso americano — US$ 8 bilhões. Caso isso venha mesmo a acontecer, a Nasa terá de notificar o Legislativo, que então decidirá como proceder. O natural, depois de US$ 8 bilhões investidos, é gastar o que faltar para completar o projeto. Mas muita gente não vai ficar feliz.

Entretanto, todo cuidado é pouco em se tratando de James Webb. A Nasa — ou qualquer outra agência espacial — jamais lançou um telescópio tão complexo. Ele tem um espelho principal segmentado com diâmetro de 6,5 metros. São 18 espelhos menores que vão dobrados ao espaço e precisam se abrir corretamente no espaço. Compare com o Hubble, que tem um único espelho de 2,4 metros.

A complexidade do projeto explica os atrasos e os estouros orçamentários, assim como o cuidado da Nasa. “Considerando o investimento que a Nasa e nossos parceiros internacionais fizeram, queremos proceder sistematicamente com esses últimos testes, com o tempo adicional necessário, para estarmos prontos para um lançamento em maio de 2020”, disse, em nota, Thomas Zurbuchen, diretor de ciência da agência americana.

O James Webb é um projeto que tem como parceiros Nasa, ESA (Agência Espacial Europeia) e CSA (Agência Espacial Canadense). Seus principais objetivos são estudar as profundezas do cosmos, observando mais longe do que o Hubble foi capaz de ver, e investigar a atmosfera de planetas extrassolares, em busca de sinais de habitabilidade e vida.

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Astronomia: NGC 1277, uma galáxia-relíquia https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2018/03/19/astronomia-ngc-1277-uma-galaxia-reliquia/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2018/03/19/astronomia-ngc-1277-uma-galaxia-reliquia/#respond Mon, 19 Mar 2018 05:00:11 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2018/03/ngc-1277-320x213.jpg http://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=7488 Hubble detecta ‘galáxia-relíquia’ próxima, capaz de revelar segredos do passado do cosmos.

PEÇA DE MUSEU
Usando o Telescópio Espacial Hubble, um quarteto internacional de astrônomos encontrou no Universo próximo uma “galáxia-relíquia” — representante de como costumavam ser muitas das galáxias no passado remoto.

NGC 1277
Ela está localizada na constelação de Perseu, próxima à região central de um grande aglomerado com mais de mil galáxias, a cerca de 240 milhões de anos-luz de distância da Via Láctea.

SÓ VELHARIA
Os pesquisadores liderados por Michael Beasley, do Instituto de Astrofísica das Canárias, notaram que essa galáxia tinha praticamente todos os seus aglomerados globulares de estrelas avermelhados — o que indica predominância de astros mais velhos.

CONGELADA NO TEMPO
O achado sugere que NGC 1277, em sua formação, produziu uma grande quantidade de estrelas — mil vezes mais depressa que a taxa observada hoje em nossa Via Láctea — e então parou. As maiores e azuis há muito morreram, e restaram apenas as mais velhas, que brilham por bilhões de anos.

HISTÓRIA ANTIGA
Imagina-se que todas as galáxias de grande porte comecem desse jeito. Só que, com o passar do tempo, elas passam a engolir galáxias vizinhas, menores, e reabastecer o gás para formar novas estrelas. Com NGC 1277, isso não aconteceu. Ao que tudo indica, ela está transitando depressa demais para capturar galáxias anãs pelo caminho.

O FUTURO DO PASSADO
A descoberta não é inesperada; os modelos sugerem que 1 em cada 1.000 galáxias no atual estágio de evolução do cosmos se apresente nesse estado. Ainda assim, é auspiciosa. Temos agora uma galáxia-relíquia perto de casa para estudar e, com isso, aprender mais sobre astros similares que vemos a bilhões de anos-luz de distância, representantes do Universo jovem que só aparecem como singelas manchas avermelhadas mesmo aos nossos mais poderosos telescópios.

A coluna “Astronomia” é publicada às segundas-feiras, na Folha Ilustrada.

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