Mensageiro Sideral https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br De onde viemos, onde estamos e para onde vamos Sat, 04 Dec 2021 19:09:39 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 A física dos buracos negros e os campeões morais do Nobel em Física deste ano https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2020/10/06/a-fisica-dos-buracos-negros-e-os-campeoes-morais-do-nobel-em-fisica-deste-ano/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2020/10/06/a-fisica-dos-buracos-negros-e-os-campeoes-morais-do-nobel-em-fisica-deste-ano/#respond Tue, 06 Oct 2020 18:48:42 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2020/10/penrose-genzel-ghez-320x213.jpg https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=9583 A Academia Real de Ciências da Suécia fez uma ótima escolha ao premiar Roger Penrose, Reinhard Genzel e Andrea Ghez com o Nobel em Física de 2020, por suas contribuições no estudo dos enigmáticos buracos negros. Mas cabe nesta hora lembrar outros dois ganhadores “morais” do prêmio – um que ficou no passado e um que certamente ainda levará sua medalha no futuro.

O do passado é Stephen Hawking. O físico britânico foi um grande especialista na física dos buracos negros e foi um contemporâneo de Penrose na decifração de seus segredos. Os dois inclusive trabalharam como parceiros em vários estudos e se tornaram sinônimos da investigação da singularidade (o que supostamente há no interior do buraco negro, onde a teoria da relatividade geral se recusa a entrar) e dos fenômenos do horizonte dos eventos — a linha imaginária que delimita o ponto de não retorno de um buraco negro: tudo que está dentro dessa fronteira matemática está destinado a desaparecer da nossa vista para sempre; já o que está fora ainda tem chance de escapar.

O Nobel não é concedido postumamente, de forma que Hawking, morto em 2018, terá de passar à história como um dos muitos pesquisadores brilhantes que acabaram não agraciados pela prestigiosa premiação. Era meio consensual entre os físicos que sua predição de que buracos negros emitem uma sutil radiação e evaporam poderia perfeitamente justificar o prêmio — caso fosse confirmada. Se tivesse vivido mais dois anos, mesmo sem essa confirmação, Hawking possivelmente embolaria a disputa do prêmio deste ano.

Isso porque 2019 foi o ano que nos trouxe a mais contundente evidência de que os aspectos mais radicais da física dos buracos negros não são meras abstrações teóricas: a imagem produzida pelo Event Horizon Telescope, que pela primeira vez revelou a sombra escura de um buraco negro.

Como demonstram os trabalhos de Penrose, a física já era bem robusta antes disso — os cientistas já esperavam que o horizonte dos eventos e a escuridão que se esconde além dele estivessem lá. Mas, como dizem por aí, uma imagem vale mais do que mil equações.

E uma das grandes motivações por trás do projeto do EHT foi justamente a descoberta dos outros dois premiados deste ano, Reinhard Genzel e Andrea Ghez (ela apenas a quarta mulher a ganhar um Nobel em física na história): a existência de um buraco negro supermassivo no coração da Via Láctea, a nossa galáxia.

Quando o EHT se lançou à tarefa de reunir radiotelescópios espalhados pelo globo para constituir o equivalente de uma enorme antena do tamanho da Terra, o principal alvo era registrar esse objeto, conhecido como Sagittarius-A* (pronuncia-se A-estrela). Mas eles também tinham um segundo alvo, muito mais distante, mas também muito maior, no coração da galáxia M87. Foi esse o astro do registro histórico de 2019. Sagittarius-A* continua na mira do projeto, que segue colhendo dados para tentar visualizar sua sombra.

É indiscutível que as lideranças por trás do EHT (e em particular seu idealizador, o astrofísico Shep Doeleman) acabarão levando seu próprio Nobel num futuro próximo. Por ora, serve como consolo para eles o fato de que sua descoberta decerto foi determinante para a escolha dos acadêmicos suecos neste ano.

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Experimento pode revelar pistas sobre a natureza da matéria escura https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2020/06/22/experimento-pode-revelar-pistas-sobre-a-natureza-da-materia-escura/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2020/06/22/experimento-pode-revelar-pistas-sobre-a-natureza-da-materia-escura/#respond Mon, 22 Jun 2020 17:54:00 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2020/06/Pasted-Image-252.png https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=9411 Um grupo internacional de pesquisadores apresentou resultados que podem representar um passo importantíssimo na decifração de um dos maiores mistérios da ciência nos últimos 50 anos: a matéria escura. Mas atenção: apenas “pode”. Os próprios cientistas fazem questão de dizer que os resultados obtidos pelo experimento XENON1T ainda estão longe de ser conclusivos.

Os dados vêm de uma câmara de detectores preenchida com xenônio ultrapuro e liquefeito, projetada especificamente para tentar detectar sinais de matéria escura e instalada nas profundezas do subsolo no Laboratório Nacional de Gran Sasso, na Itália. O experimento foi operado entre 2016 e 2018, e os dados estão sendo analisados.

A nova surpresa é a detecção de um certo “excesso de eventos”, ou seja, detecções inesperadas, que podem ou não ter a ver com a matéria escura. Eles podem ser explicados por algo mais trivial, como a presença de pequenas quantidades de trítio no detector ou algum fenômeno ligado a neutrinos. Mas talvez representem uma grande descoberta: um novo tipo de partícula, jamais observado antes e que não figura no chamado Modelo Padrão da Física de Partículas.

A partícula hipotética que mais se encaixaria são os áxions, partículas leves que estariam, neste caso, sendo geradas pelo sol, mas também poderiam ser o componente da tal matéria escura, até hoje só detectada por seus efeitos gravitacionais, mas jamais observada diretamente.

Os pesquisadores esperam que a próxima atualização do experimento permitirá concluir se estamos mesmo diante de uma grande descoberta ou de alguma anomalia estatística explicada de maneira mais trivial.

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Universo paralelo por ora é só (boa) ficção científica https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2020/05/21/universo-paralelo-por-ora-e-so-boa-ficcao-cientifica/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2020/05/21/universo-paralelo-por-ora-e-so-boa-ficcao-cientifica/#respond Thu, 21 May 2020 19:02:15 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2020/05/anita.jpg https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=9320 De repente todo mundo falando que a Nasa descobriu evidências de um universo paralelo em que o tempo anda de trás para a frente. E nem é o Brasil.

Não, gente, a Nasa não fez nada disso. Mas a notícia “balão sobre a Antártida em projeto liderado pela Universidade do Havaí e financiado pela Nasa detecta sinais de partículas desconhecidas, que podem apontar caminhos para a física além do modelo padrão” não tem a mesma graça, né? Ocorre que essa é a verdade. Talvez um pouco frustrante, mas normalmente a verdade é menos espetaculosa que a ficção (dica: use esse critério para avaliar as teorias da conspiração que circulam por aí).

Estamos falando de um achado que vem aos poucos se consolidando. A história começou em março de 2016, com dois eventos detectados sobre o solo da Antártida por um dispositivo aéreo construído com grana da agência espacial americana. É a tal da Anita, a Antena Antártica Impulsiva Transiente, no acrônimo em inglês (essa não canta, nem fala de política com a Gabriela Prioli, mas voa acoplada a um balão). Destinada a detectar raios provenientes do espaço cósmico, ela captou dois sinais que vinham não do céu acima, mas do chão abaixo.

Ninguém estava pensando que a Terra mesmo estaria emitindo esses sinais. Na verdade, o mais fácil era imaginar que as partículas foram emitidas do espaço, atravessaram o planeta inteiro (a bola, não a pizza) e saíram do outro lado, onde foram detectadas pela Anita (a antena, não a cantora).

Como se sabe, todos os corpos físicos são majoritariamente feitos de vazios, de modo que não é improvável que uma partícula minúscula, nas condições certas, atravesse um planeta inteiro e saia na outra ponta. Neutrinos de baixa energia, por exemplo, fazer isso na boa. O problema é que essas detecções em particular envolviam um nível de energia alto demais, incompatível com o que se esperaria de neutrinos capazes de realizar a proeza.

E aí que a coisa começa a ficar interessante. O que poderiam ser esses diabinhos? A primeira hipótese é que fossem, claro, uma leitura equivocada, um falso positivo (algo como um estudo enviesado feito com poucos voluntários na França por um pesquisador controverso envolvendo cloroquina e covid-19). A melhor hipótese científica para explicar algo esquisito, a priori, é sempre esta: deve haver algo errado com o experimento em si. Normalmente é o que essas coisas são. Já vimos exemplos anteriores, como os neutrinos que supostamente andavam mais rápido que a luz na Itália (não andavam, havia uma falha no experimento) ou, para mergulhar mais fundo na divisa entre erro e fraude, nos estudos de fusão nuclear a frio.

Então, cientistas honestos sempre partem do pressuposto de que é mais provável que o experimento deles tenha um defeito, em vez de a natureza realmente estar tentando nos contar uma nova história que contradiz a física estabelecida, testada e retestada. Com as partículas do Anita, não foi diferente. Era preciso caçar mais evidências de que o fenômeno era real, e não uma miragem.

Pois bem. A coisa deu uma requentada em setembro de 2018, quando um grupo de pesquisadores liderados por Derek B. Fox, da Universidade Estadual da Pensilvânia, adicionou um novo e empolgante capítulo a esta novela. Eles encontraram em outra base de dados, a do IceCube (um observatório de neutrinos também instalado na Antártida), outros três eventos similares, de partículas que em vez de atingir os tanques de detecção vindas de cima, vieram de baixo.

Além disso, os pesquisadores mostraram conclusivamente, no artigo submetido ao periódico Physical Review D, que a detecção, levando-se em conta a energia e o ângulo de saída do subproduto do encontro, descartava a possibilidade de que fosse qualquer uma das partículas conhecidas no modelo padrão – o “resumão” de tudo que se conhece hoje sobre os componentes básicos da natureza e suas interações (excluindo-se a gravidade, ainda explicada pela relatividade geral de Einstein).

Baseado na mecânica quântica, o modelo padrão é a teoria mais bem-sucedida da história da física. Ele recebeu sua coroação definitiva com a descoberta do bóson de Higgs, pelo LHC (Large Hadron Collider), em 2013, deixando os cientistas num estado que Rogério Rosenfeld, pesquisador da Unesp, definiu como PHD, Post-Higgs Depression. Isso porque, de um lado, sabe-se que falta coisa no modelo padrão (matéria escura e energia escura não estão lá, para citar dois exemplos clamorosos), e de outro lado não se sabe o que fazer para encontrar as peças que faltam.

Nesse sentido, os eventos detectados pela Anita e pelo IceCube podem ser a tábua de salvação para o futuro pós-Higgs. Com efeito, após uma busca na literatura científica, Derek Fox e seus colegas concluíram que os resultados misteriosos são consistentes com o que se esperaria de algumas teorias baseadas na noção de supersimetria — a ideia de que todas as partículas que conhecemos têm contrapartes supersimétricas, mais pesadas e ao mesmo tempo mais fugidias, que até hoje se evadiram de nossas detecções. No caso em questão, os sinais detectados pelo Anita e pelo IceCube lembravam uma partícula supersimétrica hipotética chamada stau slepton.

Mas falar “cientistas da Nasa encontram evidência de partícula supersimétrica hipotética chamada stau slepton” não vai empolgar muito quem não é do ramo, certo? Então, na época, isso não tomou de assalto as manchetes e as redes sociais.

Agora, como diabos fomos sair disso e chegar à coisa do universo paralelo? O físico Peter Gorham, pesquisador da Universidade do Havaí em Manoa e líder da colaboração Anita, deu uma entrevista à revista de divulgação científica britânica NewScientist (a Superinteressante deles) falando desses trabalhos. E lá ele menciona que a hipótese mais maluca que conseguiram pensar para explicar o sinal seria a da existência de um universo paralelo, “espelho”, nascido junto com o nosso, do mesmo Big Bang, mas onde a seta do tempo aponta para o lado contrário, do futuro para o passado.

Ele não diz que é a única explicação possível. Ele não diz que é a mais provável. E um colega dele, Ibrahim Safa, também envolvido com a pesquisa, deu a deixa do que realmente temos aqui. “Fomos deixados com as possibilidades mais empolgantes ou as mais tediosas”, disse.

No momento, não há sequer artigo científico com a hipótese do universo paralelo. É uma frase de um pesquisador empolgado, no meio de uma entrevista, amplificada por um título espalhafatoso.

Note que os físicos não estão fazendo nada de errado. É o trabalho deles realizar experimentos que levem as teorias atuais a falharem e então encontrar novas explicações e teorias mais abrangentes para explicar esses novos fenômenos. É por esse motivo que eles trabalham em coisas como dimensões extra ultracompactas, curvas temporais fechadas (viagens no tempo, para os íntimos), supercordas, supersimetria, modelos do Universo com matéria, modelos do Universo sem matéria, violações de paridade que expliquem por que nosso Universo é feito de matéria, e não de antimatéria etc. É por meio desse trabalho de suprema criatividade que vamos acabar achando as descrições mais acuradas do estranho mundo em que vivemos. Quem poderia imaginar a priori que tempo e espaço são elásticos, que a velocidade da luz é um limite fundamental, que partículas podem estar em vários lugares ao mesmo tempo? E hoje sabemos que tudo isso é verdade.

Amanhã, talvez descubramos que o Universo é ainda mais esquisito do que pensávamos. Mas podemos afirmar com todas as letras que, neste momento, a Nasa não encontrou evidências de um universo paralelo. O que ela encontrou foram algumas partículas de alta energia capazes de atravessar o planeta e que ninguém sabe o que são. Há muitos candidatos, e a hipótese do universo paralelo é apenas a mais fantástica (e proporcionalmente mais improvável).

Ah, última reclamação: todo mundo aí referenciando Stranger Things com seu “mundo invertido”. Mas aposto que os físicos emprestaram a expressão “universo espelho” de Star Trek, retratado na saga desde 1967. Se vamos ser todos nerds, sejamos nerds-raiz, pô.

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Morre Freeman Dyson, aos 96 anos https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2020/02/28/morre-freeman-dyson-aos-96-anos/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2020/02/28/morre-freeman-dyson-aos-96-anos/#respond Fri, 28 Feb 2020 18:23:03 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2020/02/Dyson_Freeman_Dyson_20151016_DKomoda-5367-320x213.jpg https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=9234 O mundo perdeu nesta sexta-feira (28) o físico e matemático Freeman Dyson, aos 96 anos. Conhecido por suas ideias arrojadas sobre o futuro da humanidade, ele foi um pesquisador vocal sobre os perigos das armas nucleares.

Nascido na Inglaterra, Dyson passou a maior parte da sua carreira e vida nos EUA, trabalhando no Instituto para Estudo Avançado, em Princeton – mesma instituição que acolheu Albert Einstein depois que ele deixou a Europa, em 1933.

Visionário, ele talvez seja mais conhecido pelo conceito da esfera de Dyson, uma hipotética construção a ser promovida por civilizações avançadas para capturar grande parte da energia de sua estrela-mãe, ao envelopá-la em um conjunto imenso de painéis solares. Dyson deu popularidade à ideia em 1960, ao sugerir uma busca por estruturas desse tipo por meio do inevitável excesso de radiação infravermelha que gerariam.

Diversas buscas foram promovidas desde então, realizadas com satélites-observatórios de infravermelho, mas até hoje nenhum objeto que pudesse ser de forma inequívoca ser interpretado como uma esfera de Dyson foi encontrado. Ao que tudo indica, o interesse na Via Láctea pela construção de esferas de Dyson é praticamente nulo – se é que há alguma civilização avançada lá fora que pudesse se interessar por elas. Aqui na Terra, ainda temos um longo caminho a percorrer no desenvolvimento da engenharia espacial até que possamos cogitar construir algo parecido.

O que mostra o poder da mente de Dyson, um visionário que projetou ideias para o futuro que, por mais enraizadas que estivessem na realidade, sempre se mantiveram dois passos mais perto da ficção científica. O físico também imaginou maneiras de espalhar a vida pelo Universo por meio da criação de seres capazes de viver em outros planetas ou mesmo cometas, através da engenharia genética.

Dyson também participou, nos anos 1950, de um projeto para transformar armas nucleares numa forma de propulsão para voos interplanetários e talvez até interestelares. Era uma tentativa de transformar as nefastas bombas atômicas em algo positivo.

De início, por sinal, Dyson não se sentiu mal com o uso de bombas atômicas no fim da Segunda Guerra Mundial. Mais tarde, junto com o resto da comunidade científica, ele percebeu o problema que essas armas representavam. Em 1967, Dyson escreveu um relatório que, apesar de objetivo e representar prós e contras, levou à decisão americana de não usar armas nucleares táticas na Guerra do Vietnã (a qual, por sinal, ele se opôs). Vocal até o fim, Dyson foi um dos 29 cientistas de renome que assinaram uma carta de apoio ao acordo do governo Obama com o Irã para conter seu programa nuclear.

Homem de grandes ideias, Dyson se manteve ativo até o fim, escrevendo livros e visitando regularmente seu escritório na Universidade de Princeton. Na última dessas passagens por lá, na quarta-feira, Dyson sofreu uma queda, segundo sua filha Mia. O impacto o levaria à morte dois dias depois.

Dyson deixa para trás sua mulher de 64 anos e seis filhos – além de sua vasta obra, digna de um dos mais fantásticos livre-pensadores do século 20.

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Pesquisadores estudam antimatéria e encontram antinotícia https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2020/02/24/pesquisadores-estudam-antimateria-e-encontram-antinoticia/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2020/02/24/pesquisadores-estudam-antimateria-e-encontram-antinoticia/#respond Mon, 24 Feb 2020 05:00:33 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2016/12/laser-alpha-2-180x120.jpg https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=9230 Os pesquisadores que se dedicam a compreender os mistérios da antimatéria estão produzindo grandes quantidades de antinotícias. A última veio na semana passada e ganhou as páginas da revista Nature, aprofundando o grande mistério de por que todas as coisas que observamos no universo, das estrelas aos desfiles de escola de samba, são feitas de matéria, não de antimatéria.

Claro, brincadeira chamar de antinotícia. Mas nem tanto. A definição de notícia tem a ver com fatos novos, movimentos que se descolam do status quo. E o que o estudo da antimatéria tem revelado é que, a despeito da busca incessante por um fato novo, ou seja por características dela que sejam diferentes das da matéria convencional, os pesquisadores têm apenas confirmado o que a teoria sugeria: que matéria e antimatéria têm propriedades (definidas aqui por cada vez mais casas decimais) exatamente iguais.

Sabemos desde o século passado que a cada partícula de matéria corresponde uma antipartícula. Então, se nossos átomos têm prótons, com carga positiva, também devem existir também prótons com carga negativa, os antiprótons. O mesmo vale para os elétrons, que têm carga negativa, e os antielétrons, também conhecidos como pósitrons, com carga positiva. E por aí vai. Essas antipartículas figuram em quantidades ínfimas e efêmeras no cosmos, em contraste com todo o resto, feito de matéria. E daí vem o enigma.

Nossas modelagens físicas do Big Bang sugerem que, no começo de tudo, matéria e antimatéria devem ter sido produzidas em quantidades iguais. Mas, se isso fosse verdade, o cosmos a essa altura seria só um mar de radiação sem graça, porque sempre que partículas e antipartículas se encontram, elas se aniquilam, virando energia pura.

Daí a necessidade de imaginar que deve haver uma pequena, minúscula, diferença entre matéria e antimatéria, não prevista pela teoria, para explicar o fato de que, mesmo depois de todas as aniquilações que devem ter acontecido logo após o Big Bang, ainda sobrou matéria suficiente para fabricar estrelas, planetas, carros alegóricos e alas das baianas.

A colaboração Alpha, no Cern (centro europeu de física de partículas), está dedicada a tentar encontrar essa diferença. Lá, eles fabricam e aprisionam rotineiramente átomos de anti-hidrogênio, para depois estudá-los de forma minuciosa.

Em 2018, eles mediram uma transição de energia do átomo de anti-hidrogênio (a 1S-2S, caso você seja um entusiasta de distribuição eletrônica) com precisão de 12 algarismos, e o resultado foi exatamente igual ao do hidrogênio. Agora, eles mediram outra transição, a 1S-2P, o que exigiu a construção de um complicado sistema de laser. De novo, antinotícia: tudo segue igual para matéria e antimatéria.

O sucesso da técnica, contudo, mostra que os pesquisadores estão no caminho para, em breve, medir a transição 1S-2S com até 15 algarismos de precisão. Será que ainda teremos antinotícias? “Todo mundo gostaria de ver uma diferença”, diz Claudio Lenz Cesar, físico brasileiro envolvido com o trabalho. “Pode ser que ela seja achada quando chegarmos a precisões maiores. Mas também pode ser que não haja. E aí continua o mistério do sumiço da antimatéria primordial.”

Ficamos à espera de notícias do experimento.

Esta coluna é publicada às segundas-feiras, na Folha Corrida.

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Pesquisadores anunciam nova detecção de ondas gravitacionais https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2020/01/06/pesquisadores-anunciam-nova-deteccao-de-ondas-gravitacionais/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2020/01/06/pesquisadores-anunciam-nova-deteccao-de-ondas-gravitacionais/#respond Mon, 06 Jan 2020 20:15:10 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2020/01/colisao-ligo-320x213.jpg https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=9172 Pesquisadores da colaboração internacional que envolve os observatórios de ondas gravitacionais Ligo e Virgo detectaram os sinais de uma colisão de dois astros de alta massa ocorrida a 520 milhões de anos-luz de distância.

Os resultados foram apresentados nesta segunda-feira (6), durante reunião da Sociedade Astronômica Americana (AAS) e podem até mesmo representar a primeira detecção de uma fusão de uma estrela de nêutrons com um buraco negro, mas o mais provável é que sejam duas estrelas de nêutrons em choque – algo que já foi detectado uma vez em 2017.

O alto nível de incerteza tem a ver com o fato de que a detecção foi feita por apenas um dos três detectores da colaboração. Dois deles (do Ligo) estão nos EUA, em Hanford e Livingston, e o terceiro (do Virgo) está em Cascina, na Itália. O sinal de ondas gravitacionais foi captado no dia 25 de abril de 2019 em Livingston, ocasião em que o de Hanford estava temporariamente fora de operação. E o fenômeno não era intenso o suficiente para ter sido captado pelo detector de Cascina, um pouco menor que os americanos.

Com um único detector, há algumas limitações de precisão na detecção. Ainda assim, há pouca dúvida entre os pesquisadores de que de fato a colisão é um evento real. “A taxa de falso alarme num caso como esse é de uma possibilidade a cada 69 mil anos”, diz Odylio Aguiar, pesquisador do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e um dos líderes da participação brasileira na colaboração internacional.

É a primeira vez que o grupo se sente confortável em anunciar uma detecção feita por apenas um dos observatórios, demonstrando o amadurecimento das pesquisas com ondas gravitacionais. Contudo, o fato de só haver uma detecção acaba impedindo a busca por um sinal luminoso correspondente no céu. Quanto mais detectores para triangular a direção de onde vieram as ondas gravitacionais, mais fácil limitar em que parte do firmamento o fenômeno se deu. Com um único detector, a colisão pode ter acontecido em cerca de um quinto de todo o céu, o que inviabilizou a busca por algum sinal luminoso com telescópios (como o que foi observado em 2017, na primeira detecção de uma colisão de estrelas de nêutrons).

Estima-se que os objetos que colidiram tinham, ao todo, massa entre 3,3 e 3,7 vezes a do Sol. Com esses números, poderiam ser duas estrelas de nêutrons (as maiores conhecidas têm cerca de duas massas solares) ou um buraco negro e uma estrela de nêutrons.

O aspecto mais importante da detecção é aumentar as estatísticas para estimar com que frequência esses eventos acontecem pelo Universo. “Se realmente foram duas estrelas de nêutrons, este seria o segundo evento detectado”, diz Aguiar. “Se um dos objetos era um buraco negro de baixa massa (cerca de 2,2 vezes a massa do Sol), este seria um evento inédito.”

A detecção fez parte da terceira “corrida” de observações de ondas gravitacionais feitas conjuntamente pelos observatórios Ligo e Virgo, que terminará em abril.

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O Google e a conquista da tal supremacia quântica https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2019/10/28/o-google-e-a-conquista-da-tal-supremacia-quantica/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2019/10/28/o-google-e-a-conquista-da-tal-supremacia-quantica/#respond Mon, 28 Oct 2019 05:00:26 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2019/10/sycamore-320x213.jpg https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=9109 Passei os últimos 20 anos escrevendo sobre avanços em computação quântica, que, naquela definição “copia e cola”, potencialmente seria capaz de realizar processamentos impossíveis com computadores tradicionais. Na última quarta-feira (23), finalmente, uma equipe do Google publicou um artigo científico que riscou o “potencialmente” da frase.

Em um experimento impressionante, o grupo demonstrou o que é chamado entre os acadêmicos de “supremacia quântica”. É uma expressão pomposa para descrever “sucesso na realização de um cálculo que um computador convencional não poderia fazer tão bem ou tão depressa”.

Ninguém duvidava que o truque era possível, afinal, a mecânica quântica, teoria testada e retestada, já sugeria a possibilidade. A sacada é usar propriedades de partículas elementares como bits de dados. E como, de acordo com a mecânica quântica, partículas podem ter todas as propriedades possíveis simultaneamente, esses qubits (quantum bits) são muito mais poderosos que aqueles bits caretas, que só podem ser 0 ou 1. Resultado: com qubits dá para fazer processamentos que bits não fariam.

O experimento em si envolveu a construção de um processador, chamado Sycamore, com circuitos supercondutores mantidos a temperaturas baixíssimas, próximas do zero absoluto. Ele tinha apenas 54 qubits, dos quais um pifou, deixando o sistema operando com 53. E tudo que o processador fez foi produzir uma fileira de números aleatórios, o que levou 200 segundos. Algoritmo similar, trabalhando num computador clássico, levaria 10 mil anos para fazer o serviço, de acordo com simulações realizadas pelos pesquisadores.

O resultado extraordinário foi publicado, após a devida revisão por pares, na revista científica Nature. Uma turma da rival IBM até tentou jogar uma água no chope do Google, dizendo que na verdade daria para fazer a mesma operação num computador clássico em 2,5 dias. Acontece que 2,5 dias ainda são 216 mil segundos, contra 200 do Sycamore. Não por acaso, a resposta do Google à crítica da IBM foi meio no tom “ah-hã, Cláudia, senta lá”.

Certo, mas todo esse oba-oba por uma fileira de números aleatórios? Nem o pessoal que faz o sorteio da Mega-Sena ficaria tão empolgado com isso. O real valor do experimento é a prova de princípio — ele tirou a computação quântica da caixinha do “se” e a colocou na do “quando”. A tendência agora é vermos uma aceleração no desenvolvimento desses sistemas.

As potenciais recompensas, em alguns anos? Vão desde aplicações mais pedestres (mas extremamente importantes) como em criptografia e segurança digital até a possibilidade de revolucionar nossa compreensão de processos químicos e físicos básicos (com seus naturais ganhos em tecnologia), por meio de computadores que falam diretamente a linguagem mais fundamental da natureza. O feito do Google é “só” o começo de uma nova era. Os próximos 20 anos da conversa sobre computação quântica prometem ser bem mais empolgantes.

Esta coluna é publicada às segundas-feiras, na Folha Corrida.

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Novo artigo destaca papel central de Sobral na confirmação da relatividade https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2019/05/29/novo-artigo-destaca-papel-central-de-sobral-na-confirmacao-da-relatividade/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2019/05/29/novo-artigo-destaca-papel-central-de-sobral-na-confirmacao-da-relatividade/#respond Wed, 29 May 2019 05:07:17 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2019/05/59FDCED8-6B60-402D-B1DF-0BE91791C99B-320x213.jpeg https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=8887 Nesta quarta-feira (29), exatos cem anos atrás, duas expedições britânicas, à Ilha do Príncipe, na África, e a Sobral, no Ceará, realizaram o primeiro teste da relatividade geral, ao observar um eclipse total do Sol. E, apesar do reconhecimento internacional relativamente modesto, uma dupla de pesquisadores aponta que vieram mesmo do Brasil as imagens que permitiram concluir em favor da teoria de Einstein.

Em artigo-comentário publicado na edição deste mês da revista Nature Physics, Luís Carlos Bassalo Crispino, da UFPA (Universidade Federal do Pará) e Daniel Kennefick, da Universidade do Arkansas (nos EUA), destrincham toda a história da observação do eclipse e de como, apesar das dificuldades, foi possível aos cientistas envolvidos no trabalho afirmar com confiança que a relatividade geral previa corretamente a forma como a gravidade do Sol desviava raios de luz vindos de estrelas distantes.

“Com esta publicação, tentamos resgatar a importância
das medidas realizadas no Brasil”, diz Crispino ao Mensageiro Sideral. “Por várias razões, boa parte da comunidade internacional não dá a devida importância aos resultados obtidos em Sobral.”

Em parte, diz a dupla, esse efeito está ligado à fama de Arthur Eddington, um dos idealizadores das expedições, ao lado do astrônomo real britânico à época, Frank Dyson. Entusiasta da teoria de Einstein mesmo antes de sua confirmação, Eddington se tornou o nome mais comumente associado ao experimento — e calhou de ele coordenar os trabalhos de observação na Ilha do Príncipe, na costa africana. Já a expedição que veio ao Brasil foi liderada por Charles Davidson e Andrew Crommelin. Só que foi das placas feitas em Sobral, e não em Príncipe, que vieram as imagens de melhor qualidade do eclipse, por uma larga margem.

“Neste ano do centenário, a contribuição desses dois homens, e de Dyson, deveria ser restaurada a seu lugar de direito ao lado de Eddington nessa história de grande empreendimento científico”, escrevem Crispino e Kennefick em seu texto na Nature Physics.

(A propósito, para conhecer mais a história das expedições de 1919 e entender como um eclipse pôde confirmar a teoria de Einstein, clique aqui.)

CELEBRAÇÕES

Para comemorar a data, diversos eventos culturais estão ocorrendo em várias partes do país. No Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro, ocorre entre as 16h e as 20h desta quarta a atividade “Um eclipse para chamar de seu”. Nele, um painel composto pelo cineasta Andrucha Waddington, o antropólogo Marcio Campos, a astrônoma Patrícia Spinelli e a historiadora Maria Eichler discutirá as diferentes formas de apropriação – científicas, culturais e religiosas – de um eclipse. A moderação será de Alfredo Tolmasquim, diretor de Desenvolvimento Científico do Museu do Amanhã.

Após os debates, às 18h, haverá a exibição do filme nacional “Casa de Areia” (2005), protagonizado por Fernanda Montenegro e Fernanda Torres, com direção de Andrucha Waddington. O  filme retrata o encontro da personagem de Fernanda Torres com os membros da comissão inglesa, que se encontrava em uma região inóspita, para comprovar a teoria de Einstein.  (Por uma liberdade poética, o filme se passa na região dos Lençóis Maranhenses, embora na realidade a comissão inglesa tenha estado em Sobral, no sertão nordestino.)

Para participar do evento no Museu do Amanhã, basta se inscrever, clicando aqui.

Também em Sobral, onde tudo começou, há uma celebração com um evento de três dias organizado pela SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência). Para mais detalhes, clique aqui.

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Completando o álbum das ondas gravitacionais https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2019/05/06/completando-o-album-das-ondas-gravitacionais/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2019/05/06/completando-o-album-das-ondas-gravitacionais/#respond Mon, 06 May 2019 05:00:00 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2019/05/ligo-orrery-still-before-merge-320x213.jpg https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=8854 Os detectores de ondas gravitacionais Ligo e Virgo, localizados nos EUA e na Europa, estão muito perto de completar seu álbum de figurinhas de eventos cósmicos detectáveis. As primeiras detecções dessas marolas no próprio tecido do espaço-tempo, a partir de 2015, envolveram colisões de buracos negros. Em 2017, tivemos o anúncio da detecção da fusão de duas estrelas de nêutrons. E agora, ao que parece, temos o evento que faltava: uma estrela de nêutrons se fundindo com um buraco negro. Esses são basicamente os três tipos de evento astrofísico que os detectores foram projetados para detectar.

A rigor, seguindo as previsões da teoria da relatividade geral de Einstein, quaisquer objetos com massa podem produzir ondas gravitacionais, essas pequenas vibrações no próprio tecido do espaço. Contudo, em geral, elas são muito discretas e difíceis de detectar. Mesmo com as instalações quilométricas do Ligo e do Virgo, a sensibilidade seria insuficiente para, por exemplo, medir o efeito de duas estrelas de tamanho solar girando uma ao redor da outra.

Para que as ondas gravitacionais sejam “sentidas”, elas precisam vir de objetos com alta massa que estejam se deslocando a altíssimas velocidades, pouco antes de colidirem. Quanto mais compactos são, mais podem acelerar antes da fusão. Extremamente densos, estrelas de nêutrons e buracos negros são o destino final e implosivo de astros de alta massa, muito maiores que o Sol. São, por isso, os reis da sinfonia das ondas gravitacionais.

O sistema Ligo-Virgo foi religado no último dia 1º de abril para sua terceira rodada de observações. Em 26 de abril, a rede detectou o evento inédito, que parece ter envolvido uma estrela de nêutrons e um buraco negro. Mas ainda é incerto, pois o sinal foi bem fraquinho, vindo de muito longe — 1,2 bilhão de anos-luz de distância. Pode ter sido um tsunami lá, mas aqui chegou só uma marolinha. “Foi como ouvir alguém sussurrar uma palavra numa lanchonete barulhenta”, disse Patrick Brady, porta-voz da colaboração Ligo.

Um dia antes, em 25 de abril, os detectores captaram também o sinal de uma nova possível colisão de duas estrelas de nêutrons. E, desde o reinício das operações, foram mais três possíveis colisões de buracos negros. Com isso, os números vão se empilhando: desde 2015, já são 13 fusões de buracos negros, 2 fusões de estrelas de nêutrons e 1 potencial fusão de estrela de nêutrons com buraco negro.

Essas estatísticas são importantes para compreender com que frequência esses eventos acontecem e estudar as populações de estrelas de nêutrons e buracos negros existentes lá fora. Mas o mais interessante mesmo será no futuro detectar um evento diferente de tudo isso, algo jamais previsto. Será que vai acontecer? Eis aí um dos aspectos mais entusiasmantes da ciência — ninguém sabe de onde virá a próxima surpresa.

Esta coluna é publicada às segundas-feiras, na Folha Corrida.

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Equipe internacional divulga primeiras imagens já feitas de um buraco negro https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2019/04/10/equipe-internacional-divulga-primeiras-imagens-ja-feitas-de-um-buraco-negro/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2019/04/10/equipe-internacional-divulga-primeiras-imagens-ja-feitas-de-um-buraco-negro/#respond Wed, 10 Apr 2019 13:18:22 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2019/04/20190410-78m-800x466-320x213.png https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=8774 A colaboração internacional envolvida no projeto Event Horizon Telescope (Telescópio do Horizonte dos Eventos) apresentou nesta quarta-feira (10) os primeiros resultados de seu esforço para registrar a mancha escura de um buraco negro. A imagem é de tirar o fôlego, numa confirmação espetacular da teoria da relatividade geral em um dos ambientes mais radicais já estudados, o superburaco negro no coração da galáxia M87. Os resultados científicos completos foram publicados em seis artigos no periódico The Astrophysical Journal Letters.

VEJA COMO FOI A APRESENTAÇÃO

Trata-se do ponto culminante de décadas de trabalho no desenvolvimento de uma técnica chamada de interferometria de base muito longa. Traduzindo do cientifiquês, é o esforço de combinar os dados de vários radiotelescópios separados por longa distância numa única imagem. Isso equivale, grosso modo, a ter um telescópio cuja área é do tamanho da maior distância entre os diferentes elementos.

A primeira observação feita pela equipe do EHT foi em 2006, mas os cobiçados dados que culminaram na apresentação desta quarta-feira foram gerados em abril de 2017, a partir de oito conjuntos de radiotelescópios, espalhados por Europa, Estados Unidos, Chile e até mesmo o Polo Sul.

Desde 2018, novos observatórios vêm se juntando ao projeto, que contará com pelo menos 11 instalações até 2020. E o desafio maior, claro, é processar esses dados todos para gerar uma única imagem — a técnica exige alto poder computacional e incrível sincronismo de operação nas observações, controlado por relógios atômicos de alta precisão. Em resumo: não é fácil, e isso explica por que levou praticamente dois anos entre a primeira tentativa de realizar essa observação e sua apresentação ao público, por meio de múltiplas coletivas realizadas ao redor do mundo às 10h desta quarta.

E O QUE ISSO QUER DIZER?
Trata-se de um grande momento da história da ciência, em que uma imagem reflete uma previsão intrigante feita mais de um século atrás por meio de equações matemáticas. Usando a então novíssima teoria da relatividade geral de Einstein, o físico alemão Karl Schwarzschild calculou pela primeira vez o que aconteceria se fosse possível comprimir a massa de uma estrela além de um determinado limite. Descobriu que, a partir de tal ponto, a gravidade ali seria tão intensa que nada poderia escapar dela — nem mesmo a coisa mais rápida que existe, a luz. Eis então a definição de um buraco negro.

Schwarzschild rabiscou seus artigos iniciais sobre esse fenômeno ainda em 1915, e da frente de batalha durante a Primeira Guerra Mundial. Enviou-o ao próprio Einstein, que gostou muito e apresentou tempos depois à Academia Prussiana de Ciências. Mas o pai da relatividade achava que se tratava mais de uma curiosidade do que qualquer outra coisa — para ele, a natureza jamais permitiria a existência de tal abominação.

Isso porque, levando a ferro e fogo o que dizem as equações, um buraco negro significaria a existência de algo que se desconecta do nosso próprio espaço-tempo — como se criasse um furo no tecido que compõe nossa realidade. O que cai ali nunca mais volta e também não pode mais interagir com a gente aqui fora.

Acontece que, um par de décadas depois, os físicos aprenderam como estrelas vivem e morrem, e descobriram que, para astros de alta massa, quando a capacidade de gerar energia se esgota, eles podem se comprimir até gerarem de fato um buraco negro.

Ao longo dos anos, diversos físicos pensaram em alternativas exóticas capazes de evitar a formação de um buraco negro, imaginando mecanismos que pudessem impedir o colapso completo da estrela e evitassem o surgimento de um horizonte dos eventos — a fronteira matemática que delimita o ponto de não retorno. Sempre foram alternativas pouco atraentes, mas não se podia descartar de todo até que observássemos de fato um buraco negro.

Então, é isso que as imagens de hoje significam: nossa primeira contemplação desse esotérico abismo no próprio tecido do espaço.

BURACOS E BURACOS
Os mais comuns surgem quando uma estrela entra em colapso, ao esgotar seu combustível, e implode sobre si mesma. Mas esses são tão pequenos que seria muito difícil observar, mesmo com o esforço conjunto de todos os radiotelescópios do EHT. Até porque provavelmente há pouco ou nenhum gás circundante para que se possa delinear a silhueta do buraco negro.

Por isso, os alvos preferenciais, observados desde 2017, são os chamados buracos negros supermassivos, que costumam morar no coração de cada galáxia.

O EHT se concentrou em dois em particular. O mais óbvio é o superburaco negro que mora no coração da Via Láctea, chamado de Sagitário A* (fala-se “a-estrela”), com diâmetro estimado em 60 milhões de km e massa de 4 milhões de sóis. Mas os pesquisadores também apontaram sua rede de radiotelescópios para o centro da galáxia elíptica supergigante M87, onde mora um buraco negro supermassivo que está muito mais distante, mas também temmais de mil vezes mais massa — o equivalente a cerca de 6,5 bilhões de sóis. Foi essa segunda tentativa que resultou na imagem apresentada nesta quarta.

“Também temos resultados de Sagitário A*, mas são mais difíceis de processar, estamos trabalhando neles e esperamos poder apresentá-los em breve”, disse Sheperd Doeleman, diretor do EHT e pesquisador da Universidade Harvard, nos EUA.

Essas observações podem revelar detalhes jamais antes observados do disco de acreção (o material circundante do buraco negro, composto por gás que brilha ao ser acelerado pela gravidade), dos jatos relativísticos (de onde emanam partículas aceleradas quase à velocidade da luz) e, claro, do horizonte dos eventos (a mancha escura de onde a luz não pode mais fugir e chegar até nós).

Os resultados consistem em testes radicais da teoria da relatividade geral, que, por ora, continua em sua sequência interminável de sucessos. Antes dessa, a última grande confirmação veio com a detecção das ondas gravitacionais, em 2015.

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