Mensageiro Sideral https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br De onde viemos, onde estamos e para onde vamos Sat, 04 Dec 2021 19:09:39 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Estudos reconstroem a história das galáxias precursoras da Via Láctea https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2020/11/29/estudos-reconstroem-a-historia-das-galaxias-precursoras-da-via-lactea/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2020/11/29/estudos-reconstroem-a-historia-das-galaxias-precursoras-da-via-lactea/#respond Mon, 30 Nov 2020 02:15:11 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2020/11/halo-via-lactea-heracles.jpg-320x213.png https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=9690 Os cientistas sabem que galáxias crescem e evoluem por meio de colisões. Mas como decifrar a árvore genealógica da própria Via Láctea, depois de tantas colisões ocorridas nos últimos 12 ou 13 bilhões de anos? Um grupo internacional de astrônomos parece ter encontrado a resposta, olhando para os aglomerados globulares – enxames de estrelas antigas que cercam a nossa galáxia.

A Via Láctea tem cerca de 150 desses, e muitos deles teriam se formado nas galáxias menores que acabariam colidindo para formar nosso lar galáctico atual. Por meio de simulações, a equipe de Diederik Kruijssen, da Universidade de Heidelberg, na Alemanha, e Joel Pfeffer, da Universidade Liverpool John Moores, acredita ter reconstruído boa parte da história de formação da Via Láctea.

O trabalho deles, publicado no Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, partiu de um conjunto de simulações, E-Mosaics, que fornecem um modelo completo para formação, evolução e destruição de aglomerados globulares.

Partindo das simulações como modelos, eles conseguiram associar as idades, composições químicas e movimentos orbitais dos aglomerados globulares às propriedades de suas galáxias progenitoras, onde eles teriam surgido mais de 10 bilhões de anos antes. Em seguida, passaram a analisar os aglomerados globulares da própria Via Láctea, e assim conseguiram determinar não só quantas estrelas essas galáxias progenitoras tinham, mas também quando elas colidiram com a Via Láctea.

Resultado: ao longo de sua história, nossa galáxia canibalizou pelo menos cinco outras galáxias com mais de 100 milhões de estrelas, e cerca de 15 delas com pelo menos 10 milhões de estrelas. As galáxias progenitoras maiores colidiram com a Via Láctea entre 6 e 11 bilhões de anos atrás. Conforme evidências foram aparecendo dessas antigas galáxias, elas foram ganhando nomes: Kraken, Gaia-Encélado, Sequoia, fluxos Helmi e Sagitário.

Árvore genealógica da Via Láctea construída por Kruiijssen e colegas, com cinco grandes precursoras.

Quase em seguida, um grupo liderado pelo astrônomo brasileiro Ricardo Schiavon, da Universidade Liverpool John Moores, publicou, no mesmo MNRAS, a descoberta de outro fóssil de uma das galáxias canibalizadas – uma progenitora até então desconhecida.

Para isso os pesquisadores não olharam para os aglomerados globulares, mas para as estrelas que povoam o halo galáctico, a região esférica que envolve o disco da nossa galáxia. Usando dados colhidos pelo experimento Apogee, parte da Pesquisa Digital Sloan do Céu (SDSS, na sigla em inglês), os pesquisadores indicaram que uma boa parte delas é resquício de uma antiga galáxia que colidiu com a nossa uns 10 bilhões de anos atrás.

Eles deram a ela o nome de Héracles – em homenagem ao herói lendário grego. De acordo com os pesquisadores, a antiga galáxia Héracles é a responsável por um terço de todas as estrelas do halo da nossa galáxia. 

O que esses dois estudos começam a desenhar com clareza é que a Via Láctea teve um começo atípico, com muitas colisões de grande porte e uma vida mais turbulenta durante seus primeiros bilhões de anos de existência.

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Grupo usa estrelas pulsantes como faróis para montar mapa 3D da Via Láctea https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2019/08/01/grupo-usa-estrelas-pulsantes-como-farois-para-montar-mapa-3d-da-via-lactea/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2019/08/01/grupo-usa-estrelas-pulsantes-como-farois-para-montar-mapa-3d-da-via-lactea/#respond Thu, 01 Aug 2019 18:00:28 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2019/08/skowron1HR-320x213.jpg https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=8978 Usando como faróis estrelas com propriedades luminosas bem conhecidas, um grupo de astrônomos poloneses acaba de produzir um sofisticado mapa tridimensional da nossa Via Láctea, revelando detalhes de sua estrutura.

As reais protagonistas da história são as estrelas conhecidas como variáveis cefeidas clássicas. O nome cifrado pode ser traduzido como “estrelas de alta massa muito brilhantes que incharam na fase final de suas vidas e pulsam periodicamente”. É isso que elas são.

O que realmente interessa a respeito delas é que existe uma relação firme entre a luminosidade e o período de pulsação, fato descoberto em 1908 pela astrônoma Henrietta Swan Leavitt. Ou seja, ao medir quanto tempo leva entre cada pulso, é possível estimar qual é o brilho intrínseco da estrela.

Ao contrastar essa luminosidade absoluta com a luminosidade aparente (o quão brilhante a estrela parece ser, no céu, vista da Terra), temos aí um meio de saber a que distância ela se encontra. (Da mesma forma que podemos saber se um carro com o farol alto atrás de nós está perto ou longe, dependendo do quanto a luminosidade refletida no retrovisor incomoda nossa visão, embora o brilho intrínseco do farol seja o mesmo a qualquer distância.)

Foi graças a essa propriedade das variáveis cefeidas – tão brilhantes que podem ser vistas até mesmo quando estão em outras galáxias – que o astrônomo Edwin Hubble, entre 1929 e 1931, pôde constatar que o Universo estava em expansão. As variáveis cefeidas ofereciam um meio de calcular a distância até suas galáxias de origem, enquanto a distorção do comprimento de onda da própria luz da galáxia por conta do deslocamento dela com relação a nós (algo que os astrônomos chamam de desvio para o vermelho, ou “redshift”) indicava a velocidade dela.

Hubble notou que, quanto mais distante uma galáxia estava de nós, mais rápido ela parecia se afastar de nós. Uma situação em que tudo parece estar se afastando de tudo é análoga à de um balão inflando. Se você pintar pontinhos na superfície da bexiga, verá que eles se afastam uns dos outros conforme ela enche – da mesma maneira que um Universo em expansão será observado, de qualquer lugar, como se todas as galáxias estivessem se afastando de você.

No novo estudo polonês, que figura nas páginas da edição desta semana da revista Science, os pesquisadores se concentraram apenas nas variáveis cefeidas clássicas localizadas dentro de nossa própria galáxia, a Via Láctea.

Foram analisadas nada menos que 2.431 delas, a maioria das quais descoberta por um projeto de observação de lentes gravitacionais (desvios no trajeto da luz causados pela gravidade de objetos, à forma de uma lente óptica convencional) chamado OGLE-IV. Seus resultados, publicados em 2018, mais que dobraram o número de variáveis cefeidas conhecidas na Via Láctea.

A posição no céu de cada uma das cefeidas variáveis clássicas usadas no mapeamento 3D da Via Láctea. (Crédito: J. Skowron/OGLE/Serge Brunier)

Ao marcar exatamente a distância e a posição de cada uma delas, foi possível construir um mapa tridimensional da galáxia, especialmente útil para observar as regiões de formação de estrelas e as populações mais jovens – já que as variáveis cefeidas são estrelas de alta massa e que, por isso mesmo, têm vida curta. (Quanto maior é uma estrela, mais rapidamente ela consome seu combustível. Enquanto o Sol está em sua meia-idade, com 4,6 bilhões de anos, uma variável cefeida clássica deve ter no máximo 400 milhões de anos.)

A detecção de estrelas, naturalmente, é muito maior no nosso entorno e torna-se mais escapa nas regiões além do centro galáctico. Mas, ainda assim, a distribuição das cefeidas ajuda a delinear os braços da Via Láctea e a forma de seu disco.

“Este mapa revela a estrutura das populações estelares jovens da nossa galáxia e nos permite delimitar a forma torcida do disco da Via Láctea”, escrevem os autores liderados por Dorota M. Skowron, da Universidade de Varsóvia.

Variáveis cefeidas ajudam a identificar as pontas torcidas do disco da Via Láctea. (Crédito: J. Skowron/OGLE/Astronomical Observatory, University of Warsaw)

As observações são consistentes com o que já se sabia da nossa galáxia – ela tem a forma espiral barrada, ou seja, com uma barra de estrelas em sua região central, e parece ter as pontas do disco torcidas, de um lado para cima, de outro para baixo. Os resultados também suportam a noção de que ela tem quatro braços principais em seu padrão espiral.

Além disso, o mapa obtido se encaixa bem com simulações que tentam reproduzir o padrão de formação de estrelas jovens na galáxia, mais um passo importante para entendermos como é o grande conjunto de estrelas dos quais nosso Sol é apenas um, dentre centenas de bilhões. No céu noturno, ela só nos parece uma faixa leitosa (daí seu nome), ilustrando a dificuldade de mapear uma galáxia quando se está dentro dela. Com engenhosidade e observações, pouco a pouco, os astrônomos vão superando essa limitação.

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Disco da Via Láctea é curvado, revela novo mapa 3D https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2019/02/11/disco-da-via-lactea-e-curvado-revela-novo-mapa-3d/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2019/02/11/disco-da-via-lactea-e-curvado-revela-novo-mapa-3d/#respond Mon, 11 Feb 2019 04:00:19 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2019/02/WarpedMilkyWay-e1549844062763-320x213.jpg https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=8625 Já não basta saber que a nossa galáxia não é a maior, nem a mais bem localizada, nem é nada especial, em meio a um grupo galáctico modesto de um Universo com mais de 2 trilhões de galáxias; talvez tenhamos de conviver também com o fato de que, além de tudo, ela pode ser feinha.

Um novo estudo realizado por astrônomos da Academia Chinesa de Ciências e da Universidade Macquarie, na Austrália, mostra que o nosso disco galáctico é torto, com uma das pontas formando uma diagonal para cima, e a outra, para baixo.

O trabalho, publicado na última edição da Nature Astronomy, modelou o disco da galáxia a partir do mapeamento de 1.339 variáveis cefeidas. Trata-se de um tipo de estrela particularmente útil para a medição de distâncias, porque há uma relação direta entre a luminosidade e o período de pulsação. Medindo a pulsação, é possível saber o brilho absoluto, e comparando-o ao brilho relativo (o observado pelos astrônomos), é possível estimar a distância.

Os pesquisadores trabalharam com uma população de cefeidas bem caracterizadas pelo satélite Wise, da Nasa, e então marcaram suas posições no disco da Via Láctea — permitindo a criação de um mapa 3D de parte da galáxia. O resultado confirmou observações anteriores feitas de nuvens de hidrogênio e apontou mesmo a natureza curvada do disco.

Distribuição em 3D das cefeidas pelo disco da Via Láctea conforme mapeadas pelo estudo, com o Sol (laranja) como centro. (Crédito: Macquarie University)

A essa característica se soma o fato de que a Via Láctea parece ter uma barra de estrelas no centro galáctico e ao mesmo tempo quatro braços distintos — uma peculiaridade, já que galáxias barradas costumam ter dois braços.

O formato curvado da borda externa do disco galáctico não é de todo inesperado; há outras galáxias com padrão semelhante, e isso já era previsto a partir do efeito de torque gravitacional gerado pelo giro do disco mais interno de estrelas.

Com o novo mapa 3D, a identificação da curvatura ajudará os cientistas a estudar em mais detalhes a evolução da nossa galáxia ao longo dos últimos bilhões de anos, assim como a distribuição de matéria escura.

Tirando os ganhos científicos, temos de admitir que o efeito não parece contribuir esteticamente com a galáxia — a Via Láctea, para quem olha de fora, não deve parecer um harmônico disco plano de estrelas, como sua irmã maior, Andrômeda.

Isso, contudo, não deve chatear ninguém. Ela pode não ser tão bonita quanto outras que há por aí, mas isso não deve mudar a percepção que temos dela — a Via Láctea sempre foi e sempre será o nosso lar, em meio à incomensurável vastidão do cosmos. A beleza, já dizia o provérbio, está nos olhos de quem vê.

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Grande Nuvem de Magalhães vai colidir com a Via Láctea, diz estudo https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2019/01/07/a-colisao-que-vai-transformar-a-via-lactea/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2019/01/07/a-colisao-que-vai-transformar-a-via-lactea/#respond Mon, 07 Jan 2019 04:00:07 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2019/01/heic0506a-320x213.jpg https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=8570 A Via Láctea deve sofrer uma grande colisão galáctica muito antes do que se imaginava, e o impacto, em aproximadamente 2 bilhões de anos, vai transformar completamente o ambiente de nossa galáxia. A conclusão é de um quarteto de pesquisadores da Universidade de Durham, no Reino Unido, e foi publicada na última sexta-feira (4) no periódico MNRAS, da Sociedade Real Astronômica britânica.

Não estamos falando da futura colisão da Via Láctea com sua vizinha maior, a galáxia de Andrômeda — algo que é tido como um desfecho inevitável da dança gravitacional entre os membros galácticos de nosso cantinho do Universo, mas que está muito mais adiante no futuro. Aqui o drama é mais imediato e diz respeito à Grande Nuvem de Magalhães.

Trata-se de uma velha conhecida, uma galáxia-satélite da Via Láctea localizada a modestos 163 mil anos-luz daqui, figurinha fácil mesmo a olho nu no céu do hemisfério Sul. Até então, era tida como inofensiva, e esperava-se que fosse orbitar nossa galáxia por muitos bilhões de anos, ou mesmo escapar completamente do puxão gravitacional da Via Láctea, dada sua velocidade de deslocamento.

Contudo, estudos recentes mostraram que a Grande Nuvem de Magalhães tem muito mais massa do que antes se pensava, e isso muda tudo. Numa simulação de supercomputador, os pesquisadores constataram que haverá, sim, uma colisão — e é iminente. Deve acontecer em uns 2,5 bilhões de anos, com margem de erro de 1 bilhão para mais ou para menos.

“Embora 2 bilhões de anos seja um tempo extremamente longo comparado à duração de uma vida humana, é curto em escala cosmológica”, comenta Marius Cautun, líder da pesquisa.

A simulação indica que o impacto será transformador. A Via Láctea receberá enorme injeção de gás e estrelas, o que fará com que o buraco negro gigante no coração da nossa galáxia (que é modesto e quieto, comparado ao de algumas de suas vizinhas) cresça 8 vezes em tamanho e se torne ativo, emitindo doses cavalares de radiação. A periferia da Via Láctea também sofrerá mudanças e terá cinco vezes mais estrelas do que atualmente. Ironicamente, após o impacto a mirrada Via Láctea ficará mais parecida com uma galáxia espiral típica.

Apesar da bagunça, o evento não deve meter medo. Em colisões de galáxias, é muito raro que estrelas individuais (e seus planetas) passem por distúrbios. Até existe uma chance de que o Sistema Solar seja ejetado da Via Láctea rumo ao vazio do espaço intergaláctico, mas é pequena, e mesmo isso não deve afetar significativamente nossos planetas — só vai estragar a visão do céu noturno.

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Conheça nossos novos vizinhos https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2018/10/15/conheca-nossos-novos-vizinhos/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2018/10/15/conheca-nossos-novos-vizinhos/#respond Mon, 15 Oct 2018 05:00:52 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2018/10/heic0913a-320x213.jpg https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=8236 Um grupo internacional de pesquisadores com participação brasileira descobriu nada menos que 41 novos aglomerados estelares na vizinhança do Sistema Solar. Vizinhança naquelas, claro — estamos falando de um raio de 6.000 anos-luz. Mas, no contexto do tamanho da Via Láctea, com seus cerca de 100 mil anos-luz de diâmetro, é, como diria Fernando Vannucci, logo ali.

O achado, obtido pela colaboração Coin (acrônimo em inglês para Iniciativa Cosmoestatística), foi possível graças a dados colhidos pelo satélite europeu Gaia, e é ainda mais importante pelo fato de que, até recentemente, a comunidade astronômica dava esse censo local por essencialmente encerrado. O novo achado muda completamente esse entendimento e representa um aumento de mais de 20% no número de aglomerados estelares conhecidos em nossos arredores galácticos.

Aí você pergunta: mas por que diabos é importante ficar achando aglomerados estelares? E, indo ainda mais longe, que diabo é um aglomerado estelar? Bom, começando pelo fim, um aglomerado é basicamente um montão de estrelas (centenas a milhares delas) agrupadas, pelo fato de terem nascido na mesma ninhada e ainda não terem tido tempo de se dispersar pela galáxia.

Sabendo isso, fica mais fácil responder à primeira pergunta. Aglomerados, além de serem mais fáceis de ver do que estrelas individuais, representam estruturas jovens, que dão pistas de como cada região da galáxia está se transformando e de qual é, afinal, sua forma.

Mapa indica os novos aglomerados (em amarelo) descobertos pelo Coin em dados do satélite Gaia.

Não é segredo para ninguém que mapear a Via Láctea é extremamente difícil, pelo simples fato de que estamos do lado de dentro. É meio como tentar desenhar a costa brasileira a partir de Minas Gerais. Nesse sentido, o estudo dos aglomerados ajuda bastante.

Essa, é por sinal, a expectativa gerada pelo satélite Gaia. Seus dados contemplam a posição e velocidade de cerca de 1,7 bilhão de estrelas — por volta de 1% do total existente na Via Láctea. Seus dados prometem revolucionar vários campos da astronomia e permitirão ter uma noção sem precedentes da organização e da longa história da nossa galáxia.

As novas descobertas foram feitas com observações da região do braço de Perseus, um dos braços espirais da Via Láctea. “E estamos agora trabalhando para mapear o céu inteiro — potencial de descobertas enorme”, descreve Rafael de Souza, pesquisador da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill, nos EUA, um dos líderes da Coin.

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Como nascem os buracos negros gigantes https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2018/09/17/como-nascem-os-buracos-negros-gigantes/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2018/09/17/como-nascem-os-buracos-negros-gigantes/#respond Mon, 17 Sep 2018 05:00:07 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2018/09/buraco-negro-supermassivo-quasar-320x213.jpg https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=8067 Praticamente todas as galáxias de respeito têm em seu centro um buraco negro gigante, com milhões a bilhões de vezes a massa do nosso próprio Sol. Mas explicar como eles foram parar lá não é moleza.

Os astrônomos conhecem uma receita clássica para formar um buraco negro: basta deixar que uma estrela de alta massa esgote seu combustível nuclear. Sem energia gerada de dentro para fora a fim de compensar a gravidade a esmagá-la, o astro simplesmente implode, e não há força conhecida na natureza capaz de impedir esse colapso.

Funciona. Mas o problema é que esses buracos negros, óbvio, não podem ter, de saída, massa maior que a das estrelas que os geraram. E não há estrela com milhões de vezes a massa do Sol.

A solução padrão para esse dilema sempre foi imaginar que buracos negros estelares, com o passar de bilhões de anos, pudessem ir engordando, engolindo mais e mais matéria, mais e mais estrelas, até se tornarem gigantes.

Seria uma ótima resposta, não fosse um detalhe inconveniente: observações das profundezas do espaço, que revelam como eram as galáxias na tenra infância do Universo, estão salpicadas de evidências de enormes buracos negros, numa época em que eles não poderiam existir caso a hipótese do engordamento gradual estivesse correta.

No ano passado, começou a ganhar força uma alternativa: simulações mostraram que, nas condições certas, enormes nuvens de gás primordial poderiam colapsar diretamente num buraco negro gigante, com dez mil a cem mil vezes a massa do Sol, numa tacada só.

Na teoria, maravilha. Na prática, como checar isso? A resposta veio na última edição da Nature Astronomy. Nela, astrônomos do Instituto de Tecnologia da Georgia, nos EUA, mostram que o Telescópio Espacial James Webb, a ser lançado em 2021, em tese seria capaz de detectar evidências da formação de buracos negros gigantes por colapso direto em observações cuja luz remonta aos primórdios do cosmos. Se eles estiverem certos, estamos muito perto de saber como nasce o coração de cada galáxia.

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Satélite Gaia cria mapa 3D da Via Láctea https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2018/04/30/satelite-gaia-cria-mapa-3d-da-via-lactea/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2018/04/30/satelite-gaia-cria-mapa-3d-da-via-lactea/#respond Mon, 30 Apr 2018 05:00:29 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2018/04/Gaia_s_sky_in_colour-1-320x213.jpg http://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=7645 O Natal chegou mais cedo para os astrônomos. Na semana passada, a Agência Espacial Europeia divulgou a segunda bateria de dados do Gaia, satélite destinado a fazer o maior censo estelar da Via Láctea. Com essas informações, é possível gerar um mapa 3D da nossa galáxia, mesmo estando nós do lado de dentro dela.

Lançado em dezembro de 2013, o satélite começou a colher dados no ano seguinte. A primeira divulgação ocorreu em 2016 e continha já um catálogo respeitável, que permitia estimar a distância e o movimento de cerca de 2 milhões de estrelas.

O Gaia mede a distância das estrelas por um método conhecido como paralaxe. Em sua órbita ao redor do Sol, o satélite está ora de um lado, ora de outro do Sistema Solar, o que gera uma pequena mudança de perspectiva com relação às estrelas. Por trigonometria, pode-se calcular a distância com base na variação.

A rigor, poderíamos perceber isso com nossos próprios olhos, já que a Terra também ora está lá, ora está cá no Sistema Solar. Mas como a distância das estrelas é enorme, a mudança de perspectiva é muito pequena para ser registrada — exceto por um equipamento de alta precisão como o Gaia.

Neste segundo pacote, com 22 meses de dados, o número de estrelas cuja distância pode ser estimada subiu de 2 milhões para 130 milhões. E o número total de estrelas monitoradas é ainda maior: 1,7 bilhão. É uma revolução. Forma-se agora, gradualmente, uma base que vai alimentar o trabalho dos astrônomos por décadas a fio.

Só a título de exemplos, veja algumas pesquisas que já pipocaram.

Um grupo de astrônomos determinou que o disco da Via Láctea parece ser dinamicamente jovem e foi perturbado entre 300 e 900 milhões de anos atrás pela passagem próxima de uma galáxia anã vizinha.

Outro trabalho encontrou uma estrela que viaja em alta velocidade pela nossa galáxia, depois de ter sido ejetada da Grande Nuvem de Magalhães, sugerindo que essa modesta galáxia vizinha também tem um buraco negro gigante em seu centro.

Um terceiro analisou os resultados de detecção de 25 exoplanetas distantes por microlentes gravitacionais, corroborando 19 deles com os novos dados do Gaia.

Isso sem falar na própria equipe do satélite, que publicou um pacotaço de artigos numa edição especial da Astronomy & Astrophysics. Esse é apenas o começo de uma revolução na astronomia.

BÔNUS: Viaje virtualmente pelo céu de Gaia!
A Universidade de Heidelberg, na Alemanha, desenvolveu um software que é basicamente um simulador virtual do Universo baseado nos dados do satélite Gaia. Você pode baixá-lo e viajar pela galáxia clicando aqui.

A coluna “Astronomia” é publicada às segundas-feiras, na Folha Corrida.

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Astronomia: Campo minado https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2018/04/09/astronomia-campo-minado-de-buracos-negros/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2018/04/09/astronomia-campo-minado-de-buracos-negros/#respond Mon, 09 Apr 2018 05:00:55 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2018/04/CU-Black-Hole-Image-320x213.jpg http://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=7545 Centro da galáxia é campo minado de buracos negros, diz estudo com telescópio de raios X.

TÁ TUDO DOMINADO
O centro da Via Láctea é provavelmente o lugar mais inóspito que possa haver em nossa galáxia. Uma altíssima concentração de estrelas zunindo ao redor de um buraco negro supergigante, com massa de aproximadamente 4 milhões de sóis, tudo isso envolto numa nuvem difusa de gás, ideal para a formação de estrelas de alta massa. E agora a cereja no bolo: o buraco negro gigante é rodeado por dezenas de milhares de buracos negros menores, de massa estelar.

O ESPERADO
Essa é uma velha predição dos astrônomos. Afinal, se há gás circundante para formar uma profusão de estrelas de alta massa, esses astros vão viver e morrer em alguns milhões de anos, explodir como supernovas e se transformar em buracos negros. A receita é conhecida. O difícil era confirmar essa hipótese.

O INVISÍVEL
Buracos negros não são exatamente fáceis de observar, por uma razão muito simples: são negros. Ganharam esse nome porque sua gravidade é tão intensa que nem a luz pode escapar deles. Assim, não podem ser vistos. Como então detectá-los?

VIZINHOS CAGUETAS
Os astrônomos liderados por Chuck Hailey, da Universidade Columbia, nos EUA, decidiram ir atrás dos buracos negros que tivessem uma estrela vizinha próxima, num par binário. Nesses casos, o consumo do gás da estrela pelo buraco negro emitiria raios X que poderiam ser detectados.

A PONTA DO ICEBERG
Encontraram, em dados de arquivo do observatório espacial de raios X da Nasa, o Chandra, evidências de uma dúzia desses sistemas binários num raio de apenas três anos-luz do superburaco negro central. E a distribuição deles indica a existência de muitos outros similares, além de muitos mais buracos negros solitários, exatamente como sugeriam os modelos. O centro da galáxia é mesmo um campo minado de buracos negros. O trabalho ganhou as páginas da revista Nature.

A coluna “Astronomia” é publicada às segundas-feiras, na Folha Ilustrada.

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Sistema Solar reside num pequeno oásis galáctico para a vida, diz estudo brasileiro https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2017/05/19/sistema-solar-reside-num-oasis-galactico-para-a-vida-diz-estudo-brasileiro/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2017/05/19/sistema-solar-reside-num-oasis-galactico-para-a-vida-diz-estudo-brasileiro/#comments Fri, 19 May 2017 03:33:54 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2017/05/milky-way-sol-180x180.jpg http://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=6377 Talvez nossa existência neste planeta não seja mera coincidência. Segundo um estudo recém-publicado por um quarteto de astrônomos do Brasil, o Sistema Solar está localizado no lugar certo da Via Láctea para permitir a existência de vida — um “oásis” relativamente pequeno em meio a uma galáxia largamente inóspita.

O trabalho, aceito para publicação no periódico “Astrophysical Journal”, foi liderado por Jacques Lépine, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP, e envolveu a combinação entre dados precisos de posições de estrelas jovens e cálculos detalhados de suas órbitas ao redor do centro galáctico.

A Via Láctea é uma galáxia espiral de porte respeitável, com cerca de 100 mil anos-luz de diâmetro e pelo menos 100 bilhões de estrelas, das quais o Sol é apenas uma. Todas elas estão em órbitas ao redor do núcleo da galáxia, onde reside um enorme buraco negro. Mas nosso astro-rei está bem afastado do centro, localizado a 26 mil anos-luz de lá — mais ou menos a metade do caminho até a periferia galáctica.

Há algumas décadas, ao analisarem as diferenças circunstanciais entre as regiões mais centrais da galáxias (com alta densidade de estrelas) e as partes mais afastadas (em geral povoadas por estrelas com baixo conteúdo de elementos mais pesados, como carbono, oxigênio e ferro), os astrônomos começaram a trabalhar o conceito de “zona habitável galáctica” — uma faixa ao redor da Via Láctea onde a potencial presença de vida seria mais favorecida.

O raciocínio básico é que, nas regiões mais internas, devido à grande concentração de estrelas, não só os sistemas planetários estão mais sujeitos a desestabilização por encontrões entre estrelas vizinhas como também existe maior risco de esterilização por explosões de supernovas próximas.

Em compensação, nas regiões mais externas, o problema é a falta de elementos químicos pesados, que são essenciais à formação de planetas habitáveis e, em última análise, de seus potenciais habitantes.

Restaria portanto apenas um anel a uma distância média do centro galáctico que teria as condições certas para a vida. O Sol, naturalmente, estaria nessa faixa.

Até aí, nada de novo. Só que essa noção genérica tinha um certo problema, porque, como todas as estrelas estão girando ao redor do centro da galáxia, elas deveriam rotineiramente atravessar os braços de gás, poeira e estrelas que compõem a forma da Via Láctea. E essa travessia, ao menos em princípio, poderia ser bastante ameaçadora à vida na Terra, conforme o Sol cruzasse nuvens densas de gás e os objetos mais distantes do Sistema Solar possivelmente fossem perturbados, aumentando a taxa de impactos de cometas nos planetas internos.

Em tempos recentes, inclusive, houve pesquisadores defendendo a hipótese de que se podia estabelecer uma correlação entre as extinções em massa que aconteceram em nosso mundo com as potenciais travessias pelos braços galácticos, embora essa conexão nunca tenha sido estabelecida de forma clara. E agora sabemos o porquê.

O estudo dos pesquisadores da USP mostra que, na verdade, o Sol nunca cruza os braços espirais da Via Láctea. Nunca.

De acordo com os cálculos, nossa estrela está presa num padrão de ressonância que faz com que o período de sua órbita — cerca de 200 milhões de anos — seja o mesmo dos braços espirais. Ou seja, se o Sol avança em seu percurso galáctico no mesmo ritmo que o braço de Sagitário, que vem antes dele, e que o braço de Perseu, que vem depois, eles jamais se encontram.

Imagem destaca a posição do Sol, em azul, e de estrelas próximas, em vermelho, que estão presas à ressonância que as impede de cruzar os braços galácticos. (Crédito: Lépine et al.)

A descoberta também ajuda a explicar a existência de um braço anômalo na nossa região da Via Láctea, chamado de “Braço Local”, que consiste em essência numa estranha fileira de estrelas. Essas são justamente as estrelas que, a exemplo do Sol, ficaram presas nesse padrão de ressonância e também nunca têm um encontro potencialmente desagradável com os braços galácticos.

Se a travessia dos braços realmente oferece perigo para a vida — algo que não sabemos com certeza –, o trabalho deve levar a uma importante revisão do conceito de “zona habitável galáctica”, restringindo-a somente a essas áreas onde as estrelas são capturadas nesse padrão particular de ressonância. De acordo com os pesquisdores, existe um desses “oásis” entre cada um dos quatro braços espirais da Via Láctea — são quatro, portanto.

Confira a seguir uma pequena entrevista que o Mensageiro Sideral fez com Jacques Lépine, o autor principal do estudo.

Mensageiro Sideral – As estrelas vizinhas mais próximas, assim como o Sol, estão presas na mesma ressonância que as impede de cruzar os braços galácticos?

Jacques Lépine – Parte das estrelas vizinhas do Sol estão presas na ressonância, parte não. Tudo depende da velocidade espacial das estrelas. Aquelas que possuem velocidades altas com relação ao “padrão local de repouso”, ou seja, se deslocam com velocidades da ordem de 50 km por segundo, ou maior, com relação ao valor médio das estrelas vizinhas, escapam da ressonância.

Mensageiro Sideral – O trabalho parece ensejar uma redefinição maior do que se costuma falar sobre a zona habitável galáctica. Em vez de ser meramente um halo que descarta o bojo e as regiões periféricas da galáxia, ela parece também se limitar a áreas em que essa ressonância identificada por vocês impede a travessia dos braços. Não parece ser esse o caso?

Lépine – Parece ser esse o caso. Constatamos que vivemos num lugar muito particular da galáxia, pois o Sol nunca atravessa os braços espirais. É um lugar favorável à vida, pois se supõe que a travessia de um braço espiral possa ser algo perigoso, por exemplo atravessar nuvens densas de gás. No entanto, não podemos dizer com certeza que a travessia de braços espirais destrói a vida, ou todos os tipos de vida.

Mensageiro Sideral – Espera-se, a partir disso, que existam essas regiões de “aprisionamento por ressonância” entre todos os braços espirais, com a formação de braços de estrelas como o braço local?

Lépine – Sim, ao longo de um círculo com mesmo raio que a distância Sol-centro da galáxia, nosso modelo prevê quatro zonas privilegiadas (nosso braço local é uma delas). Para outras distâncias do centro, não há outras zonas de aprisionamento.

Mensageiro Sideral – Quais as implicações do trabalho para a pesquisa SETI? O sr. acha que esse achado pode ajudar a guiar e priorizar alvos para escuta futura, com base em suas circunstâncias orbitais?

Lépine – Em princípio a pesquisa SETI se concentra principalmente no estudo de estrelas próximas do Sistema Solar, digamos até algumas dezenas de anos-luz. Boa parte destas estrelas são aprisionadas, como o Sol. Eu excluiria da pesquisa as estrelas de alta velocidade, pelos motivos relacionados com a primeira pergunta. Mas isto só em tese, porque sabemos pouco sobre as condições que favorecem a vida.

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Astronomia: A saga de Gaia https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2016/09/26/astronomia-a-saga-de-gaia/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2016/09/26/astronomia-a-saga-de-gaia/#comments Mon, 26 Sep 2016 05:00:13 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2016/09/gaia-milkyway-180x101.jpg http://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=5332 Satélite determina posição de 1 bilhão de estrelas para decifrar estrutura da Via Láctea.

À LA BILAC
Ora (direis) contar estrelas! Foi a isso que se dedicou a fazer, em essência, o satélite europeu Gaia. Lançado em janeiro de 2014, ele era tido como uma das missões espaciais mais promissoras e revolucionárias para diversas áreas da astronomia. E agora chegou a hora de começar a colher os frutos.

COLEÇÃO DE IMAGENS
Colocado numa órbita ao redor do Sol a 1,5 milhão de km da Terra, o Gaia passou os últimos 14 meses fotografando com sua câmera de altíssima resolução todos os cantinhos do céu. Cada uma das imagens produzidas tinha 1 bilhão de pixels.

CENSO GALÁCTICO
E agora o grupo internacional responsável pela missão acaba de divulgar seu catálogo de objetos celestes, com mais de 1 bilhão de estrelas individuais da Via Láctea. Em essência, uma em cada cem estrelas da nossa galáxia terá sua posição celeste precisamente determinada pela missão.

Primeiro mapa celeste do Gaia. Há pequenas falhas de cobertura que serão eliminadas com o acúmulo de dados da missão (Crédito: ESA)
Primeiro mapa celeste do Gaia. Há pequenas falhas de cobertura que serão eliminadas com o acúmulo de dados da missão (Crédito: ESA)

DESDE QUE O MUNDO É MUNDO
A determinação da posição exata de um astro no céu, procedimento conhecido como astrometria, é uma das mais antigas atividades praticadas pelos astrônomos. O grego Hiparco compilou seu catálogo por volta do ano 135 a.C. — 850 estrelas. Um bom começo.

PRECURSOR
Saltando mais de 2.100 anos no futuro, a Agência Espacial Europeia lançou, em 1989, o satélite Hipparcos. Batizado em homenagem ao velho grego, ele basicamente seguiria a antiga tradição. Diversos catálogos foram produzidos com seus dados, o mais completo deles publicado em 2000. A contagem era de 2,5 milhões de estrelas.

O FUTURO
O Gaia é o próximo passo. Ao produzir um catálogo com mais de 1 bilhão de estrelas e demonstrar o sucesso técnico da missão, o satélite está a caminho de determinar com precisão não só a posição, mas a distância e o movimento de todos esses astros. Com isso, poderemos pela primeira vez fazer uma determinação precisa da estrutura da nossa galáxia, mesmo estando nós observando-a do lado de dentro.

BÔNUS
Diante dos expressivos resultados do Gaia, o Mensageiro Sideral procurou o astrônomo brasileiro Alberto Krone-Martins. Atualmente na Universidade de Lisboa, ele participa da missão e pode nos dar uma ótima perspectiva do impacto e do significado desses dados.

Alberto Krone-Martins no centro de controle da missão em Darmstadt, na Alemanha
Alberto Krone-Martins no centro de controle da missão em Darmstadt, na Alemanha

Mensageiro Sideral – A liberação dos dados do Gaia parece ter muita coisa boa. Embora esse seja apenas o começo, você destacaria algo que surpreendeu ou encantou mais os pesquisadores?

Alberto Krone-Martins – O primeiro release de dados do Gaia é realmente impressionante –- em especial considerando que é “apenas” um primeiro release. Ele contém mais de um bilhão de objetos pontuais (que podem ser estrelas, outras galáxias e quasares), e que pela primeira vez nos dão uma visão do céu inteiro com resolução que apenas uma missão espacial pode prover –- e diferentemente do Hubble, que nos deu a visão de apenas algumas regiões de céu, com o Gaia estamos falando do céu inteiro.

A exploração científica de todos esses dados começa apenas agora. O que fizemos até o momento foi verificar que os dados que estão sendo disponibilizados publicamente não possuem incorreções muito graves. São dados preliminares, certo, mas é sempre importante garantir um alto padrão de qualidade. Para isso realizamos estudos preliminares em, por exemplo, aglomerados estelares e estrelas variáveis. Mas as verdadeiras grandes “surpresas” que você questiona começarão a aparecer apenas nos próximos meses, quando a ciência realmente começar a ser feita.

Diferente de outras missões espaciais e levantamentos de dados astronômicos, nós não guardamos os dados para “fazer nossa ciência escondidos” por um tempo e apenas depois tornamos tais dados públicos. No Gaia, a partir do momento em que os dados são validados, construímos um release de dados e toda e qualquer exploração científica é realizada apenas após esses releases –- e por qualquer pessoa, pesquisador profissional ou não, em qualquer país mundo.

Mas, novamente, esse é apenas o começo da missão. Apesar de conter pouco mais de um bilhão de objetos, o conjunto de dados que está sendo publicado possui medidas de distância e movimento para “apenas” dois milhões e meio de estrelas, e na nossa “vizinhança solar” (ainda assim são 20 vezes mais do que o melhor conjunto de dados que temos disponível atualmente, da missão ESA/HIPPARCOS). Mas as medidas para todos os outros objetos, bem mais do que um bilhão, serão publicadas provavelmente ao final do próximo ano. E a partir deste próximo data release poderemos dizer que finalmente temos uma visão verdadeiramente “tridimensional” e dinâmica da Via-Lactea, revolucionando não apenas a compreensão de sua estrutura, formação e evolução, mas também de nosso próprio lugar no Universo.

Mensageiro Sideral – Você fala das medidas de distância e movimento para “apenas” 2,5 milhões de estrelas. Foi a combinação dos dados antigos do Hipparcos com os novos do Gaia que permitiram já fazer essa estimativa?

Krone-Martins – Sim! Essa primeira estimativa foi baseada em uma redução de dados que utilizou as posições medidas pelo satélite ESA/HIPPARCOS (que é uma sigla, então usamos caixa-alta). Mais precisamente, foram usados os dados de posição do catálogo Tycho-2, que foi construído com base na leitura dos mapeadores estelares do HIPPARCOS. Tais posições obtidas lá nos anos 1990 foram usadas como informações “a priori” sobre os objetos que foram observados pelo Gaia. E essa informação adicional ajuda a restringir os possíveis movimentos das estrelas observadas (mais ou menos como quando observamos um avião antes de depois de um morro, ou de um prédio), e com isso resolver o conjunto de equações que resulta na determinação simultânea da posição, movimento próprio e paralaxe das estrelas.

Mensageiro Sideral – Uma famosa controvérsia do Hipparcos era a distância até as Plêiades, que a astrometria do satélite sugeria apenas 390 anos-luz, quando a maioria dos estudos anteriores e posteriores apontavam algo na faixa dos 430-440… O que o Gaia disse sobre elas?

Krone-Martins – Sobre as Plêiades, resultados detalhados ainda serão obtidos no futuro para esse importante aglomerado, e os dados do primeiro data release possuem ainda um erro relativamente grande. Contudo eles apontam para a maior distância! Mas novamente, nós sabemos que o presente release é bastante preliminar, de modo que qualquer afirmação baseada nele deve ser mui cuidadosamente analisada. Não é à toa que a astrometria, junto com a mecânica celeste, tendem a ser consideradas como as áreas mais rigorosas da astronomia.

A coluna “Astronomia” é publicada às segundas-feiras, na Folha Ilustrada.

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