Mensageiro Sideral https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br De onde viemos, onde estamos e para onde vamos Sat, 04 Dec 2021 19:09:39 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Jipe detecta metano em Marte e equipe corre para investigar presença de vida https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2019/06/22/jipe-detecta-metano-em-marte-e-equipe-corre-para-investigar-presenca-de-vida/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2019/06/22/jipe-detecta-metano-em-marte-e-equipe-corre-para-investigar-presenca-de-vida/#respond Sat, 22 Jun 2019 16:58:24 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2015/08/20150810_Sol_1065_MaHLI_postcard1_web_f840-e1439664032564-180x115.jpg https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=8906 O JPL (Laboratório de Propulsão a Jato) da Nasa foi palco de cenas de exploração espacial explícita neste fim de semana. Na última quarta-feira (19), o jipe robótico Curiosity detectou mais uma grande pluma de metano no ar de Marte.

Os dados chegaram à Terra no dia seguinte, e nunca um potencial pum (ênfase em potencial) foi tão festejado entre os cientistas. Em nosso planeta, a presença de metano no ar é majoritariamente (mas não de todo) causada por formas de vida bacterianas. Os pesquisadores se perguntam se este também é o caso em Marte, e a detecção ofertou uma oportunidade de tentar testar essa hipótese. Daí o frenesi do fim de semana.

A Nasa ainda não fez qualquer anúncio oficial sobre a descoberta, mas o jornal americano The New York Times obteve alguns detalhes da movimentação, assim como um e-mail de Ashwin R. Vasavada, cientista de projeto do Curiosity, enviado a toda a equipe explicando as mudanças de planos nas observações do jipe robótico. “Dado este resultado surpreendente, reorganizamos o fim de semana para rodar um experimento subsequente”, escreveu.

Novas instruções já foram passadas ao jipe, que deve enviar os resultados obtidos para a Terra na segunda-feira, agregando mais um emocionante — quiçá elucidativo — capítulo à história turbulenta da detecção de metano na atmosfera marciana.

No começo dos anos 2000, observações feitas por telescópios em solo e pelo orbitador europeu Mars Express detectaram uma quantidade significativa de metano na atmosfera marciana, na faixa de 10 partes por bilhão. Ao chegar a Marte, em 2012, o Curiosity tinha como uma de suas principais metas tentar detectar o metano na superfície. De início, ele não encontrou nada, mas em 2013 uma pluma recém-emitida foi detectada por seus sensores, uma concentração de 15 partes por bilhão. Resultados obtidos pelo Mars Express, em órbita, teriam detectado a mesma coisa, confirmaram cientistas europeus em 2019.

Em compensação, observações feitas entre abril e agosto de 2018 pelo Trace Gas Orbiter, um novo satélite europeu destinado a ir à caça do metano com precisão muito maior que medições anteriores, não acharam nada, aprofundando o mistério.

Daí a empolgação da nova detecção do Curiosity e a reação rápida dos cientistas. Tanto o Mars Express quanto o Trace Gas Orbiter, em órbita de Marte, fizeram observações recentes da cratera Gale, onde está o jipe, e o plano é cruzar todos os dados para colocar um fim às discrepâncias nas detecções e matar a charada do metano marciano.

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Sonda InSight transmite visão espetacular da superfície de Marte https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2018/11/27/insight-manda-sua-primeira-visao-espetacular-da-superficie-de-marte/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2018/11/27/insight-manda-sua-primeira-visao-espetacular-da-superficie-de-marte/#respond Tue, 27 Nov 2018 03:47:57 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2018/11/B5EECE99-2FC4-4EAF-98D5-77B201032BED-320x213.jpeg https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=8365 Na primeira hora desta terça-feira (27), a Nasa divulgou uma imagem da câmera de colocação de instrumentos da sonda InSight, e a paisagem é de arrepiar. E junto veio a informação crucial de que os painéis solares se abriram corretamente, e a bateria interna já está recarregando.

A nova fotografia, produzida pela espaçonave poucas horas após a confirmação de seu pouso, às 17h53 (ou 17h52min59s, se preferir) de segunda-feira (pelo horário de Brasília), foi recebida pelo controle da missão do JPL (Laboratório de Propulsão a Jato), em Pasadena, na Califórnia, no fim da noite, numa transmissão de dados do orbitador Mars Odyssey.

Ele, a exemplo de outras missões científicas em órbita de Marte, faz jornada dupla servindo com satélite de telecomunicações para os veículos em solo, como a InSight e o jipe Curiosity.

Até agora, tudo transcorreu exatamente conforme o script preparado pelos engenheiros da Nasa, no início do que promete ser uma fascinante missão de estudos da estrutura interna do planeta vermelho.

As duas miniespaçonaves que acompanharam a InSight até Marte, MarCO-A e B, também excederam todas as expectativas e produziram uma linda foto de seu sobrevoo do quarto mundo a contar do Sol.

Sonda MarCO-B registra sua passagem por Marte, acompanhando a InSight em seu pouso. (Crédito: Nasa)

São imagens como essas, a misturar engenharia e poesia, a melhor expressão da exploração espacial. É quase como se estivéssemos lá. E, em certo sentido, estamos mesmo. São as maiores provas de como é indomável o espírito humano.

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InSight pousa com sucesso em Marte! https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2018/11/26/insight-pousa-com-sucesso-em-marte/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2018/11/26/insight-pousa-com-sucesso-em-marte/#respond Mon, 26 Nov 2018 19:56:51 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2018/11/insight-primeira-imagem-320x213.png https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=8343 A sonda InSight, da Nasa, realizou seu pouso em Marte de forma bem-sucedida nesta segunda-feira (26). A espaçonave fez a entrada pela atmosfera e desceu na região planejada, em Elysium Planitia, próximo ao equador do planeta vermelho. O sinal que confirmou o pouso bem-sucedido chegou ao controle da missão, em Pasadena, na Califórnia, às 17h52min59s (de Brasília).

Poucos minutos depois, surgiu a primeira foto, feita ainda com a tampa protetora da lente da câmera, bastante suja pela poeira levantada durante o pouso. Ela já revela as nuances do local de pouso e, como planejado, o módulo desceu numa região bastante plana, ideal para os experimentos (e mais segura para a descida).

Daí se seguiu, automaticamente, o início das operações em solo, que envolve em primeiro lugar a abertura dos painéis solares, sem os quais se torna impossível recarregar a bateria da sonda. Uma vez isso feito, ao longo de algumas horas, a InSight iniciará um registro fotográfico detalhado de seus arredores e aí cientistas e engenheiros trabalharão juntos para decidir onde, no solo, instalar o sismômetro e a perfuratriz embarcados na sonda — um processo que levará seis meses ao todo.

O custo total do projeto é de US$ 829 milhões e, se tudo correr bem, a InSight deve operar por pelo menos dois anos na superfície de Marte.

Este é o quinto pouso seguido bem-sucedido da Nasa no planeta vermelho. A última falha foi em 1999, com a Mars Polar Lander. Desde então, desceram à superfície os jipes Spirit e Opportunity (2004), a sonda Phoenix (2008) e o jipe Curiosity (2012). A agência espacial americana segue sendo a única organização até hoje a promover missões de solo bem-sucedidas por lá. E, com o sucesso, agora finalmente temos um empate entre missões de pouso marcianas bem-sucedidas e fracassadas (promovidas por todos os países): de 16 tentativas, 8 deram certo.

O gerente de projeto da InSight, Tom Hoffman, aponta para rocha visível na primeira imagem produzida pela sonda no solo de Marte. (Crédito: AP/Al Seib/Los Angeles Times)

“Hoje, pousamos com sucesso em Marte pela oitava vez na história humana”, declarou Jim Bridenstine, administrador da Nasa. “A InSight estudará o interior de Marte e irá nos trazer ciência valiosa conforme nos preparamos para mandar astronautas para a Lua e depois para Marte. Esta realização representa a engenhosidade dos EUA e de nossos parceiros internacionais, e serve como um testamento da dedicação e perseverança de nossa equipe. O melhor para a Nasa ainda está por vir, e virá em breve.”

Também viajaram com a InSight duas miniespaçonaves, chamadas de MarCO-A e B. Eles são o que os engenheiros chamam de cubesats, satélites do tamanho de caixas de sapato desenvolvidos a um baixo custo, mas com ambições cada vez maiores. A função dos dois MarCOs foi acompanhar o pouso da InSight e eles conseguiram, retransmitindo os dados colhidos para a Terra. Eles agora seguirão em órbita ao redor do Sol, se afastando de Marte, tendo cumprido a importante tarefa de validar o uso dessas tecnologias miniaturizadas em missões interplanetárias. (A missão privada brasileira Garatéa-L, que voará para a Lua em 2022, também será um cubesat, do mesmo tamanho das MarCOs.)

O pouso da InSight também foi acompanhado diretamente pelas antenas da Deep Space Network, da Nasa, além das orbitadoras Mars Odyssey e Mars Reconnaissance Orbiter, nos arredores de Marte. O MRO, por sinal, clicou uma foto durante a descida. Se o apontamento foi preciso, ele deve ter registrado a cápsula da InSight com o paraquedas aberto, a caminho do chão.

A missão consiste em um módulo de pouso estacionário que colocará diversos instrumentos na superfície de Marte. Um sismômetro medirá “martemotos” — terremotos marcianos — e com isso será capaz de investigar a estrutura interna do planeta vermelho.

Uma perfuratriz fará uma penetração a até 5 metros de profundidade para medir quanto calor ainda flui do interior de Marte para a superfície. Câmeras ajudarão a medir oscilações no eixo de rotação marciano ao longo de sua órbita em torno do Sol.

Por fim, uma estação meteorológica medirá ventos e temperatura na atmosfera marciana no local de pouso.

O objetivo é usar os terremotos como sinais para a realização de uma “radiografia” do planeta, o que permitirá descobrir o que há em seu interior. São dados fundamentais para entender porque o planeta vermelho teve um destino bem diferente da Terra, embora tenha começado muito parecido, e também a estimar a quantidade de calor ainda existente em seu interior, que pode ou não ser capaz de manter ambientes habitáveis para microrganismos no subsolo.

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Pousar em Marte nunca é fácil; hoje tem mais uma tentativa, com a InSight https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2018/11/26/pousar-em-marte-nunca-e-facil-hoje-tem-mais-uma-tentativa-com-a-insight/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2018/11/26/pousar-em-marte-nunca-e-facil-hoje-tem-mais-uma-tentativa-com-a-insight/#respond Mon, 26 Nov 2018 04:00:18 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2018/05/insight-320x213.jpg https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=8332 Teremos o privilégio nesta segunda-feira (26) de testemunhar mais um pouso em Marte. É quando chegará à superfície a sonda InSight, destinada a investigar a estrutura interna do planeta vermelho. Este é um fato tão certo quanto o nascer do Sol, pois é ditado pelas mesmas leis da física. Incerto é se a sonda chegará sã e salva ou se irá se espatifar contra a superfície. Como em todos os pousos marcianos, não há garantia de sucesso — mesmo quando se trata de tecnologia já testada.

A missão (sobre a qual você pode ler mais aqui) usará o mesmo método de descida adotado pela Phoenix, sonda da Nasa que pousou próximo ao polo Norte marciano em 2008. Primeiro abrem-se os paraquedas, depois ejeta-se o escudo térmico e o toque suave na superfície se dá controlado por propulsores. Naquela ocasião, funcionou.

Porém, não custa lembrar também que uma tentativa anterior de usar a mesmíssima técnica fracassou uma década antes, em 1999, com a Mars Polar Lander, sonda destinada às proximidades do polo Sul. Uma investigação sugeriu que os propulsores se desligaram cedo demais, e a nave despencou violentamente no chão.

Esse, por sinal, foi o mesmo destino da última tentativa por qualquer país de pouso em Marte, ocorrida em 2016, com o módulo russo-europeu Schiaparelli. Ele estava destinado a descer em Meridiani Planum, 2 graus ao sul do equador, mas uma falha de software o impediu de executar com sucesso todas as etapas do pouso.

Se você é supersticioso, folgue em saber que a InSight está a caminho do hemisfério Norte, como a imensa maioria das sondas bem-sucedidas a visitar a superfície marciana. Se você não é, saiba que há um bom motivo para privilegiar as regiões boreais; é lá que residem os terrenos mais baixos e menos acidentados do planeta. Tendo mais distância até a descida, há mais atmosfera para que os paraquedas façam seu serviço a contento. O que ajuda, mas também não garante nada. Das 15 tentativas já empreendidas desde 1971 de pousar em Marte, 7 deram certo.

Não estou querendo secar a missão, óbvio. É apenas para ressaltar que pousar em outro planeta, não importa quantas vezes tenha sido feito antes, segue sendo difícil e sempre exige alguma dose de sorte. (Se a sonda calhar de descer sobre um rochedo pontiagudo, mesmo que tudo funcione, pode fracassar.)

Portanto, considere-se um privilegiado por acompanhar mais este emocionante lance da exploração espacial. E torçamos por uma descida bem-sucedida para a InSight. Acompanhe ao vivo neste espaço, a partir das 17h30!

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Banho de radiação do viajante marciano https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2018/09/24/banho-de-radiacao-do-viajante-marciano/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2018/09/24/banho-de-radiacao-do-viajante-marciano/#respond Mon, 24 Sep 2018 05:00:45 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2018/09/ExoMars2016_TGO_Cruise_In_Orbit_20150625-320x213.jpg https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=8157 Ir a Marte não é impossível, mas também não vai ser fácil. Novos resultados apresentados pela equipe responsável pelo satélite europeu Trace Gas Orbiter sugerem que só na viagem de ida e volta os tripulantes absorveriam 60% da dose máxima permitida para astronautas ao longo de toda a sua carreira.

O TGO foi projetado e lançado em 2016 para ir até Marte e estudar a composição dos gases que se apresentam em quantidades mínimas na atmosfera do planeta vermelho. Um de seus principais objetivos é ajudar na decifração da origem da diminuta presença de metano no ar, que pode tanto ser de origem geológica como biológica _vida.

Essas medições só começaram em abril deste ano, uma vez que, após sua chegada em Marte, o orbitador passou praticamente um ano inteiro ajustando sua órbita com a ajuda de aerofrenagem — passagens de raspão pela atmosfera marciana gradualmente reduziam sua velocidade e ajustavam sua posição.

Um de seus instrumentos, contudo, começou a trabalhar logo depois do lançamento: trata-se de um medidor de radiação que é parte do Detector Epitérmico de Nêutrons de Resolução Fina (Frend, na sigla em inglês). Ele mediu o quanto de radiação incidiu sobre a sonda durante sua viagem de cerca de seis meses até Marte.

Isso resultou em uma exposição de cerca de 0,3 sievert. Essa unidade, pouco familiar no cotidiano, é usada para avaliar impacto da radiação ionizante sobre seres humanos. Fazer uma tomografia computadorizada de tórax, por exemplo, expõe uma pessoa a cerca de 6 milésimos de sievert — mais ou menos o mesmo que ficar uma hora perto da usina de Chernobyl em 2010. Já ficar ao lado do núcleo do reator por 10 minutos logo após o acidente, em 1986, exporia você a bombásticos 50 sieverts. Nada recomendado, uma vez que uma dose de 8 sieverts já seria fatal, sem chance de tratamento.

Para astronautas, a dose considerada aceitável seria de uma exposição de 1 sievert ao longo de toda a carreira. Considerando que a volta de Marte durasse o mesmo que a ida, seis meses, teríamos aí dois terços disso só no trânsito interplanetário. Ainda restaria um tempo considerável na superfície de Marte, onde há menos radiação que no espaço, mas bem mais que na Terra.

O resultado, apresentado na última quinta-feira (20) no EPSC (Congresso Europeu de Ciência Planetária), é consistente com uma medição independente feita pelo jipe Curiosity, da Nasa, e ajuda a ilustrar o tamanho do desafio que será enviar humanos ao planeta vermelho.

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Terraformar Marte seria inviável com as tecnologias atuais, diz estudo https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2018/07/31/terraformar-marte-com-as-tecnologias-atuais-seria-inviavel-diz-estudo/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2018/07/31/terraformar-marte-com-as-tecnologias-atuais-seria-inviavel-diz-estudo/#respond Tue, 31 Jul 2018 05:00:22 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2018/07/MarsTransitionV-320x213.jpg https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=7964 A despeito da animação de Elon Musk e outros entusiastas com a perspectiva de colonizar Marte, tornar o planeta vermelho um lugar minimamente confortável para que humanos possam viver sem ter de usar trajes pressurizados é inviável — ao menos com as tecnologias atuais. Essa é a conclusão central de um novo estudo realizado por Bruce Jakosky, da Universidade do Colorado em Boulder, e Christopher Edwards, da Universidade do Norte do Arizona. Eles revisitam uma antiga ideia da ficção científica, por vezes discutida também nos círculos científicos: terraformação.

Trata-se do nome dado ao processo de engenharia planetária necessário para tornar um planeta mais parecido com a Terra e mais amigável à vida terrestre. De todos os mundos do Sistema Solar, o que mais perto estaria de passar por uma transformação assim é indiscutivelmente Marte.

Para que isso acontecesse, seria preciso aumentar a temperatura média e a pressão atmosférica marciana — são as duas ações que permitiriam a existência de água em estado líquido de forma estável na superfície, condição essencial para a vida como a conhecemos.

Hoje em dia, a pressão atmosférica de Marte é apenas um centésimo da terrestre, o que significa que, mesmo nos lugares em que a temperatura fica acima de zero grau Celsius (e há lugares em que isso acontece), a água passa direto de gelo a vapor, sem se manter em estado líquido. E, a despeito de haver temperaturas acima de zero (até uns 20 °C) sob o sol do meio-dia de verão marciano, na média o planeta vermelho é extremamente gélido, com temperaturas típicas ao redor de -55 °C. Marte faz as noites do inverno russo (-30 °C) parecerem um tórrido banho de Sol no Saara.

A solução, contudo, poderia ser relativamente simples: evaporar as calotas polares marcianas, que estão recheadas de CO2 (dióxido de carbono), e com isso adensar a atmosfera. O aumento da presença de gases-estufa não só faria subir a temperatura média do planeta como tornaria o ar marciano denso a ponto de permitir a presença de água em estado líquido na superfície.

Por incrível que pareça, sublimar as calotas não estaria além da nossa tecnologia. Até Elon Musk chegou a sugerir uma estratégia força-bruta para isso, detonando bombas atômicas sobre os polos marcianos, para aquecer o gelo na marra. Mas a questão-chave aí é: há CO2 suficiente congelado para operar esse truque a contento?

Foi basicamente essa conta que Jakosky e Edwards fizeram, e sua conclusão é de que não, não há CO2 suficiente. O que existe nas calotas, pelo menos do que temos alguma medida de certeza, serviria no máximo para triplicar a densidade da atmosfera marciana (que continuaria ainda muito rarefeita, com um trigésimo da pressão atmosférica terrestre) e elevar em menos de 10 °C a temperatura média do planeta. Longe de tornar Marte um potencial paraíso verdejante, portanto. E outras fontes de CO2 no planeta, como gás preso em minerais, por exemplo, dificilmente poderiam ser extraídas e depositadas na atmosfera.

“Como resultado, concluímos que terraformar Marte não é possível usando tecnologias presentes”, escrevem os pesquisadores em artigo publicado nesta segunda-feira (30), na Nature Astronomy.

O resultado é desanimador, mas o Mensageiro Sideral, se fosse você, ainda não descartaria totalmente a ideia de terraformação. A análise feita pelos pesquisadores reforça trabalhos anteriores, que já sugeriam que só derreter as calotas polares não basta. Mas conhecemos gases-estufa muito mais poderosos que o CO2, como por exemplo os clorofluorocarbonos (CFCs) e o perfluorocarbonos (PFCs). Aqui, esses gases chegaram a ter importante uso industrial no passado, mas foram banidos porque causam um bruta prejuízo à biosfera da Terra, desmanchando a camada de ozônio que protege a superfície dos raios UV solares. Em Marte, não haveria camada de ozônio com que se preocupar, de forma que o uso de CFC, pelo menos até descobrirmos como tornar a atmosfera respirável, não causaria mal nenhum. Seria o famoso caso do “ruim com ele, pior sem ele”.

Não por acaso, o astrobiólogo Chris McKay, do Centro Ames de Pesquisa da Nasa, já sugere há muitos anos que o caminho para terraformar Marte seria injetar altas doses de CFCs ou PFCs na atmosfera do planeta vermelho. Algo complicado, mas bem dentro do que seria tecnologicamente possível a médio e longo prazos.

Também é importante lembrar que Jakosky e Edwards tomam como terraformação um processo que tornasse Marte confortável para humanos e plantas. Caso ele se concretizasse, você poderia, digamos, andar livremente pela superfície do planeta sem traje pressurizado, apenas com uma máscara que fornecesse oxigênio.

Contudo, em muitos casos, fala-se em terraformação apenas como uma transformação que torne um mundo capaz de abrigar uma biosfera, ainda que mais limitada que a terrestre (e hostil a nós, criaturas exigentes em termos de requerimentos para a manutenção da vida). Nesse sentido, Jakosky admite que talvez o CO2 presente nas calotas polares já pudesse fazer o serviço, criando mais habitats para microrganismos em Marte do que os que existem hoje (o lago subglacial recém-descoberto pela Mars Express é um dos poucos).

Para quem quiser ir um cadinho mais fundo no assunto, confira a seguir um rápido papo que o Mensageiro Sideral teve com Jakosky a respeito desses novos resultados.

Mensageiro Sideral – Você menciona que mesmo que a pressão atmosférica ultrapassasse um pouco o ponto triplo da água, ela ainda seria instável na superfície e evaporaria depressa. Mas isso não aumentaria a concentração de vapor d’água na atmosfera e, mesmo que a maior parte dela acabasse nas calotas polares, não aumentaria a pressão atmosférica além do ponto que só o CO2 poderia fazer, assim como a quantidade de efeito estufa?

Bruce Jakosky – Este é um problema do que você pode fazer primeiro. A pressão de ponto triplo de H2O em seu ponto de derretimento (273 K) é de apenas 6 mbar, a mesma que a atual pressão de CO2 em Marte. A essa pressão, há muito pouco aquecimento por efeito estufa com H2O. Realmente, o CO2 é a chave para aumentar significativamente a pressão e a temperatura.

Mensageiro Sideral – Li muitos anos atrás a proposta do Dr. McKay de usar PFCs ou CFCs como gás-estufa para Marte, e fiquei surpreso de ver você descartá-lo em seu estudo. Afinal, não é inconcebível buscar estratégias de síntese usando flúor, cloro e hidrogênio disponíveis em Marte, ou mesmo despachá-los da Terra. (Seria um bocado dele, claro, mas terraformação nunca vai ser uma proposição modesta.) Considerando que seu estudo sugere que o CO2 local não poderia fazer o truque, não seria razoável investigar o que poderia ser feito com PFCs ou CFCs, e se isso poderia dar um empurrão final na direção de um Marte mais habitável?

Jakosky – Com certeza, gases como CFCs poderiam elevar a temperatura. Criar os CFCs em quantidade suficiente para ter um efeito significativo exigiria substancial capacidade industrial, bem acima das nossas atuais (especialmente considerando que ainda estamos por mandar uma pessoa sequer para Marte!). Em nosso estudo, estavamos investigando a possibilidade de terraformar Marte usando tecnologia atual, e isso realmente exige que mantenhamos o foco no CO2.

Mensageiro Sideral – Você trabalha com um conceito de terraformação focado em humanos e plantas. Mas e se quiséssemos apenas tornar Marte habitável para formas de vida mais simples, como um exercício de criação de uma segunda biosfera, ainda que limitada? Poderíamos fazer com a quantidade disponível de CO2? Se já há alguns possíveis habitats agora em Marte (como o lago subglacial recém-descoberto), suponho que até um aumento modesto de temperatura e pressão possa avançar bastante na criação de mais lugares onde bactérias — quem sabe metanógenos — poderiam viver…

Jakosky – Concordo com sua avaliação de que seria possível. Eu reservo o julgamento se isso seria ou não apropriado…

Mensageiro Sideral – Quão certos estamos da quantidade de gás emitida do interior do planeta? Fiquei surpreso de ver estimativas muito diferentes entre os seus resultados e os do Dr. Green, indicados em sua referência 38 [que propõe a criação de um campo magnético artificial para Marte como forma de interromper a perda da atmosfera e deixá-la se regenerar].

Jakosky – Estou ciente da análise do Dr. Green e já a discuti com ele. Acho que ele superestimou tanto a taxa de gás emitido no presente quanto a taxa de perda por conta do vento solar. A taxa de perda hoje é muito pequena, perto de apenas 2-3 kg/s de gás sendo removido para o espaço. Eliminar isso teria um efeito negligenciável na atmosfera até que muitos milhões de anos tenham se passado.

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Sonda europeia descobre lago de água líquida sob calota polar de Marte https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2018/07/25/sonda-europeia-descobre-lago-de-agua-liquida-sob-calota-polar-de-marte/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2018/07/25/sonda-europeia-descobre-lago-de-agua-liquida-sob-calota-polar-de-marte/#respond Wed, 25 Jul 2018 14:00:12 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2018/07/lago-calota-marte-1-320x213.jpg https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=7940 Após muitos anos de buscas, pesquisadores europeus encontraram evidências de um lago – água líquida – sob a calota polar sul de Marte.

Não é água no passado remoto marciano, não é água no passado recente, não é um filete de água na encosta de uma montanha; é um monte de água – um lago inteiro, com 20 km de largura – que está lá agora, agorinha mesmo, em estado líquido, em Marte.

É o equivalente marciano dos lagos que existem sob o gelo da Antártida, na Terra. E o interessante é que, pelo menos por aqui, esses ambientes – às vezes selados do contato com a atmosfera por muitos milhões de anos – estão recheados de formas de vida. Será que o mesmo acontece lá? A pergunta clama por uma resposta.

A descoberta foi feita com dados colhidos pela sonda europeia Mars Express. Um dos instrumentos embarcados nela é conhecido pela sigla Marsis. Trata-se de um sofisticado radar projetado por italianos e americanos, capaz de sondar o que há no subsolo do planeta vermelho.

A técnica é bastante conhecida aqui na Terra, e pesquisadores fazem todo tipo de observação com satélites para descobrir coisas no subsolo – desde lagos sob a calota polar antártica até petróleo.

Não é difícil entender como funciona. O satélite em órbita manda pulsos eletromagnéticos (em frequências de rádio) na direção do solo. A superfície, naturalmente, reflete boa parte deles de volta para o espaço, onde são captados pelo próprio satélite que os originou. O tempo de viagem (ida e volta) do pulso indica exatamente a distância entre o satélite e o chão.

Contudo, nem tudo é refletido da superfície. Boa parte do pulso original consegue penetrar mais profundamente, e vai ser refletida somente por camadas mais profundas do subsolo. O tempo que cada um dos ecos leva para voltar até o satélite, além de sua intensidade, revela a estrutura nos primeiros quilômetros de profundidade do planeta. É como obter uma radiografia de uma faixa de terreno.

LONGA BUSCA
A Mars Express está em órbita de Marte desde 2003, mas o Marsis, que para funcionar exigia a abertura de duas antenas de 20 metros de comprimento e uma de 7 metros, só começou a operar em 2005.

Os dados que permitiram a descoberta foram colhidos pela espaçonave entre maio de 2012 e  dezembro de 2015 – um total de 29 “perfis” de radar de uma região de cerca de 200 km de extensão em Planum Australe (o “plano austral”).

Numa área centrada nas coordenadas 193° Leste, 81° Sul (sim, a apenas 9 graus do pólo geográfico Sul marciano), o Marsis detectou um reflexo brilhante do radar vindo de uma profundidade de cerca de 1,5 km. Um sinal bastante familiar a quem já fez sondagens desse tipo na Antártida – um lago sob uma espessa camada de gelo, em plena calota polar Sul marciana.

A julgar pelos dados, o corpo d’água parecia ter cerca de 20 km de largura e pelo menos 1 metro de espessura (a profundidade é incerta, uma vez que o radar não consegue ir muito além, pois a água absorve o sinal todo).

Essa detecção era o primeiro passo para mostrar que, a exemplo da Terra, Marte também tem lagos subglaciais. Mas não seria o último.

Dados do radar Marsis revelam a camada de água sob o gelo, em azul. Abaixo, concepção artística da sonda Mars Express estudando o pólo de Marte. (Crédito: ESA/INAF)

ANALISANDO AS POSSIBILIDADES
O que parece óbvio na Terra deve ser tratado como duvidoso em Marte, por uma razão muito simples: não é tão fácil enviar alguém até lá (seja humano ou robô) para confirmar cada descoberta. E, bem ou mal, estamos falando de outro planeta, de forma que os cientistas que se arriscam a proclamar descobertas precisam avaliar à exaustão os dados e suas conclusões para se certificarem de que não há explicações alternativas escapando por entre os dedos.

Boa parte do trabalho da equipe liderada por Roberto Orosei, do Instituto Nacional de Astrofísica da Itália, em Bolonha, consistiu em demonstrar que provavelmente o sinal que se obteve em Marte é resultado do mesmo fenômeno que produz o mesmo sinal na Terra.

“Esta condição na Terra acontece somente quando você observa água subglacial como na Antártida, sobre lugares como o lago Vostok, e nós passamos um longo tempo debatendo se esse também era o caso em Marte”, conta Orosei. “Foi uma longa investigação, que exigiu muito esforço, mas depois de vários anos pudemos demonstrar que esse era o caso.”

Os detalhes técnicos saem na edição desta semana da revista científica americana Science e envolvem explicar como seria possível essa água estar em estado líquido em Marte. O que não é nada fácil.

O principal problema é que as regiões polares marcianas são ainda mais frias que as terrestres, de forma que é inviável que a água marciana detectada esteja acima de zero grau Celsius. Deve estar muito mais gelada que isso.

Uma pista para a resposta está em nossos oceanos. Neles, a presença de sais diluídos na água quebra um galho, e a água não congela a 0° C, e sim a -2° C. Mas o caso de Marte teria de ser bem mais extremo que isso.

“Os dados do radar nos dizem que esta água deve conter uma grande quantidade de sais”, explica Orosei. “Porque o gelo acima dela é muito transparente [ao radar], e isso não seria possível se ele estivesse muito quente, muito perto do ponto de derretimento.”

Os pesquisadores estimam que a água em contato com o gelo deve estar a pelo menos -10° C e possivelmente bem mais fria. Orosei fala em uns -30° C. E pode ser ainda pior: o limite extremo para a redução do ponto de congelamento da água pela dissolução de sais é de cerca de -60° C.

A aposta razoável é que haja uma grande presença de percloratos (substâncias já detectadas em solo na região polar sul de Marte, pela sonda Phoenix) diluídos na água, reduzindo seu ponto de congelamento de maneira extrema.

“Este certamente não é um ambiente muito confortável para a vida”, diz o pesquisador italiano.

OU É?
“O problema nessa história é o perclorato”, diz Douglas Galante, astrobiólogo do LNLS (Laboratório Nacional de Luz Síncrotron), em Campinas, que não participou do estudo europeu. “Água com perclorato não parece legal para microrganismos terrestres. Ou, pelo menos, era o que achávamos. Mas essa visão parece estar mudando.”

O pesquisador brasileiro cita dois trabalhos científicos recentes que relatam a descoberta de algumas espécies de microrganismos capazes de lidar com concentrações de perclorato compatíveis com as encontradas em Marte. “Então temos exemplos aqui na Terra de extremófilos percloratorresistentes, que poderiam servir como modelo de vida que poderia estar presente nesse lago subglacial marciano”, completa Galante.

Ou seja, a resposta provisória que temos sobre se poderia ou não haver vida em um ambiente assim é um intrigante “talvez”.

Seja como for, a descoberta é festejada pela comunidade dos astrobiólogos, ansiosos que estão por encontrar mais potenciais habitats espalhados pelo Sistema Solar e além.

“Encontrar um bolsão de água líquida próximo à superfície é uma excelente notícia para o programa de busca de vida em Marte”, arremata o pesquisador brasileiro.

Infelizmente, ainda está além das tecnologias atuais das agências espaciais enviar uma sonda capaz de perfurar 1,5 km de gelo para explorar um lago marciano como esse. Mas o futuro transborda possibilidades.

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Marte já teve química orgânica complexa essencial à vida, revela jipe da Nasa https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2018/06/07/marte-ja-teve-quimica-organica-complexa-essencial-a-vida-revela-curiosity-nasa/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2018/06/07/marte-ja-teve-quimica-organica-complexa-essencial-a-vida-revela-curiosity-nasa/#respond Thu, 07 Jun 2018 18:00:47 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2018/06/curiosity-320x213.jpg http://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=7784 Já sabemos há algum tempo que Marte, em seu passado remoto, foi habitável — ou seja, tinha a capacidade de preservar água em estado líquido na superfície. Agora, graças ao jipe Curiosity, sabemos que ele tinha, na mesma época, os ingredientes necessários para a vida — moléculas orgânicas complexas.

Ao analisar amostras colhidas na cratera Gale com idade de cerca de 3 bilhões de anos, o robô da Nasa estabeleceu de forma conclusiva que havia abundância de compostos orgânicos no planeta. Com efeito, os resultados sugerem um conteúdo orgânico comparável ao de rochas sedimentares ricas nessas substâncias aqui da Terra.

Ninguém está dizendo que houve vida em Marte, claro. Mas saber que os ingredientes estavam lá — água e moléculas orgânicas — é um passo importantíssimo em busca dessa resposta. Tanto que o principal objetivo do Curiosity, assim que chegou a Marte, em 2012, era achar esses benditos compostos. E a busca não foi nada fácil.

Nas tentativas iniciais de detecção, nos primeiros cem dias da missão, a melhor definição para o resultado seria “fracasso”. A quantidade de compostos orgânicos simples era tão pequena que não se podia descartar contaminação da Terra enviada dentro do jipe ou mesmo que a fonte dessas substâncias fossem asteroides a colidir com Marte.

A ausência de compostos orgânicos no planeta vermelho era uma grande surpresa. Afinal, essas moléculas de carbono parecem estar em toda parte no espaço — em asteroides, cometas, planetas, luas e até nebulosas. Por que Marte seria estranhamente empobrecido nelas?

Ocorre que a superfície marciana hoje é bem hostil a moléculas orgânicas. Raios ultravioletas do Sol encontram pouca filtragem na tênue atmosfera daquele mundo, quebrando com facilidade moléculas orgânicas maiores. E, para completar, o solo é rico em percloratos. São moléculas sem graça feitas de oxigênio e cloro, mas que, quando suficientemente aquecidas, se quebram e destroem qualquer molécula orgânica maior que esteja por perto.

Calor não é lá um grande problema em Marte. Mas é um grande problema quando o método de detecção de moléculas orgânicas do seu jipe envolve aquecer a amostra centenas de graus Celsius para ver que moléculas evaporam por lá. Você já começa com quase nada, graças ao ambiente hostil de Marte, e o que ainda restava é destruído pelos percloratos assim que você aquece a amostra. Voilà: uma grande decepção.

A equipe do Curiosity, no entanto, perseverou, procurando rochas mais adequadas para a busca. No fim de 2014, eles anunciaram um grande avanço: uma das amostras recolhidas mostrava uma quantidade de moléculas orgânicas simples tal que se podia descartar qualquer contaminação. Era química orgânica para valer no passado marciano.

Ainda assim, eram moléculas bem pequenas e com cloro, o que indicava uma formação em interação com perclorato. Nada do que seria necessário para a vida ou que indicasse a natureza das moléculas originais que forneceram o carbono. A hipótese de trabalho era a de que, na origem, havia moléculas orgânicas mais complexas, que no entanto foram destruídas por percloratos e tiveram seus átomos recombinados nos compostos simples detectados.

Quase quatro anos depois, chega a resposta definitiva: analisando amostras ainda melhores, e se concentrando apenas nos gases evaporados delas a temperaturas bem altas (assim descartando o que pudesse ser ação de percloratos ou qualquer outro contaminante vindo da Terra), os pesquisadores encontraram moléculas orgânicas relativamente grandes e que continham enxofre — um sintoma de que provavelmente compunham cadeias de moléculas ainda maiores. O proverbial filé orgânico marciano. E tudo isso em perfurações de apenas 5 cm de profundidade em rochas.

O artigo científico reportando a descoberta, que tem como primeira autora Jennifer L. Eigenbrode, da Nasa, sai na edição desta sexta-feira (8) da revista Science. E, na mesma publicação, um segundo artigo relata outra fascinante descoberta feita pelo Curiosity em Marte.

A TEMPORADA DO METANO
Sim, é mais química orgânica. Desta vez na atmosfera. Além de procurar compostos complexos em rochas, o Curiosity tinha como uma de suas metas primordiais fazer a primeira detecção de gás metano na atmosfera, estando ele envolto nela. Resultados anteriores obtidos por telescópios e missões orbitais sugeriam a presença de uma quantidade significativa dele, ainda que medido em partes por bilhão. De novo, foi uma batalha. No início, o Curiosity detectou quantidades tão baixas que esbarravam no limite de precisão do equipamento.

Os pesquisadores então começaram a trabalhar num novo método para diminuir a margem de erro, “enriquecendo” a amostra da atmosfera em metano antes de tomar a medição. E ajudou o fato de que, em 2013, o jipe foi engolfado por uma pluma de metano emanando do solo, que fez saltar a detecção de 0,69 parte por bilhão para 7,2 partes por bilhão.

Certo, mas por que essa neura com metano? São dois os motivos: primeiro, trata-se de uma molécula que não dura muito na atmosfera, sendo logo destruída. O que significa que, se ela existe no ar marciano, mesmo em quantidades pentelhesimais, algo está constantemente lançando mais dela na atmosfera.

E o segundo motivo é ainda mais interessante: ao menos na Terra, a imensa maioria do metano atmosférico é produzido por formas de vida. Pois é. Manja a sua flora intestinal? De vez em quando ela te força a lançar uma pluma de metano no ar que, em Marte, deixaria os cientistas num frenesi nerd.

Por outro lado, há outros meios de gerar metano que não envolvem vida, como um processo químico conhecido como serpentinização. Afinal, o que gera as plumas de metano em Marte?

Desde essa detecção inicial em 2013 os cientistas responsáveis pelo Curiosity permaneceram tomando medidas periódicas do metano na atmosfera. E agora, com dados colhidos ao longo de quase cinco anos (terrestres, três marcianos), eles encontraram uma pista intrigante: a emissão de metano é sazonal.

Os dados revelam que, noves fora os picos gerados por plumas repentinas locais, a quantidade média de metano na baixa atmosfera flutua entre 0,24 e 0,65 parte por bilhão. O pico se dá próximo ao fim do verão no hemisfério norte marciano (inverno no sul). O jipe em si está na região equatorial do planeta, apenas 4,5 graus Sul.

Gráfico mostra o padrão sazonal do metano em Marte. (Crédito: Nasa)

Com esse resultado, os pesquisadores podem descartar várias possíveis fontes para o metano que não apresentariam esse padrão. A aposta deles é que haja grandes quantidades do gás presas no subsolo marciano no interior de cristais baseados em água chamados de clatratos. Para eles, as mudanças sazonais de temperatura poderiam explicar as flutuações na liberação do gás observadas pelo jipe.

Ainda resta a pergunta mais importante: o que teria produzido o metano aprisionado nesses clatratos? Pode ser vida, pode ser outro processo abiótico. A resposta terá de esperar — talvez por novos resultados, mais provavelmente por novas missões. Com efeito, o Trace Gas Orbiter, da ESA (Agência Espacial Europeia), acabou de começar sua missão científica em órbita marciana, e seu objetivo é estudar a distribuição e os padrões de emissão do metano em escala global. Ele poderá corroborar ou colocar em dúvida os atuais resultados do Curiosity, mas certamente agregará mais peças ao quebra-cabeça.

O artigo reportando a sazonalidade do metano em Marte tem como primeiro autor Christopher Webster, também da Nasa, e sai ao lado do texto de Eigenbrode, nesta sexta.

“Ambos os resultados são avanços revolucionários para a astrobiologia”, avalia Inge Loes ten Kate, pesquisadora da Universidade de Utrecht que não participou das pesquisas, mas escreveu um artigo de comentário para a Science.

“A detecção de moléculas orgânicas e metano em Marte tem vastas implicações à luz de potencial vida passada marciana. O Curiosity mostrou que a cratera Gale foi habitável há 3,5 bilhões de anos, com condições comparáveis às da Terra primitiva, onde a vida evoluiu mais ou menos na mesma época. A questão de se a vida pode ter se originado ou existido em Marte é muito mais oportuna agora que sabemos que moléculas orgânicas estavam presentes na superfície naquela época.”

Em 2020, tanto europeus quanto americanos prometem enviar jipes capazes de dar o próximo passo e procurar evidências diretas de vida marciana. Não saia daí.

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Nasa vai mandar helicóptero para Marte https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2018/05/14/nasa-vai-mandar-helicoptero-para-marte/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2018/05/14/nasa-vai-mandar-helicoptero-para-marte/#respond Mon, 14 May 2018 05:00:45 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2018/05/mars-helicopter-320x213.jpg http://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=7686 A Nasa decidiu tentar enviar um mini-helicóptero para Marte em 2020. O anúncio foi feito na última sexta-feira (11), e, caso tudo dê certo, ele será o primeiro veículo desse tipo a voar em outro mundo.

O pequeno dispositivo é classificado pela agência como um projeto de “alto risco, altas recompensas”. Resumindo: tem grandes chances de não funcionar, mas, se funcionar, pode produzir resultados espetaculares e ter grande impacto no futuro da exploração marciana.

O Mars Helicopter viajará para Marte junto com o jipe robótico Mars 2020, com lançamento marcado para julho de 2020 e pouso em fevereiro de 2021.

O drone deve fazer uma missão-teste de 30 dias cujo objetivo é demonstrar a viabilidade do uso de veículos mais pesados que o ar para varrer terrenos mais amplos e ajudar no planejamento das missões de futuros jipes robóticos, antecipando rotas e percursos com base em critérios científicos e técnicos. Estima-se que um mini-helicóptero possa ampliar em até três vezes o quanto um jipe pode avançar por sol (dia marciano).

Contudo, voar com hélices em Marte não é trivial, uma vez que a atmosfera marciana é extremamente rarefeita, comparável a um centésimo da terrestre ao nível do mar. Isso dificulta muito a geração de sustentação. Em compensação, a gravidade de Marte também é menor, 40% da terrestre, o que facilita a ascensão.

O helicóptero consiste em um cubo de 14 cm de largura com câmera, painéis solares, bateria e uma fonte de calor para preservar a eletrônica durante as noites marcianas, quando a temperatura mergulha para -90° C. As hélices em si terão um diâmetro de 1,1 metro, e todo o controle do voo, entre decolagem, travessias e pousos, terá de ser feito por inteligência artificial — a distância entre Marte e o controle da missão na Terra impede pilotagem remota em tempo real.

O projeto vem desde 2013 e recebeu US$ 23 milhões em 2018 para prosseguir seu desenvolvimento até o lançamento. E a Nasa enfatiza que trata-se apenas de um bônus da missão Mars 2020 — o jipe robótico não depende dos voos bem-sucedidos de seu acompanhante helicóptero para realizar seus estudos.

O rover, com custo total estimado em US$ 2,1 bilhões, é fortemente baseado no Curiosity, jipe que opera em Marte desde 2012. Entre suas atribuições, o Mars 2020 deve buscar sinais fósseis de vida no planeta vermelho, testar uma tecnologia para fabricar oxigênio a partir do dióxido de carbono da atmosfera e fazer a primeira coleta de amostras marcianas para futuro transporte de volta à Terra.

BÔNUS 1: Nasa faz anúncio relevante na busca por vida em Europa
A agência espacial americana fará um bate-papo científico às 14h (de Brasília) desta segunda-feira (14) para discutir novidades referentes a Europa, lua-oceano de Júpiter que consiste num dos principais locais para busca por vida extraterrestre dentro do Sistema Solar. Acompanhe ao vivo com tradução simultânea do Mensageiro Sideral.

BÔNUS 2: Façamos um brinde à ciência e a Stephen Hawking
Para quem gosta de conversa de bar da melhor qualidade, começa nesta segunda-feira (14) mais uma edição do Festival Pint of Science, um grande evento que acontece no Brasil inteiro promovendo uma das misturas mais interessantes que existem: cerveja e ciência.

Estarei no Café Journal, em São Paulo, a partir das 19h30, para fazer uma breve apresentação sobre o físico Stephen Hawking, em meio a outros dois craques do jornalismo de ciência. André Jorge de Oliveira, da revista Galileu, falará do futuro da exploração espacial, e Juliana Duarte, do ICB-USP, abordará o trabalho de divulgação científica dentro da universidade. Também teremos um debate. O Café Journal fica na Alameda dos Anapurus, 1121, em Moema, e, para quem quiser ir, aparentemente é necessário fazer reserva de mesas. Liga lá e apareça: (11) 5055-9454.

Mais informações sobre o Festival Pint of Science aqui.

A coluna “Astronomia” é publicada às segundas-feiras, na Folha Corrida.

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Sonda InSight está a caminho de Marte https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2018/05/05/sonda-insight-esta-a-caminho-de-marte/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2018/05/05/sonda-insight-esta-a-caminho-de-marte/#respond Sat, 05 May 2018 13:32:25 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2018/05/insight-4-320x213.jpg http://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=7673 O lançamento da sonda InSight foi bem-sucedido, e a espaçonave da Nasa já está a caminho de Marte, onde deve tentar realizar um pouso em novembro, para estudar a estrutura interna do planeta vermelho.

O foguete Atlas V-401 teve desempenho exemplar, a despeito de alguns alertas de anomalias de telemetria poucos minutos antes da decolagem. O voo começou exatamente na abertura da janela, às 8h05 (de Brasília) do sábado (5). Após cerca de 60 minutos numa órbita terrestre baixa, o motor do segundo estágio colocou a sonda em sua trajetória interplanetária.

Foi um voo histórico: o primeiro lançamento de uma sonda interplanetária da Nasa a partir da Base Aérea de Vandenberg, na Califórnia. Até então, todos os lançamentos do tipo haviam sido feitos da Flórida, local mais propício para esse perfil de missão.

VEJA COMO FOI

A opção por Vandenberg foi logística — havia menos disponibilidade na plataforma para cobrir os pouco mais de dois meses da janela de lançamento para Marte, que ia de 5 de maio a 8 de junho.

Ao longo dos próximos seis meses, a InSight deve fazer uma série de pequenas correções de curso para chegar a seu destino final, em Elysium Planitia, na região equatorial de Marte.

A missão desta vez não envolve um jipe robótico, mas um módulo de pouso estacionário, que colocará diversos instrumentos na superfície de Marte. Um sismômetro medirá “martemotos” — terremotos marcianos — e com isso será capaz de investigar a estrutura interna do planeta vermelho.

Uma perfuratriz fará uma penetração a até 5 metros de profundidade para medir quanto calor ainda flui do interior de Marte para a superfície. Câmeras ajudarão a medir oscilações no eixo de rotação marciano ao longo de sua órbita em torno do Sol.

Por fim, uma estação meteorológica medirá ventos e temperatura na atmosfera marciana no local de pouso.

Tudo isso, claro, se o pouso for bem-sucedido.

HERANÇA TECNOLÓGICA
A espaçonave em si é fortemente baseada na Phoenix, módulo de pouso que desceu próximo ao polo Norte de Marte em 2008. “Algumas das peças inclusive foram reaproveitadas daquela missão”, diz Ramon de Paula, engenheiro brasileiro que trabalha no Quartel-General da Nasa como executivo de programa da missão.

Apesar dessa similaridade, pousar em Marte é sempre difícil, e o fato de ter dado certo em 2008 não quer dizer que vá sair tudo bem agora. “A probabilidade de sucesso é a mesma da que tinha a Phoenix, porque há outros fatores em jogo.”

Com efeito, enquanto a Phoenix desceu proximo a um polo, a InSight vai para uma região colada ao equador marciano, em Elysium Planitia. A nova nave é um pouco mais pesada, vem em velocidade maior e terá menos atmosfera para ajudar na frenagem com para-quedas, uma vez que a área de pouso da InSight tem altitude cerca de 1.500 metros maior que a da Phoenix.

Apesar dos desafios, há grande confiança de que a missão será bem-sucedida. “As estimativas são da ordem de 99,8%, 99,9%”, diz De Paula.

Para monitorar a descida, dois minissatélites, MarCO A e B, foram lançados junto com a InSight. Além de tentar captar o sinal da InSight durante o pouso e retransmiti-lo para a Terra, a dupla testará a tecnologia de cubesats de baixo custo para missões interplanetárias.

O custo total da missão é de US$ 829 milhões.

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