Mensageiro Sideral https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br De onde viemos, onde estamos e para onde vamos Sat, 04 Dec 2021 19:09:39 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Astronomia: Viagem à nebulosa de Órion https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2018/01/15/astronomia-viagem-a-nebulosa-de-orion/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2018/01/15/astronomia-viagem-a-nebulosa-de-orion/#comments Mon, 15 Jan 2018 04:00:42 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2018/01/nebula-orion-nasa-180x101.jpg http://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=7294 Imagens dos telescópios Hubble e Spitzer ajudam a criar viagem 3D pela nebulosa de Órion.

ARTE E CIÊNCIA
A nebulosa de Órion é uma das figurinhas mais fáceis do céu. A olho nu, ela parece apenas uma estrela, próxima às famosas Três Marias. Ao telescópio, é um espetáculo de cores — um berçário estelar de 2 milhões de anos, localizado a 1.350 anos-luz daqui. E agora astrônomos e artistas da Nasa se reuniram para nos propiciar uma visita a um dos lugares mais maravilhosos de nossa vizinhança cósmica.

HUBBLE E SPITZER
A renderização 3D da nebulosa é baseada em observações feitas pelos telescópios espaciais Hubble e Spitzer. O Hubble, com seus filtros em luz visível, revela a visão aproximada de nossos próprios olhos, caso estivessem lá.

INVISÍVEL
Já o Spitzer se concentra em colher luz que é invisível aos nossos olhos, infravermelha — a mesma que sai do controle da TV. Ela revela os segredos da nebulosa em meio a seu ambiente empoeirado, onde estrelas e sistemas planetários inteiros estão sendo gestados.

LONGA VIAGEM
Uma viagem até a nebulosa de Órion é improvável; tal jornada, mesmo próximo à velocidade da luz, levaria mais de mil anos. E, com tecnologias atuais, mude o número para milhões. Mas, graças ao olhar afiado dos telescópios espaciais e ao poder da computação gráfica, podemos visitá-la virtualmente.

ESTRELAS NASCENTES
Num espaço de apenas 24 anos-luz de diâmetro, mais de 700 estrelas individuais já foram identificadas, e outras ainda estão por nascer em meio ao gás. A forte emissão de luz ultravioleta das estrelas maiores escavou uma espécie de bacia na nebulosa. Ao redor dessas estrelas, o Hubble já conseguiu identificar vários discos protoplanetários — planetas como a Terra decerto estão nascendo lá agora.

MORTE E VIDA
E assim caminha o Universo, em seu ciclo contínuo de criação e destruição. Conforme as estrelas vão nascendo, interações gravitacionais ao longo de milhões de anos acabam as expulsando do aglomerado, até dissipá-lo. Esses astros então terão suas órbitas individuais na Via Láctea, longe de seu berço, da mesma forma que provavelmente ocorreu ao Sol e sua família de planetas, há bilhões de anos.

A coluna “Astronomia” é publicada às segundas-feiras, na Folha Ilustrada.

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Astronomia: A estrela que desapareceu https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2017/05/29/astronomia-a-estrela-que-desapareceu/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2017/05/29/astronomia-a-estrela-que-desapareceu/#comments Mon, 29 May 2017 05:00:43 +0000 https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/files/2017/05/collapsingst-180x120.jpg http://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=6428 Cientistas testemunham estrela virar buraco negro e sumir, sem explodir como supernova.

JANELA INDISCRETA
Descobrir supernovas nunca foi trabalho duro. Afinal, essas imensas explosões cósmicas de estrelas de alta massa que esgotaram seu combustível interno são tudo, menos discretas. As detonações cataclísmicas chegam a brilhar mais que a soma de todas as estrelas em uma galáxia.

MORTE VIOLENTA
Essa é a forma de morte esperada para astros bem maiores que o Sol. Em sua fase final, conforme a capacidade de gerar energia vai se esvaindo, eles incham e se tornam estrelas gigantes vermelhas. Ao fim do processo, não há mais como contrabalançar a gravidade, e o núcleo estelar é esmagado. Num efeito rebote, as camadas exteriores são expelidas. Faça-se a luz.

VARIANTE SUTIL
Os astrônomos há tempos desconfiam, contudo, que algumas dessas estrelas podem passar pelo processo de implosão sem chegar a gerar uma supernova. Elas teriam um sutil aumento de brilho e, em seguida, entrariam em colapso, virando um buraco negro. Agora, uma equipe da Universidade Estadual de Ohio anunciou ter, pela primeira vez, conclusivamente testemunhado o fenômeno.

CADÊ A ESTRELA?
Imagens do Telescópio Espacial Hubble produzidas em 2007 revelavam uma gigante vermelha, com 25 vezes a massa do Sol, na galáxia espiral NGC 6946, a 22 milhões de anos-luz daqui. Mas, em 2015, observações feitas com o Large Binocular Telescope, no Arizona, indicaram que ela desapareceu. Uma nova imagem feita pelo Hubble confirmou o sumiço, e observações com o satélite Spitzer, em infravermelho, apontaram a mesma coisa. Ali, diante dos telescópios, uma estrela morreu, e um buraco negro nasceu, sem supernova.

AH, BOM
O achado ajuda a explicar por que a taxa de formação de estrelas de alta massa parece ser maior que a de supernovas. Segundo o grupo de Ohio, até 30% das estrelas podem morrer sem explosão. A descoberta também é consistente com as recentes detecções de ondas gravitacionais da colisão de buracos negros com 30 massas solares — objetos grandes demais para terem nascido só com o que restou de uma supernova.

A coluna “Astronomia” é publicada às segundas-feiras, na Folha Ilustrada.

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A galáxia mais distante já vista https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2015/05/13/a-galaxia-mais-distante-ja-vista/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2015/05/13/a-galaxia-mais-distante-ja-vista/#comments Wed, 13 May 2015 08:57:21 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=3364 Novo recorde na astronomia: um grupo internacional de pesquisadores anunciou a descoberta da galáxia mais distante já vista até agora. A luz detectada pelos telescópios partiu dela quando o Universo tinha apenas cerca de 5% de sua idade atual, mais de 13 bilhões de anos atrás. O achado representa uma janela para a investigação da turbulenta adolescência cósmica — o que, convenhamos, é um grande feito. Todo mundo sabe que adolescentes nunca gostam de ser espionados.

Imagem do Telescópio Espacial Hubble detecta luz de galáxia formada mais de 13 bilhões de anos atrás.
Imagens do Telescópio Espacial Hubble detectam luz da galáxia mais distante já vista (seta indica a posição, zoom no destaque), formada mais de 13 bilhões de anos atrás. (Crédito: Nasa/ESA)

A galáxia EGS-zs8-1, como foi batizada pelos cientistas, é particularmente surpreendente, porque, apesar de ser uma das primeiras da história do Universo (ao menos que tenhamos conseguido ver até agora), ela já é bem parrudinha — os pesquisadores liderados por Pascal Oesch, da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, estimam que ela tenha cerca de 15% da massa da nossa Via Láctea.

A detecção original foi feita combinando dados dos telescópios espaciais Hubble e Spitzer, e a observação subsequente que permitiu a estimativa da distância (e da idade) foi conduzida com o telescópio Keck I, no Havaí. Os resultados acabam de ser publicados no periódico “Astrophysical Journal Letters”.


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DE VOLTA AO COMEÇO
É uma coisa que encanta tanto quanto choca, mas observar as profundezas do cosmos equivale a comprar um bilhete para uma viagem ao passado. Como a luz viaja a uma velocidade enorme, mas ainda assim limitada, sua travessia de enormes distâncias no espaço não é instantânea. A luz dessa galáxia longínqua que agora chega aos nossos telescópios partiu de lá quando o Universo tinha “apenas” 650 milhões de anos — hoje ele tem 13,8 bilhões de anos.

E como sabemos há quanto tempo a luz está em trânsito? Acontece que, enquanto ela viaja pelo espaço, o próprio espaço está se esticando — um efeito da expansão iniciada pelo Big Bang. E aí isso faz com que a própria onda de luz se estique durante o caminho, alterando sua frequência. Em outras palavras, a luz vai ficando mais avermelhada. A medição precisa desse “desvio para o vermelho” (ou redshift, em inglês) é o que permite calcular quanto espaço a luz de fato atravessou.

No caso em questão (redshift = 7,73, para os entendidos), a luz da galáxia EGS-zs8-1 (como foi batizada pelos astrônomos) viajou por cerca de 13,1 bilhões de anos, mas a galáxia a essa altura está a uma distância bem maior que 13,1 bilhões de anos-luz, pois regiões do espaço que estavam mais comprimidas na época em que a luz começou sua jornada hoje já se esticaram bem mais. Resultado: EGS-zs8-1 deve estar atualmente a quase 30 bilhões de anos-luz da Terra.

A análise da luz permitiu estimar não só o porte da galáxia, comparado ao da Via Láctea, como também deu margem a um cálculo do ritmo de formação estelar nela. E ele é cerca de 80 vezes maior do que o visto na nossa galáxia hoje.

PUBERDADE CÓSMICA
Trata-se de mais um estudo que ajuda a consolidar a noção de que o Universo teve uma adolescência tardia, rápida e furiosa, atingindo um alto grau de maturidade já em seu primeiro bilhão de anos de existência. Decerto, naquela galáxia, mais de 13 bilhões de anos atrás, havia um grande número de estrelas e um enriquecimento razoável das nebulosas com elementos químicos pesados — por meio de supernovas — para viabilizar a existência de todos os ingredientes necessários à vida. Ao que tudo indica, somos recém-chegados a uma festa que já está rolando há muito, muito tempo.

Os pesquisadores estão encantados com o acesso cada vez maior, por meio de instrumentos mais sofisticados, desse período crucial da “puberdade” cósmica, a chamada era da reionização, em que as galáxias já começavam a se tornar grandonas, mas se comportavam de maneira bem diferente de suas versões maduras, produzindo estrelas em ritmo furioso. A expectativa deles é que novos recordes de distância (e idade) sejam batidos nos próximos anos, sobretudo quando o Telescópio Espacial James Webb, rotulado pela Nasa como o sucessor do Hubble, for ao espaço, em 2018.

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No caminho para achar a “Terra 2.0” https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2014/09/25/no-caminho-para-achar-a-terra-2-0/ https://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/2014/09/25/no-caminho-para-achar-a-terra-2-0/#comments Thu, 25 Sep 2014 08:48:14 +0000 //f.i.uol.com.br/hunting/folha/1/common/logo-folha-facebook-share.jpg http://mensageirosideral.blogfolha.uol.com.br/?p=2316 Ainda pode demorar um bom tempo, mas estamos no caminho para descobrir a cobiçada “Terra 2.0”. É o que afirma o astrônomo Jonathan Fraine, da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, responsável pela primeira detecção de vapor d’água na atmosfera de um planeta de porte relativamente pequeno fora do Sistema Solar.

Está aberta a temporada de caça à Terra 2.0. Quando a encontraremos?
Está aberta a temporada de caça à Terra 2.0. Quando a encontraremos?

O achado, divulgado ontem e publicado na última edição da revista científica britânica “Nature”, é mais um degrau na escalada que envolve passarmos da simples descoberta de mundos extra-solares para sua caracterização detalhada. “Terra 2.0”, claro, é um apelido que se dá a um planeta que reúna praticamente as mesmas condições que o nosso, em termos de dimensões, composição e temperatura.

Menos de duas semanas atrás, outro grupo de astrônomos havia anunciado outro resultado importante nessa busca, ao detectar nuvens de água num objeto similar a um planeta gigante gasoso, maior do que Júpiter. O achado de Fraine e seus colegas dá um passo adiante, ao fazer a detecção num planeta do tamanho aproximado de Netuno — intermediário entre Júpiter e a Terra. E usa uma tecnologia que, ao menos em tese, poderia permitir a detecção de vapor d’água na atmosfera de um planeta rochoso, como o nosso, ainda que um pouco maior.

“A habilidade de estudar as atmosferas de superterras já está ao nosso alcance”, destaca Fraine, em entrevista ao Mensageiro Sideral. A técnica consiste em analisar a luz que vem da estrela-mãe e passa de raspão pelas bordas do planeta antes de chegar até nós, carregando consigo a “assinatura” de compostos químicos que tenha encontrado pelo caminho.

Nesse primeiro momento, por uma questão de facilidade de observação, os astrônomos devem se concentrar na caracterização de planetas mais quentes que a Terra. São inabitáveis, mas já nos darão pistas importantes de como são compostas de fato as tais superterras — planetas maiores que o nosso, mas menores que Netuno, que não têm nenhum exemplar similar em nosso Sistema Solar.

Com o avançar das técnicas e a chegada de novos instrumentos, o estudo de planetas na zona habitável de outras estrelas — a região do sistema em que a superfície planetária recebe a quantidade certa de radiação para ter água em estado líquido — será possível. Para esses mundos, encontrar vapor d’água na atmosfera será como determinar que se trata de um planeta provavelmente amigável à vida.

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Na entrevista, Fraine nos conta de particularidades de sua mais recente descoberta, que só foi possível graças à combinação de observações de três telescópios espaciais e pela sorte de o tal planeta, designado HAT-P-11b, ser livre de nuvens na alta atmosfera.

Concepção artística do planeta HAT-P-11b. Ao passar à frente da estrela, ele permite o estudo de sua atmosfera.
Concepção artística do planeta HAT-P-11b. Ao passar à frente da estrela, ele permite o estudo de sua atmosfera.

Localizado a 122 anos-luz da Terra, ele gira em torno de uma estrela similar ao Sol, mas com quantidade bem maior de elementos pesados em sua composição — um fator que os astrônomos chamam genericamente de “metalicidade” e que pode ter consequências importantes para a formação e a configuração final desses planetas.

O pesquisador, que ainda está por terminar seu doutorado, também revela seu envolvimento em um grande levantamento que pretende investigar a atmosfera de dúzias de exoplanetas em uma tacada só. E fala sobre o que podemos esperar dos futuros telescópios e observatórios na busca pela Terra 2.0. Confira a seguir a conversa que ele teve com o Mensageiro Sideral.

***

Mensageiro Sideral – O fato de que vocês tiveram de usar o Hubble, o Spitzer e o Kepler ao mesmo tempo para fazer essa descoberta mostra como é difícil obter informações espectrais precisas da atmosfera de um exoplaneta. Quão severamente isso limita nossa capacidade atual de caracterizar esses mundos, e como isso vai melhorar com a próxima geração de telescópios em terra e no espaço?

Astrônomo Jonathan Fraine, da Universidade de Maryland, nos EUA.
Astrônomo Jonathan Fraine, da Universidade de Maryland, nos EUA.

Jonathan Fraine – Grande parte do tempo destinado à pesquisa científica é gasto considerando todas as explicações alternativas para os sinais que estamos medindo. Para nossa descoberta, usamos os telescópios espaciais Kepler, Hubble e Spitzer por duas razões importantes e independentes. A primeira, claro, foi medir o espectro mais completo que pudéssemos ter, do óptico ao infravermelho. Especificamente para o vapor d’água, usamos a Câmera de Campo Largo 3 (WFC3) do Hubble para determinar a abundância de água na atmosfera do HAT-P-11b. Mas ainda era possível que a água que estivéssemos detectando não fosse do planeta, mas estivesse localizada em manchas estelares da estrela-mãe; água já foi detectada nas manchas solares da nossa estrela-mãe. Ao combinar medições simultâneas do Kepler e do Spitzer, determinamos que as manchas estelares eram de fato muito quentes para sustentar vapor d’água, e pudemos confirmar que a água que detectamos estava mesmo na atmosfera exoplanetária.

A próxima geração de grandes telescópios irá definitivamente melhorar nossa compreensão do Universo, da cosmologia aos exoplanetas, buracos negros e nosso próprio Sistema Solar. Mas eles vão precisar de outras observações de apoio também. Nosso trabalho com o HAT-P-11b reflete o valor de observações simultâneas e em vários comprimentos de onda para sermos capazes de distinguir entre propriedades planetárias e propriedades estelares.

Mensageiro Sideral – Seria possível obter agora resultados similares aos que vocês conseguiram para planetas do tamanho da Terra ou de superterras, ou estamos limitados à classe dos mundos do tamanho de Netuno no momento?

Fraine – A habilidade de estudar as atmosferas de superterras já está ao nosso alcance. Temos a tecnologia, a WFC3 do Hubble, e já a usamos; infelizmente, a física entrou no nosso caminho. Inesperadas nuvens de grande altitude são mantidas pelas propriedades químicas e dinâmicas de suas atmosferas. Os exoplanetas GJ 1214b e HD 97658b, ambos superterras, foram observados tanto com a WFC3 como com o Spitzer, mas ambos não tiveram detecções moleculares. O cenário mais provável é que as nuvens na alta atmosfera estejam bloqueando ou espalhando toda a luz para longe dos nossos detectores. Isso significa que não podemos confirmar nada sobre a composição desses planetas diretamente, mas podemos indiretamente concluir que nuvens estão obscurecendo a atmosfera que existe embaixo delas.

A descoberta mais significativa da nossa pesquisa é na verdade que encontramos uma atmosfera limpa num exoplaneta pequeno. Antes do nosso resultado, os outros quatro planetas (superterras e Netunos) que observamos com o Hubble todos tinham nuvens em sua alta atmosfera. A comunidade começou a inferir que todos os exoplanetas pequenos e quentes se formavam de maneira a produzir essas nuvens. Se essa inferência fosse verdadeira, então não teríamos sido capazes de usar espectroscopia de transmissão — a técnica que usamos no HAT-P-11b — para determinar as abundâncias moleculares de pequenos exoplanetas. Mas agora que de fato descobrimos uma atmosfera limpa em um exoplaneta pequeno, passa a ser um jogo de estatística. Minha equipe está atualmente buscando essas estatísticas. Nós e outros grupos estamos aí fora procurando céus claros em outros planetas, tentando entender onde e como as nuvens se formam, assim como qual é a diversidade de composições para os exoplanetas pequenos e grandes. Os exoplanetas dão contexto à nossa própria existência, mas primeiro temos de colocar contexto estatístico nessa nossa descoberta em particular.

Um exoplaneta nublado em comparação com o HAT-P-11b, que tem céus livres e permite o estudo de sua atmosfera.
Um exoplaneta nublado em comparação com o HAT-P-11b, que tem céus livres e permite o estudo de sua atmosfera.

Mensageiro Sideral – Detectar vapor d’água em um exoplaneta é uma perspectiva empolgante, já que água é tão essencial à vida. Mas é uma coisa achá-la num Netuno quente e outra encontrá-la numa Terra temperada, um planeta como o nosso, certo? Haveria alguma diferença técnica, em termos de traços espectrais, entre detectar vapor d’água como parte de um ciclo hidrológico ou simplesmente como vapor na alta atmosfera?

Fraine – Você está precisamente correto. O HAT-P-11b não é um mundo habitável segundo nosso entendimento. Mas a técnica que nós usamos, espectroscopia de transmissão, pode de fato ser usada para estudar planetas menores, possivelmente do tamanho da Terra. No entanto, para colocar isso em contexto, a atmosfera do HAT-P-11b é cerca de 25% vapor d’água, e a atmosfera da Terra é cerca de 1% vapor d’água (e isso varia de acordo com a umidade local). Então a busca pela Terra 2.0 pode estar no futuro distante, mas pelo menos sabemos que o trem está no trilho certo. Para chegar lá, precisaremos de telescópios grandes e especializados, com instrumentos precisos e sensíveis focados na caracterização de exoplanetas. E eles provavelmente terão de estar no espaço, pois, se vamos procurar um mundo como a Terra, nossa própria atmosfera irá interferir significativamente com as assinaturas do exoplaneta. Seria como procurar uma rosa vermelha enquanto se usa óculos de lentes vermelhas.

Mensageiro Sideral – Um dos lampejos mais interessantes do seu trabalho parece ser a ligação relacionada à metalicidade. Precisamos agora presumir que metalicidades diferentes produzem planetas diferentes. Quão diferente o HAP-P-11b é do nosso bom e velho Netuno, além da temperatura, que é bem mais alta nesse exoplaneta?

Fraine – Nosso próprio Netuno é enriquecido em elementos pesados cerca de 50 vezes mais que a composição solar — essa é a chamada “metalicidade”. Nossos resultados para o HAT-P-11b mostram que a atmosfera do exoplaneta poderia ter até 700 vezes a metalicidade solar. O cenário mais provável está na casa de 200 vezes a metalicidade solar, mas esse resultado não é tão fortemente presumível a partir dos dados, então mencionamos no trabalho um limite superior de 700 vezes a solar. A metalicidade é uma medida importante de formação de planetas, pois estabelece a disponibilidade de elementos para semear a química atmosférica. Especialmente na faixa dos Netunos quentes e dos planetas do tamanho das superterras. Essa faixa de massas, raios e temperaturas é muito variada em propriedades gerais como densidade e composição. Portanto, adicionar mais material — especialmente muito mais material — pode induzir a mudanças de abundância atmosférica entre grandes categorias de composições, como metano versus monóxido de carbono, ou atmosfera com nuvens versus atmosfera limpa.

Medir a metalicidade relativa à estrela-mãe pode nos ajudar a entender onde e como no ambiente natal rico em gás — o disco protoplanetário — cada planeta se formou. Neste ponto, ainda não temos indicações significativas sobre os impactos da metalicidade, mas os intervalos e os valores mais prováveis apontam que o HAT-P-11b surgiu de um processo de formação similar ao que levou ao surgimento do nosso Netuno, chamado de “acreção de núcleo”, ou “de dentro para fora”, como gosto de chamá-lo.

Mensageiro Sideral – Você fez ou planeja fazer medições similares em outros sistemas exoplanetários?

Fraine – Já trabalhei em projetos similares antes, especificamente com a GJ 1214b (uma superterra muito estudada). Minha equipe usou o Telescópio Espacial Spitzer para olhar para a GJ 1214 (a estrela-mãe) por 20,2 dias quase continuamente. Estávamos procurando uma Terra habitável escondida no sistema. Não encontramos esse planeta, mas fomos capazes de medir com precisão incrivelmente alta o raio do planeta que de fato existe lá em dois comprimentos de onda, fornecendo a primeira confirmação altamente significativa de uma atmosfera com nuvens. Nossa equipe também usou essas mesmas observações para medir a temperatura do GJ 1214b, que é frio demais para os instrumentos atuais [mas quente em comparação com a Terra], de modo que precisamos de muitas medições repetidas.

Estou atualmente trabalhando em mais duas observações com a WFC3 do Hubble, ambas para Jupíteres Quentes. E também faço parte de uma colaboração chamada ACCESS (Levantamento de Espectroscopia de Exoplanetas de Arizona-CfA-Católica), onde estamos realizando um levantamento uniforme e de larga escala de dezenas de espectros de exoplanetas usando o telescópio Magellan de 6,5 metros, no Chile. Aliás, estou neste momento no Havaí obtendo dados no telescópio Keck, de 10 metros, para esse mesmo projeto colaborativo.

A ciência dos exoplanetas busca colocar em contexto nossa existência, ao estudar a diversidade desses mundos em suas diferentes arquiteturas e composições planetárias. Estou fazendo a minha parte ao medir a composição de tantos exoplanetas quanto possível com os melhores instrumentos para o serviço. Terminarei meu doutorado neste ano também e espero continuar esses projetos como meu próximo passo na carreira.

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