O fim do Ison e o início da aventura humana

Salvador Nogueira

O cometa Ison passou pelo Sol e, ao que tudo indica, não sobreviveu. Todo mundo já sabia que isso podia acontecer, mas também é impossível não se sentir um pouco frustrado. Por suas propriedades intrínsecas (diâmetro estimado) e orbitais (primeira passagem por dentro do sistema, trajetória que o levaria bem perto do astro-rei), esperava-se que o objeto pudesse vir a se tornar um espetáculo no céu noturno (quiçá diurno). Ele chegou a ser proclamado “cometa do século”, mesmo tendo se passado apenas 13 anos do século 21.

Ilustração do cometa Ison feita por crianças de South Bend, divulgada pela Nasa

O fato de que o Ison não viveu para contar essa história, após passar a meros 1,2 milhão de km da superfície solar, desanima mesmo, admito. Mas só se pensarmos que o grande fenômeno era realmente o Ison. Daqui, do seu cantinho no terceiro planeta ao redor do Sol, o Mensageiro Sideral viu outra coisa: muitas pessoas acompanhando freneticamente imagens vindas do espaço em rápida sucessão e torcendo para que um velho pedregulho de gelo e rocha sobrevivesse a um fervente encontro com nossa estrela-mãe. Agora, essas mesmas pessoas estão chateadas por ele não ter resistido, como fosse um herói caído. Um minuto de silêncio pela “morte” do Ison.

Antropomorfizar objetos — ou seja, tratar estruturas inanimadas como se fossem pessoas — é algo que o ser humano intrinsecamente faz. Nossa mente parece estar programada para interpretar tudo ao nosso redor como se fosse vivo. Até aí, nada de novo. O que acho incrível é que vivemos numa era em que podemos “torcer” por astros celestes, em escala global. Pessoas de todos os continentes estavam ligadas a computadores, celulares e tablets para acompanhar o periélio do Ison — o destino de um pedaço de gelo e pedra vulgar que calhou de passar perto do Sol. Isso mostra uma comunhão entre o celeste e o terrestre que eu nunca havia visto antes. Será que esse é um dos sintomas de que estamos nos transformando numa civilização transplanetária?

Uma das razões pelas quais eu escrevo sobre espaço e astronomia é porque acredito que sim; pouco a pouco, o Sistema Solar está se tornando o quintal da humanidade, e o Universo lá fora começa a nos convidar seriamente para passear.

Aqui na Terra, ainda estamos divididos, cheios de conflitos e problemas, mas o fato de que usamos espaçonaves e cooperação internacional para acompanhar, globalmente, um evento que transcende nossas (em última análise pequenas) diferenças é motivo para nos enchermos de esperança.

O “cometa do século” terá de ficar para a próxima, mas o Ison, com todas as supresas que ele nos reservou ao longo de sua jornada, será estudado por anos a fio, graças ao esforço concentrado de monitoramento da trajetória do objeto em sua viagem por nossas vizinhanças. E deixará a animadora sensação de que, se o cosmos é mesmo recheado de belezas e surpresas, já existe pelo menos uma forma de vida capaz de apreciá-las e reverenciá-las adequadamente.

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Comentários

  1. Salvador, na última imagem do LASCO 2 parece que o ISON sobreviveu ao periélio e já está contornando o sol de volta. Será? Confira aí prá gente. Se for verdade, o espetáculo ainda não acabou.

    1. Estou em cima. Intrigado como todo mundo. A última imagem do Stereo parece sugerir que a coma voltou a crescer.

      1. É verdade, acho que ficou claro que ele conseguiu sobreviver. Será a nova estrela de Belém do próximo natal. O show não acabou!

  2. Calma Salvador. Você é um escritor muito fecundo. Ainda não terminei de ler os 686 comentários do post ‘Nasa acha dados perdidos de missões à lua’ e você já mandou em três dias mais três posts! Posso ler 20 comentários por dia? Prometo terminar no próximo mês de fevereiro. rsrs

  3. As buscas, as pesquisas, o desconhecido, as interpretações, as fantasias…. estamos para o espaço hoje, como estavam os europeus no século XV em relação ao novo mundo. Navegar era preciso e hoje também.

  4. Olhando a sequência completa da soho parece que virou uma gigantesca nuvem de detritos. Quem sabe ainda tenhamos uma boa chuva de meteoros mais adiante…

  5. Um minuto de silencio ao Ison… o cometa lutou bravamente, que fique eternamente em nossas memorias…

    R.I.P. ISON

    *4.395.780.233 AC – + 2013 DC

  6. Bom… para detrito, a imagem do SOHO está muito bem definida e bem parecida com um cometa. Até parece que aumentou o brilho. Olhem nos links do lasco-c2 e lasco-c3, vocês irão perceber o que estou dizendo, não sei não se esse povo não vai desmentir isso. Espero que o próprio cometa desminta todo mundo.

  7. Não um comentário, mas uma pergunta : o que aconteceu com a matéria do cometa – foi engolida pelo Sol ou continua sua trajetória como poeira?

  8. “Sun 1 X 0 Ison”.
    Novamente parabéns pelo blog, didático e bem humorado!
    Às vezes acho que a humanidade anda tão mesquinha que, olhar pro céu nos mostra o quanto somos pequenos e quanto vale cada pedacinho deste planeta.

  9. O cometa Porcina, aquele que foi sem nunca ter sido. Escafedeu-se e não troouxe sequer um reles rei mago.

  10. Mais esses detritos, existem alguma possibilidade de se ver algo no céu através desses detritos?

      1. Poxa :/ tbm fiquei mto triste quando soube q ele tinha se desitegrado, eu e meu irmão acordavamos toda manhã bem cedo pra tentar ver ele, mais foi sem sucesso, eu estava acompanhado a cada hora a trajetória do ison, sou apaixonado pela astronomia, pena q não foi dessa vez q eu vi :/

    1. Rapaz, fiquei até arrepiado agora com a comparação. Ainda preciso comer muito feijão com arroz. 😉

  11. Infelizmente, o marasmo e nossa solidão cósmica nos faz dar importância para um evento insignificante e inútil sem conseguir tirar aprendizado e conhecimento, proveito nenhum !! Acredito que por estas bandas do Universo já tivemos tempos mais agitados e melhores.

    1. O foco não é o fenômeno em si (passagem de um cometa), mas a intensa mobilização de recursos tecnológicos para monitorá-lo. Além disto a popularização da informação. Você ter sondas hoje especializadas em observações solares, te dando esta visão privilegiada da aproximação de um objeto do Sol, é sim muito interessante. A 10 anos estes recursos não estavam disponíveis. Além disto você poder visualizar a Terra nesta mesma imagem dá uma ideia da dinâmica que nos rodeia.

  12. Nós estamos vivendo uma conjunção de rápido desenvolvimento de tecnologias espaciais e a globalização da informação. Hoje o Sistema Solar é razoavelmente bem monitorado pela provável centena de naves de todos os tipos colhendo informações por ai. E tem muito para se explorar. Só as luas de Júpter já são uma fonte imensa de possibilidades. Depois da descida do Curiosity em Marte, me parece que o Ison foi o evento espacial mais popular dos últimos tempos. À medida que avançamos, estes eventos devem se tornar mais e mais cotidianos.

  13. Fiquei um pouco chateado, afinal espero por um grande cometa desde pequeno, 1986, quando o Halley foi uma decepção. Mas, ao mesmo tempo fiquei feliz, vivi um momento histórico, acompanhando com pessoas comuns de todo o mundo, AO VIVO, um cometa em seu periélio! Algo que em 1986 era apenas um sonho!

      1. Olá Mensageiro, sobre os detritos do cometa: já dá pra saber se a Terra corre risco de ser atingida? Obrigado!

        1. Risco nenhum. Aliás, se tem uma coisa que essa imagem demonstra lindamente é que mesmo a destruição de um objeto deles não é capaz de alterar a órbita de seus detritos. 😉

  14. As mais diferentes culturas criam símbolos para explicar a natureza e as visões humanas. O céu espelha nosso olhar, e quando surge um visitante desconhecido nesse reflexo aparece uma incerteza que nos atrai, começamos a inventar nomes e histórias. Agora são as sondas e os telescópios que levam nosso sonho adiante. Uma parte, ainda pequena, de nós acompanha pra tentar ser o “mensageiro” do que pensamos ser a boa nova. Parabéns Salvador, nome cheio de esperança para um jornalista “sideral”.

  15. Ótimo seu texto Mensageiro. O fato do cometa não ter resistido já era esperado. Como você mesmo diz, o homem está cada vez mais abrindo a mente e aumentando as possibilidades. Assim, quem sabe mais cedo, as pessoas deixem de olhar apenas pro seu quintal e estendam os olhos para o cosmo onde as respostas estão. Então, livres de influencias gnósticas, teremos como explicar a vida no nosso planeta e em outros mundos.

  16. Élegal, Salvador Nogueira, ter uma coluna contigo escrevendo. Sou amante da astronomia desde menino e há poucas vozes dessa bela ciencia no Brasil. Tenho 37 anos, vi o cometa halley numa madrugada de março de 1986. Ter um cometa como aquele, apesar de pouco brilhante, mas bem distinguível contra um céu escuro nao é algo que acontece com frequencia. Gostaria de ver mais gente entusiasmada com eventos como este, como aconteceu em 1986, mas acho que as pessoas estão muito alienadas com essa enxurrada da internet e redes sociais. Seu entusiasmo com astronomia alenta a nós poucos que assim também nos sentimos,.

    1. Tão falando que só podem ser detritos, mas não um núcleo. O cometa já era, ao que parece. 🙁

  17. Uma pena Salvador, não consegui vê-lo a olho nu. Tinha esperança na sua passagem de volta. Mas se o cosmos ( universo, natureza, Deus, etc. como acharem melhor) nos permitir outros virão. E talvez a gente esteja aqui para ver. Mas temos muito o que observar ainda, olhos no céu e pés no chão sempre. Abraço.

  18. Ele apenas esta dando um tempo numa dimensão paralela, beve voltará brilhante para espanto de todos.
    “Quissífodas salmo4 versículo 48”

  19. Certa vez, quando eu tinha 11 anos, meu pai nos acordou de madrugada, eu e meus irmãos, para ver “o cometa”. Da janela observei extasiado a coisa mais bela de toda minha vida, “o cometa” iluminando o céu desde o horizonte até aonde se poderia ver da nossa janela. Era 1965, o cometa do século, o Ikea-Seki se apresentava em nossa janela para me tornar um fascinado por astronomia e principalmente por cometas. Torci muito pelo Ison e estou profundamente triste.

    1. Dionisio, a minha familia morava num sitio no interior e eu fazia o antigo ginasial nessa epoca. Meu pai tambem comentou sobre esse cometa, o Ikeya-Seki. Dizia que se chamava assim porque fora descoberto por dois japoneses. Eu acordava muito cedo para ir à escola e ficava fascinado com o espetaculo que se apresentava. A cabeça voltada para o Sol nascente e a cauda se extendendo por mais um quarto do céu. Me lembro que o Ikeya-Seki se exibiu durante alguns dias, cada dia mais baixo no horizonte ate desaparecer. Sem duvida, o “cometa do seculo”!

      1. Roberto, naquele tempo a maioria da população sequer sabia o que é um cometa. Pouquíssimas pessoas tiveram a honra de ver este magnífico astro. E você teve mais sorte que eu, já que o acompanhou por vários dias. Naquele dia tive a impressão que aquilo era corriqueiro, não tinha a menor ideia da grandiosidade do fato.

    2. Salvador Nogueira, ainda sobre o cometa Ikeya-Seki, vc sabe dizer o que aconteceu com esse cometa? A sua orbita não o trará de volta para as proximidades da Terra?

      1. Ele é um sungrazing :/, ou seja, não é periódico e se for tem um período de revolução muuuuito grande. E ainda pode ter pertubação orbital por causa de planetas como Júpiter. Eu até procurei aqui mas o cometa não tem uma volta “prevista”.

    3. Tive a oportunidade de ver também este maravilhoso cometa, e observa-lo por vários dias, após as 04.00 hs da madrugada. Morava eu num sítio, eu tinha 12 anos, ficava até com medo de ver aquela tocha brilhante no céu. Era enorme, que maravilha que a natureza me proporcionou. Mas naquela época, tínhamos poucas informações, pois só havia rádio no sitio e nem luz elétrica tinha, era lamparina, eu sabia que se tratava de um cometa, porque a professora da escola é quem falou.

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