Dois cometas pelo preço de um!

Salvador Nogueira

Uma surpresa incrível se revelou aos “olhos” da sonda espacial europeia Rosetta ao se aproximar de seu alvo, o cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko. Ele na verdade não é um cometa, mas dois — um grudado no outro. A notícia foi divulgada pela CNES, a agência espacial francesa, e promete ser apenas a primeira de muitas revelações da missão.

Sequência de imagens do cometa Churyumov-Gerasimenko, obtidas pela Rosetta a 20 mil km de distância
Sequência de imagens do cometa Churyumov-Gerasimenko obtida pela Rosetta a 20 mil km de distância.

As imagens falam mais do que mil palavras. Registradas há cinco dias, elas mostram o cometa conforme ele gira em torno de seu eixo, a uma distância de cerca de 20 mil km. O que antes se mostrava apenas um formato irregular agora já revela contornos mais nítidos, e já se percebe que ele é composto por dois bólidos diferentes, colados.

É o que os cientistas classificam como um astro binário de contato, ou seja, um sistema duplo em que ambos os objetos se tocam. Cálculos feitos por um dos líderes da missão (e citados por Emily Lakdawalla no blog da ONG Planetary Society) sugerem que algo assim só poderia ter sido produzido por um contato relativamente suave entre os dois, a modestos 3 metros por segundo.

Animação mostra rotação do cometa. Um patinho de borracha no espaço?
Animação mostra rotação do cometa. Um patinho de borracha no espaço?

Com sua forma irregular, o núcleo duplo do Churyumov-Gerasimenko tem cerca de 4 km por 3,5 km. No momento, a Rosetta prossegue em sua perseguição ao cometa, até atingir a modesta distância de 100 km da superfície, em 6 de agosto. Então, a sonda deve se tornar a primeira a orbitar um objeto desse tipo. E, em novembro, um pequeno módulo de pouso, Philae, deve tentar descer até a superfície — um desafio que agora fica maior, diante da forma irregular da superfície.

O estudo dos cometas é entusiasmante. Não só esses bólidos feitos de gelo e rocha recontam a história da origem do Sistema Solar — são remanescentes do processo de formação planetária — como a intrigante presença de água e compostos orgânicos neles faz pensar que esses objetos possam ter tido um papel importante na origem da vida na Terra.

EXPLORAÇÃO NA VEIA
Lançada em 2004, a Rosetta é a mais ousada missão já lançada com essa finalidade. Ao se manter em órbita do cometa, ela acompanhará sua jornada na direção das regiões mais internas do sistema. É aí que o gelo na superfície do cometa começa a sublimar (se converter em gás) e produzir a famosa cauda que caracteriza esses objetos.

No momento, sonda e cometa estão na região do cinturão de asteroides entre Marte e Júpiter. Em um ano, o Churyumov/-Gerasimenko estará no periélio, próximo à órbita da Terra, atingindo seu pico de atividade. O que descobriremos durante esta jornada? Essa é parte da graça: não sabemos.

Este é um daqueles momentos em que nos sentimos todos um pouco pioneiros do espaço, acompanhando uma jornada de exploração em tempo real. É quase como se Cristóvão Colombo tivesse Twitter e Facebook em 1492.

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Comentários

  1. Fascinante, Salvador! E no Brasil seu blog deve ter “furado” toda a mídia! Parabéns e muito grato pela informação.

    1. Salvador, deixei o seguinte comentário no site http://blogs.esa.int/rosetta/2014/07/16/access-to-rosetta-data/

      “How we commom people get interested in science and approve huge expenses in space research? By receiving up-to-date information as soon as these missions get them. We can’t understand metadata, we just want travel into deep space with you and watch the sightseeing. Keep you the metadata and reward us, the general public, with the amazing pictures! Shame on you, gentlemen!”
      Está aguardando moderação, vamos ver se publicam…

      1. Publicaram! E há dezenas de comentários, alguns bem longos e bem embasados. Espero que eles revisem a idéia de divulgar apenas algumas fotos 15 dias depois de tiradas!

  2. A notícia boa e interessante é que na verdade são dois cometas e não um. A notícia ruim eu espero que não seja um deles caindo de surpresa por aqui, a menos que seja na Rússia, eles tem know how em sediar eventos inacreditavelmente improváveis. Eles dão conta.

  3. Salvador,

    Em artigos anteriores você já explicou um pouco sobre as manobras feitas pela Rosetta para se aproximar do Chury…
    O Philae vai precisar fazer alguma nova manobra por conta da rotação do Chury?

    Abs!

    1. Marley, as manobras do Philae ainda não estavam determinadas justamente pelo desconhecimento da estrutura e da superfície do cometa. Esse planejamento deve começar em agosto, após a inserção orbital.

  4. Caro Salvador, com a descoberta desta nova “configuração” do cometa Churyumov-Gerasimenko, o que deverá mudar na missão?? A cereja do bolo, que é o pouso do Philae, acontecerá conforme o inicialmente planejado??

    1. Será preciso estudar melhor o pouso. Aumenta a dificuldade, mas não o planejamento. Ao menos por ora.

  5. Há muitos anos atrás vi um filme em que um cometa ao se aproximar da terra se divida em dois e na volta ele cai sobre o Arizona!

    Salvador, ja se sabe qual a aproximação máxima deste como em relação a um planeta qualquer? Com a elevação da temperatura ele pode se separar novamente?

  6. O “Rubber Duckie” ou Patinho de borracha como foi chamado por um cientista da missão, ainda vai dar muito o que falar

  7. Você esta rápido no gatilho, Salvador. Li esta notícia hoje pela manhã e já estava colocando o link no artigo anterior.
    Este cometa mostra como temos que ficar atentos a bólidos que trafegam pelo sistema solar interior. O 67P/Churyumov-Gerasimenko tinha um periélio de 4 UA, e devido a interações com Júpiter seu periélio caiu para 1,3 UA. São quase 3 unidades astronômicas em 45 anos desde a sua descoberta, uma diferença muito grande na sua órbita desde que o cometa é estudado. Agora vem esta descoberta surpreendente de que o danadinho é um cometa binário.
    O cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko mostra para todos nós que devemos investir ainda mais em pesquisa espacial, para nos precavermos de possíveis impactos, pois acredito que todos os outros cometas do cosmos são como este, IMPREVISIVEL!

    1. É, fiquei muito empolgado com esta aqui! Não há nada como acompanhar uma sonda “ao vivo”. 🙂

      1. Essa noticia esta dando o que falar nas redes sociais européias, não só pela surpreendente descoberta, mas como essa noticia foi parar na mídia, já que a ESA não as divulgou.
        Os comentários são que um membro da CNES (Centro Nacional de Estudos Espaciais Francês) teve acesso as informações, e na ecxitação acabou se precipitando em divulgar a informação sem a permissão da ESA. Com isso, a bela e doce Emely Lakdawalla 🙂 , da The Planetary Society, as divulgou em seu blog e a noticia desde então veio a se espalhar. Os rumores são de que a ESA não ficou nada contente com isso, e acabou interrompendo transmissões da Rosetta (verdade mesmo fui conferir) e se pronunciou (desculpinha bem esfarrapada, na minha opinião) informando o porque da interrupção.

        Na minha opinião, alguma coisa aconteceu mesmo, já que de fato interromperam as transmissões, e uma noticia tão empolgante como essa não foi divulgada pela própria ESA.

        CNES http://www.cnes.fr
        ESA http://www.esa.int/For_Media nada divulgado
        Desculpa da ESA http://blogs.esa.int/rosetta/2014/07/16/access-to-rosetta-data/
        Bela e doce Emily 🙂 http://www.planetary.org/blogs/emily-lakdawalla/2014/07150633-quick-rosetta-update.html

        O que acha, Salvador?

        1. Foi isso mesmo, Rodrigo. Li na Emily e fui seguir o link da CNES que ela indicava, mas já estava fora do ar. Mas aí vi que a BBC deu a história e aí saquei que já não teria mais volta. Por isso optei por publicar também.

          1. Cumpriu seu papel de forma brilhante! Fez jus ao meu elogio no comentário acima. 😉

            Parabéns!!!

        2. Porque deste segredo todo? A agência ESA queria ter o orgulho de noticiar a descoberta primeiro? E porque interromper as transmissões da sonda Rosetta já que todo mundo já sabe?

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