Via Láctea, a galáxia modesta
Esta é a última da série “Não há nada de especial em nossas circunstâncias cósmicas”: segundo dois grupos independentes de astrônomos britânicos, nossa galáxia é bem menos pujante do que antes se pensava. Na verdade, ela tem apenas metade da massa de nossa vizinha, Andrômeda.
Os dois trabalhos, aceitos para publicação no periódico “Monthly Notices of the Royal Astronomical Society”, acabam de uma vez por todas com a discussão sobre quem é a maioral no chamado Grupo Local, conjunto de galáxias próximas à Via Láctea que orbitam em torno de um centro gravitacional comum. E, surpresa!, não somos nós.
“Sempre suspeitamos que [a galáxia de] Andrômeda fosse mais massiva que a Via Láctea, mas pesar ambas as galáxias simultaneamente se mostrou um desafio extremo”, disse Jorge Peñarrubia, da Universidade de Edimburgo, na Escócia, líder de um dos trabalhos. Já o estudo paralelo foi conduzido por Jonathan Diaz e colegas da Universidade de Cambridge, na Inglaterra.
Ambos usaram metodologias e números diferentes para calcular a proporção das massas das duas maiores galáxias do Grupo Local e chegaram à mesma conclusão: com confiança superior a 95%, a Via Láctea é a menorzinha, com metade da massa da outra.
A DANÇA DAS GALÁXIAS
O Grupo Local é composto por mais ou menos meia centena de galáxias, das quais há três em formato espiral: a Via Láctea, Andrômeda e a galáxia do Triângulo. Essa última é a menor de todas, mas havia dúvida sobre qual das duas outras era a predominante. Em 2009, pesquisadores do Centro Harvard-Smithsonian para Astrofísica chegaram a anunciar cálculos de que elas tinham mais ou menos a mesma massa e o mesmo tamanho. Um empate técnico.
Os novos trabalhos agora divulgados levam a comunidade astronômica de volta a uma desconfiança que eles já tiveram antes: Andrômeda é de fato a mais massiva das galáxias. Os dois estudos independentes, a despeito das técnicas de cálculo diferentes, partiram do mesmo princípio: estudar o baile das galáxias do Grupo Local. Seu movimento, guiado pela gravidade, seria suficiente para criar uma escala de massas. Afinal, é a massa de um objeto o que dita a intensidade da força gravitacional que ele exerce sobre os demais.
As conclusões foram interessantes. Não só os cientistas verificaram que Andrômeda tem aproximadamente o dobro da massa da Via Láctea, como também puderam constatar que cerca de 90% do total de massa nas duas galáxias é composto por matéria escura — misteriosas partículas de natureza desconhecida que, apesar de não interagirem com a matéria convencional, exercem força gravitacional e, por isso, revelam sua existência de maneira indireta.
FUTURA COLISÃO
A despeito do resultado desfavorável à Via Láctea, essa picuinha de qual é a maior já tem data para terminar. Em cerca de 3 bilhões de anos, Andrômeda e a Via Láctea devem colidir. A essa futura galáxia resultante da fusão os astrônomos costumam dar o nome de Lactômeda. Contudo, a julgar pelos novos trabalhos, talvez devamos optar por outro nome: Androlacta. Afinal, não é Andrômeda que está vindo em nossa direção. Nós, da Via Láctea, é que estamos literalmente caindo na direção dela, atraídos por sua poderosa força gravitacional. (Como notado por alguns leitores, existe aqui uma licença poética em dizer que uma está caindo na outra. Por óbvio, ambas se atraem mutuamente — é como funciona a gravidade — e se deslocam uma na direção da outra. Contudo, a menor se desloca muito mais depressa, de forma que a Via Láctea é que está indo muito mais depressa na direção de Andrômeda do que o oposto. Daí a brincadeira com o “cair”, embora tecnicamente ambas estejam viajando uma na direção da outra.)
Talvez essa ideia de galáxias em choque soe escandalosa. Mas, de fato, não se trata de nada de novo no front. Esse processo de constante colisão e fusão galáctica tem ocorrido desde que as primeiras se formaram, antes que o Universo completasse 1 bilhão de anos de vida (hoje ele já é um senhor de 13,8 bilhões).
Neste exato momento, a Via Láctea está destroçando galáxias anãs em seus arredores, incorporando suas estrelas às suas fileiras. E o mesmo acontece nas cercanias de Andrômeda. É a dinâmica da evolução cósmica, que pouco nos deve incomodar, tanto psicológica quanto fisicamente — mesmo num encontro de galáxias a colisão entre estrelas é raríssima, de forma que nosso Sistema Solar deve passar incólume pela fusão intergaláctica.
Ressoa, contudo, a constatação de que a nossa Via Láctea é hoje uma galáxia de dimensões modestas. Ela não é especial nem mesmo no Grupo Local ao qual ela pertence. Apenas a segunda maior, com metade da massa da primeira colocada.
É mais um daqueles momentos em que a astronomia nos obriga a calçar as sandálias da humildade. Sabemos atualmente que nosso sistema planetário é somente um, dos muitos que existem em torno de outras estrelas. Somente a pobre Via Láctea tem pelo menos 100 bilhões de estrelas. Andrômeda tem muitas mais. E agora temos 95% de certeza de que nem mesmo na mais pujante das galáxias do Grupo Local nós estamos, que por sua vez está longe de ser o mais impressionante dos arranjos galácticos espalhados pelo Universo. Não há absolutamente nenhuma justificativa para pensarmos que habitamos um recanto singular do cosmos.
Ainda assim, existe uma razão para nos orgulharmos: a despeito de nossa localização nada especial, somos capazes de olhar para as luzes do céu e compreender, pouco a pouco, descoberta a descoberta, a apaixonante narrativa que perfaz a história do Universo.
a chamada matéria escura não seria na verdade a nova fronteira de conhecimento do físico, ou seja do material. seria uma revolução no conhecimento atual
Caro Salvador;
Eu reitero pergunta que fiz pra você: afinal, o que é o grande atractor (no contexto das galáxias)?
Não sei a que você se refere. Todas as galáxias se atraem mutuamente na proporção de suas massas.
Salvador:
O Elton comentou brilhantemente que “conheceremos o primeiro extraterrestre inteligente no dia que o primeiro bebê humano nascer em Marte.”
Após sucessivas gerações nascidas em Marte, eles começariam a se diferenciar dos humanos nascidos na Terra?
Sim, é fato que provavelmente seguiriam outro caminho evolutivo. A não ser que continuassem a se reproduzir com terráqueos da gema nas gerações seguintes! 😛
A BIOLOGIA NOS FAZ CONCLUIR QUE A CHANCE DE VIDA FORA DA TERRA É PRATICAMENTE ZERO DEVIDO AO PAPEL DO ACASO…
A biologia não sugere isso.
Quem sugere isto são os míopes religiosos e ignorantes de sempre. Aqueles com profunda deficiência em interpretação de texto e que acreditam que um livro escrito há quase 2 milênios por gente que não conhecia quase nada do que se conhece hoje em dia, pode explicar tudo neste Universo. A Bíblia é um livro completamente inútil para isto e muitas outras coisas mais.
Pare com isso cara! Já vez trazer para o ataque religioso! Você está sendo ignorante também, pois esse mesmo livro que você afirma ser para pessoas ignorantes, já falava em outros mundos a 2 mil anos atrás.
Antes que venha me atacar, como já percebi que é do seu feitio, sou Cristão, amo ciência e acredito no Bigbang, mesmo achando que ele não mude a ideia do criacionismo. Então baixe a bola e pare com os ataques, ok?
A verdade foi solenemente ignorada por você. Os míopes religiosos vivem atacando quem crê na existência de vida extraterrestre e nos que apenas citam a Teoria da Evolução, tentando desmoralizar ambos. Ultimamente vejo também ataques a descobertas científicas, principalmente quando estas descobertas vão contra alguma crença as vezes já ultrapassada e comprovadamente não sendo verdadeira dos religiosos. Quanto mais reacionário e miope, maior o ataque e maiores são os absurdos falados ou escritos, todos baseados em interpretações erradas e impregnadas de preconceitos da Bíblia.
Não sugere mesmo!
O universo surgiu!!! teve sim um início, e a pergunta ainda não respondida é: qual a natureza física do campo de Higgs?????
Salvador, o Grupo Local gira em torno do quê ? Um buraco negro? Abraço.
O Grupo Local faz parte do Aglomerado de Virgem — um aglomerado de agrupamentos de galáxias. Mas todos estão participando da expansão cósmica, ou seja, não estão girando em torno de nada.
OFF: http://gizmodo.uol.com.br/inferno-na-terra/
🙂
Maravilhosas as imagens! Vou dar um pulo no site de imprensa da Nature para arquivá-las! 🙂
Aqui também tem mais infos/fotos e textos mais detalhados:
http://www.lpi.usra.edu/exploration/HadeanEarth/
🙂
caramba… hadeano e eoarqueano… nada como ler, ler e ler para aprender mais, mais e mais!
Nossa galáxia é tipo Carmem Miranda, uma pequena notável! rsrsrs
Salvador, essas suas reportagens são interessantes demais, obrigado por compartilhar conosco o seu conhecimento.
Fico imaginando como ficaria o céu quando as galáxias estiverem se unindo, deverá ser demais.
Em relação à extraterrestres, acho muito difícil de encontrar vida numa distância que a humanidade possa conhecer, vida inteligente seria mais difícil ainda.
Mas se pararmos para pensar, conheceremos o primeiro extraterrestre inteligente no dia que o primeiro bebê humano nascer em Marte. Seria demais!
Sempre leio o seu blog. Todos as matérias são muito interessantes para quem gosta do assunto mas eu queria lhe fazer uma pergunta. O universo começou no “big-bang” e de lá para cá quase todas as galáxias se afastam uma das outras. Então no lugar onde aconteceu o big-bang não ficou nada. Será que existe no cosmo por assim dizer um vazio, um buraco enorme onde não tenha nada ? Se existe, esse lugar pode ser notado de alguma maneira ?
Não, esse buraco não existe. O que há é uma diluição cada vez maior do Universo inteiro. Por isso os enormes abismos entre as galáxias.
Salvador, já viu a teoria de João Magueijo? O cara é novo mas eu respeitei muito a teoria dele, talvez C não seja sempre C como imaginamos. Pode ser que num meio completamente diferente, a velocidade da luz não seja constante, afinal, um simples buraco negro consegue deter com gravidade, imagina o que aconteceria com a força do Bigbang!
Sim, eu li o livro do Magueijo, muitos anos atrás. Mas, pelo que eu me lembre, a base do trabalho dele é a hipótese de que a velocidade da luz nem sempre foi a mesma, e não que se pode ir mais depressa que ela em qualquer momento da história do Universo. Não vi saída para voos interestelares ali…
Na verdade o lugar que aconteceu o Big Bang é aqui também… Em todos os lugares ao mesmo tempo.
Não existe um local da explosão para ficar vazio porque todo o universo é o local da explosão…
Bom, a de se considerar que devem existir galaxias sistemas solares e por conseguinte planetas que se formaram muito tempo antes do nosso, então há de fato possibilidades de formas de vidas mais desenvolvidas tecnologicamente, tem outra coisa, seria igualmente possível a existência de vida de forma divergente à nossa, com base diferente da de Carbono…são muitas considerações, mas devido a extrema probabilidade contrária acredito que não estamos sós……
Estas discussões me faz lembrar de uma piada de uma palestra de um eminente astrônomo provando o choque da terra com um meteoro e que isto aconteceria em 2000 anos. Um dos espectadores pergunta -“O senhor disse que este choque se dará em 300 anos ?
– “Não eu disse 2000 anos ”
– Puxa! ainda bem. Assim eu fico mais tranquilo.
Desde q eu comecei a ler sobre ciência, lá em meados de 1998, quando ganhei meu primeiro PC, eu sempre li que Andrômeda era maior do que a Via láctea, seja em anos -luz seja em massa. E eu nunca vi em revistas, sites ou documentários, que existia alguma dúvida sobre isso.
Posso estar errado, mas de vez em quando eu vejo fatos antigos em notícias que parecem ser coisa nova.
No mais, está de parabéns o site pela divulgação científica.
Ícaro, essa sempre foi uma questão controversa. Não tanto pelo ladode Andrômeda, mas pelo da Via Láctea, que é difícil de medir. De fato, na maior parte do tempo os astrônomos consideravam Andrômeda maior, se bem que o trabalho de 2009 contestou isso e colocou dúvida na questão. E note que, mesmo agora, a questão só pode ser considerada resolvida se 95% de confiança for suficiente. Então, não é tanto uma questão de ser informação velha. É o fato de que velhas ideias são retestadas muitas vezes, conforme as técnicas de teste evoluem.
Este estudo parece apontar para a lógica: era meio difícil de “engolir” que uma galáxia com o dobro do tamanho (Andrômeda) pudesse ter massa igual (ou até menor, como já cheguei a ler) à da Via Láctea.
Mas acho que você foi um pouco cruel com nosso lar leitoso: ela ainda pode ser considerada uma galáxia grande, pois parece haver mais galáxias menores do que maiores do que ela. Ou não?
Sim! Não me entenda mal, sou fã da Via Láctea! 🙂
Salvador, eu leio cada post seu e acho fantástico a maneira didática como você traduz este assunto tão complexo. Sou um apaixonado pela astrologia mas leigo de tudo.
Por isso peço desculpas de ante-mão pela pergunta que farei. Mas é uma curiosidade…
Existe alguma relação da matéria escura com a teoria das cordas? Algo se explicaria sobre a matéria escura dentro do conceito da teoria das cordas? Grande abraço
Putz, que eu saiba não, salvo talvez pelo elo que se faz entre a energia do vácuo (que talvez explique a energia escura) e a mecânica quântica, que também é a inspiração para a teoria das cordas — uma tentativa para quantizar a gravidade.