A última superlua de 2014

Salvador Nogueira

Como previam os cientistas, o asteroide 2014 RC veio e foi sem causar estragos. E agora podemos deixar o medo de lado e voltar a olhar para o céu com a devida reverência. Anote aí: hoje à noite pinta nos céus a “superlua”. E aproveite, porque é a terceira e última vez neste ano que o fenômeno ocorre.

A primeira superlua de 2014, em maio, registrada no Rio de Janeiro. (Foto: Ricardo Moraes/Reuters)
A primeira superlua de 2014, em maio, registrada no Rio de Janeiro. (Foto: Ricardo Moraes/Reuters)

A superlua acontece quando duas coisas distintas coincidem: a Lua atinge seu estágio mais iluminado (a famosa Lua cheia) aproximadamente ao mesmo tempo em que chega ao ponto mais próximo da Terra em sua trajetória ligeiramente oval em torno de nosso planeta.

Essa aproximação é chamada de perigeu, e por isso o fenômeno é conhecido entre os astrônomos simplesmente como “Lua cheia no perigeu”. Eis que os astrólogos, sempre com aquele charme sedutor, deram a ela o nome popular que hoje está na boca do povo: superlua.

E o que ela tem de super? Bem, como está um pouco mais próxima de nós, ela aparece no céu proporcionalmente maior. Não é muita coisa. Entre uma Lua cheia no apogeu (cerca de 405 mil km de distância) e uma no perigeu (aproximadamente 360 mil km de distância), o aumento de tamanho é de 14% (com aumento de brilho de 30%).

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Ainda assim, é uma coisa bonita de se ver. Sem saber de nada, você poderia olhar e simplesmente notar como a Lua está de algum modo um pouco diferente, mais formosa que o usual. Sabendo do que se trata, adiciona-se uma nova camada ao prazer da observação.

Comparação entre uma Lua mais distante e uma "superlua", como a desta segunda.
Comparação entre uma Lua mais distante e uma “superlua”, como a desta segunda.

PISTAS DE UM ENIGMA
Fato: a superlua jamais aconteceria se a órbita lunar fosse um círculo perfeito — como a humanidade imaginou durante milênios, erradamente. Desde os gregos antigos, cultivou-se a noção de que a circunferência era a mais bela e perfeita das formas geométricas. E que outra forma poderia ter a perfeição do mundo celeste? Até o século 17, tanto os planetas quanto a Lua eram instados, na teoria, a obedecer a trajetórias circulares. Isso valia para o modelo cósmico geocêntrico de Aristóteles e Ptolomeu, que presumia a Terra no centro do Universo, e permaneceu intocado por Nicolau Copérnico, no século 16, ao deslocar o Sol para o centro do sistema e apresentar a Terra como apenas mais um planeta.

Naturalmente, a despeito de nossas convicções ancestrais, tanto os planetas quanto a Lua se recusaram terminantemente a obedecer ao nosso senso estético. Resultado: era impossível prever com exatidão as posições celestes futuras desses astros usando os modelos astronômicos antigos. No caso da Lua em particular, era uma pequena discrepância, quase imperceptível diante do tamanho significativo que nosso satélite natural apresenta no céu. Mas para os planetas — sobretudo Marte — a margem de erro era grande demais para ser ignorada.

O problema só foi resolvido em 1609, quando um audaz astrônomo alemão, Johannes Kepler, teve a coragem para fazer o óbvio: deixar a realidade da observação guiar a teoria. Para isso, ele contou com os mais precisos registros no céu feitos na era da astronomia a olho nu (ainda não havia telescópios!), produzidos sob a batuta de seu mentor, o dinamarquês Tycho Brahe.

Ao analisar a trajetória de Marte, Kepler finalmente percebeu: as órbitas dos planetas são elípticas, e o Sol fica num dos focos. Eis que, com esse arranjo, o astrônomo produziu as correções necessárias ao sistema copernicano e enfim concluiu a decifração dos movimentos celestes, um desafio que se impunha à humanidade desde seus primórdios.

A contribuição do alemão se faz sentir ainda hoje. As leis de movimento que ele descobriu com base nos dados de Tycho Brahe são aplicadas atualmente pelos cientistas que estudam planetas em torno de outras estrelas — e não por acaso o mais bem-sucedido satélite caçador de mundos fora do Sistema Solar recebeu da Nasa o nome de Kepler. Justa homenagem.

Eis, meu caro leitor, que a superlua pode ser mais que um simples momento encantador — ainda que não seja raro, acontecendo todos os anos — na observação celeste. Ela é um lembrete sutil de como a humanidade persiste na busca pelo conhecimento, a despeito de nossos próprios preconceitos sobre como o Universo deveria ser. E, eventualmente, triunfa. Aproveite.

COMO OBSERVAR
Não tem segredo. Basta procurar a Lua no céu, e a vista desarmada basta para vê-la de forma esplendorosa. (Binóculos, claro, agregam valor ao camarote.) Recomenda-se que se faça isso entre as 18h e as 20h, quando ela está mais baixa no céu, na direção do leste. Isso, apenas por uma questão de deleite: ao ser observada em proximidade a objetos de tamanho conhecido no horizonte, ela parece maior — por uma ilusão de óptica ainda não totalmente compreendida, que se soma ao efeito de refração atmosférica para aumentar seu tamanho aparente. Caso lhe falte o horizonte leste, não se preocupe. Ela atravessará o céu durante a madrugada e só se esconderá no oeste por volta das 6h da manhã.

Para os aficcionados por horários e datas exatos, a Lua atingiu o perigeu exatamente aos 30 minutos desta segunda-feira (8), chegando a uma distância mínima de 358.387 km da Terra (na média, ela fica a cerca de 384 mil km). E o momento exato da Lua cheia acontece às 22h39 desta segunda.

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Comentários

  1. Salvador, parabéns pelo novo livro. Estou achando excelente. A cada dia me interesso mais por astronomia. Me indique por favor um livro de astronomia básica para eu seguir os estudos? Gt Abraços

    1. Flavio, tem vários livros bacanas de astronomia. Eu iria atrás do “Cosmos”, do Carl Sagan.

    2. Salvador, a lua passou quase a pino dois dias atrás e hoje sua trajetória estava significativamente mais para o norte. A mudança eh tão rapida assim? Luiz

  2. Eu vivo sempre no mundo da Lua.. Por que sou aventureiro, o meu papo é lunático, pega carona nessa cauda de cometa.. Demais!!!

  4. Uma coisa importante sobre Kepler, é que ele fez todos os cálculos tentando provar que o movimento dos astros eram “perfeitos”… Quando percebeu que não eram, pode até ter lamentado, mas aceitos os fatos como eram, não como queria…

    Salvador, estou avançando no seu livro, gostei muito do que li até agora, com a história desses pioneiros. Estou na parte em que você mostra que a vida teria tido melhor condição de ter surgido em Marte do que na Terra de bilhões de anos atrás… Surpreendente!

    1. Aiche “ele fez todos os cálculos tentando provar que o movimento dos astros era “perfeito”… Quando percebeu que não era, pode até ter lamentado, mas aceitou os fatos como eram, não como queria…” (Desculpem-me pelos erros mais acima)

    1. Pode sim. Mas não causou estragos. (A não ser que você considere um buraco no chão um estrago.)

      1. Oi, tirei uma foto da Lua no dia 06/09/2014, por volta de 17 horas, e junto dela aparece um pequenino círculo escuro. Seria Netuno? Obrigada, Ana Caperuto

        1. Ana, creio que não. Não daria para obter o aumento necessário para visualizar Netuno e enquadrá-lo junto com a Lua na mesma foto.

          1. Obrigada pela resposta. Porém, será que posso enviar a foto para você dar uma olhada? Ana Caperuto

  6. Só a título de informação, a foto da Lua perto do Cristo Redentor é geralmente feita ou na praia de Botafogo ou na Praia vermelha e de madrugada, no Pôr da Lua.
    No caso da de amanhã será possível vê-la pertinho do Cristo na praia Vermelha lá pelas 5:00 am.

    Não é possível ver o nascer de uma lua cheia como na foto do Cristo acima, a não ser que vc esteja numa dessas montanhas da floresta da Tijuca.

    3. Já que a lua não caiu, pede pro seu pastor organizar umas aulinhas na igreja. De português, claro.

  8. TODOS OS DIAS DE LUA CHEIA EU FICO ESPERANDO PARA MOSTRA UMA DAS MAIORES NOTAS DE DINHEIRO NA CARTEIRA, E DIGO,LUA CHEIA LUA LUA LINDA VOCE DAR VOLTAS NA TERRA QUANDO VALTAR O MES QUE VEM ME TRAGA TODOS PRIMINHAS DESTA NOTA PARA MIM. E ASSIM VOU ACUMULANDO BENS E PROGRESSOS. MUITOI OBRIGADO, OBRIGADO,OBRIGADO

    1. Ah sim, o fato de você trabalhar não contribui em nada com isso né? Apenas com a simpatia você obtém resultado. Por um acaso você também não sai de casa sem antes “dar uma olhadinha” no horóscopo né?

      ¬¬

  9. Fui pego de surpresa por ela, ao olhar pela janela de minha casa. Fiquei totalmente sem reação… Lua linda!

    Salvador, se possível, comente aqui no blog um pouco mais sobre a matéria da Super do mês passado, da nave com motor de dobra do Dr. Harold White!

    1. Thauan, vou abordar em breve a história da dobra espacial. Guenta mais um pouquinho! 😉

  12. Poxa Salvador…

    Tentei ver o asteróide e… nada! =(

    Mas esse evento, com toda a certeza, vou assistir!

    Valeu a dica!

  14. parabéns pelo artigo! bacana ler um artigo que discorre de maneira simples e clara sobre um assunto complexo, que muitas vezes cai no pedantismo pra ninguém entender mesmo, só quem é do ramo…

  17. Obrigada Salvador, vou observa-la nesses horários, e amanha cedo, quando saio para o trabalho, ela estará já a oeste…bem em cima da minha casa em S.B.do Campo. Eh lindo realmente…(mas se tiver nuvens…adeus babau…)rrrsss

  18. Tive a curiosidade de ler esta matéria, pois estou exatamente em um dos países que mais cativam este momento, a China. Hoje 08/09 aqui em Shenzhen é feriado pelo motivo deste fenômeno maravilhoso. Parabéns pelo texto.

  19. Excelente matéria, redação incrivelmente simples e muito esclarecedora, em linguagem que certamente atende qualquer tipo de pessoa, por mais que esta seja “avoada”. Da sacada do apto onde moro o leste fica quase que em frente, aí hoje por volta das 20h00 ali ficarei para as contemplações e, por que não, imaginar como serão outros mundos do gigantesco universo. Parabéns Salvador Nogueira(não creio que tenhamos algum laço de parentesco.rsrsrsrs).

  21. Estive sábado lá no Metrô Jardim São Paulo para observar a Lua com o pessoal do CASP.. coisa mais linda de se ver!

    Aguardando ansiosamente pelo próximo TR!

    😉

  24. Muito boa a matéria, escrita com propriedade e clareza, vai ser uma boa opção para os namorados contemplarem a beleza e romantismo de uma noite de luar. um abraço e parabéns.

  25. Bom dia Salvador!

    Como sempre uma redação super agradável para a leitura, sejam para leigos como eu, para os mais aculturados na astronomia ou mesmo para os românticos. Parabéns!

    1. De maneira egoista me incluo entre os románticos. Ah! Velhos e novos episódios…
      Em alegres ondas a memoria me traz minha namorada, à beira d’água, vestida apenas com a luz dessa lua…
      “O tempora, o mores”… mas sem nada, nadinha mesmo a deplorar.

      1. Lúcifer, Lúcifer… Não te imaginava tão romântico… saindo das profundezas quentes para curtir a luz da lua tão bela e fria…

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