O ataque dos alienígenas requentados

Salvador Nogueira

A internet foi tomada por um furor viral alienígena no fim de semana. Por uma razão ainda pouco compreendida pela ciência, alguns tabloides britânicos, dentre eles o “Daily Mail”, resolveram requentar um estudo controverso de 2013 em que um grupo de pesquisadores diz ter colhido amostras biológicas extraterrestres em um voo estratosférico de balão. Outros veículos de comunicação seguiram a mesma trilha, replicando a história, e diversos leitores bateram à porta do Mensageiro Sideral em busca de explicações. Então, vamos a elas.

Seria essa bolinha de titânio cheia de gosma um ET? Sei não... (Crédito: Universidade de Birmingham)
Seria essa bolinha de titânio cheia de gosma um ET? Sei não… (Crédito: Universidade de Birmingham)

Para começo de conversa, já falamos desses caras por aqui dois anos atrás, comentando o mesmo experimento de balão, mas tratando de outro resultado, um mais decididamente biológico (ainda que provavelmente inteiramente terrestre). Naquela ocasião, fiz a maior força do mundo para tentar levá-los a sério, explicando todos os possíveis furos (leia aqui). A coisa, como você pode imaginar, não mudou muito dois anos depois.

Segundo o “novo-velho” artigo “científico”, que você pode ler aqui, eles encontraram uma bolinha de titânio e vanádio que colidiu com o coletor de amostras deles no balão em alta velocidade, abrindo uma pequena cratera. Quando a tal bolinha, com apenas 0,03 mm de diâmetro, foi extraída para estudo, ela começou a vazar uma gosma orgânica pegajosa, supostamente de origem biológica.

A hipótese mais provável, segundo afirmam os pesquisadores no artigo, é que a tal bolinha seja uma forma de vida alienígena que caiu literalmente do céu e se chocou contra o balão. De acordo com o trabalho, ela deve ter vindo de um cometa.

Não chega a ser uma surpresa. Esse grupo, liderado por Milton Wainwright e Chandra Wickramasinghe, da Universidade de Birmingham, há tempos defende a ideia de que vida chove do espaço o tempo todo, principalmente carregada por cometas. O que é surpreendente é o novo rumo que a história ganhou agora, com uma hipótese adicional que não consta do artigo original: a de que a tal cápsula poderia ser um artefato criado por alienígenas inteligentes para disseminar vida na Terra.

OK, ESTÁ AÍ AINDA?
Começando pelo fim. Existe alguma evidência concreta de artificialidade nessa esfera de titânio? A resposta é “não”. E uso o que o próprio Wainwright disse ao “Daily Mail”. “A não ser, claro, que possamos encontrar detalhes da civilização que supostamente enviou isso, essa é provavelmente uma teoria que não pode ser provada.”

Certo, só para permanecermos todos na mesma página, teorias que não podem ser corroboradas, ou mesmo refutadas, não são ciência. (Design inteligente, alguém?) Se o próprio autor da pesquisa admite que a ideia de origem artificial é só especulol, deixemos isso para lá.

Vamos à próxima pergunta. Existe alguma evidência concreta de que essa esfera de titânio tenha mesmo algum tipo de vida? A resposta é “não”. Eles sabem que o conteúdo que vazou de dentro dela é rico em carbono, mas até aí fuligem também é rica em carbono e não está viva. Eles se baseiam tão somente na aparência do vazamento (aparências enganam numa escala de centésimos de milímetro) e na presença de carbono para dizer que pode ser um organismo vivo. (Aliás, curiosamente, veja o que os autores falam no artigo científico: “Titânio e vanádio são comuns na Terra e no cosmos, e também já foram encontrados em Marte e em cometas. Titânio também existe na Terra na forma de microsferas de dióxido de titânio feitas pelo homem e em fuligem derivada de carvão.” Embora eles em seguida digam que têm razões para acreditar que essa partícula deles é diferente dessas reconhecidamente terrestres, a coincidência é bastante curiosa, não?)

Eis que sobra a última pergunta. Existe alguma evidência concreta de que essa esfera de titânio, colhida a 25 km de altitude, tenha vindo mesmo do espaço? Na melhor das hipóteses, podemos nos sair com um “talvez”. Os pesquisadores apontam no artigo que o evento de impacto — a cratera aberta no coletor do balão — “só poderia ser causado por uma entidade chegando a velocidades de cerca de 1 km/s vindas de cima da estratosfera, dentro de um bólido cometário”. OK, se isso for verdade, a partícula provavelmente veio do espaço. Mas os cientistas não apresentam um experimento sequer que demonstre essa afirmação. Não seria difícil disparar microesferas de titânio numa placa de metal para ver que velocidade causaria aquele tipo de dano. Mas não temos nada, nem uma mísera citação de estudos anteriores, que acompanhe essa afirmação. Devemos aceitá-la pelo valor de face, sem testes? Eu não aceitaria.

UM PERIÓDICO “ECLÉTICO”
Por fim, ainda precisamos levar em conta onde os pesquisadores publicaram seu artigo: o infame “Journal of Cosmology”, que se diz uma publicação científica, mas reúne a mais variada coleção de disparates. Dando uma folheada virtual num de seus volumes mais recentes, encontrei desde um artigo tentando ressuscitar a polêmica dos experimentos de busca por vida das sondas Viking em Marte até um propondo um fenômeno atmosférico bizarro e com jeitão de Arquivo-X para explicar como o avião da Malaysia Airlines caiu chapado do céu e por isso não foi encontrado. (Sim, vocês que ainda estão preocupados com o destino desse avião, leiam o “Journal of Cosmology”!)

E adivinhe só quem é um dos editores do glorioso periódico? Chandra Wickramasinghe, não por acaso também autor do artigo publicado sobre a misteriosa bolinha de titânio! Assim é fácil, né?

Por todas essas razões, é preciso encarar os resultados com uma boa dose de ceticismo. Como o Mensageiro Sideral já disse lá atrás, em 2013, a hipótese de que a vida vem do espaço não é por si só absurda. Até mesmo a ideia genérica de panspermia dirigida (que pode tomar a forma de alienígenas fabricando bolinhas de titânio para contaminar planetas com vida) já foi defendida por gente graúda, como Francis Crick, sem ninguém dar risada (pelo menos na cara dele). Pode ser. Por que não? Será que não vamos acabar fazendo justamente isso em algumas décadas, espalhando vida terrestre por outros mundos?

O que Wainwright e Wickramasinghe precisam entender é que não basta que a ideia seja possível — é preciso que ela seja, no mínimo, mais provável que outras alternativas mais prosaicas, para ter validade científica num contexto de pesquisa. No caso em questão, eles estão longe de demonstrar isso. Continua sendo muito mais fácil tudo que eles acharam lá em cima ser contaminação terrestre, a despeito de não conhecermos mecanismos atmosféricos capazes de explicar como essas partículas iriam atingir essas altitudes vindas de baixo. (Na semana passada, falamos de nuvens marcianas ultra-altas que também não têm um mecanismo conhecido e, no entanto, estão lá. Faz parte da ciência ser menos criativa que a natureza. E não custa lembrar também que a sonda Stardust, da Nasa, colheu poeira de cometa no espaço, longe da Terra, e não trouxe de volta nenhuma bolinha de titânio cheia de gosma dentro.)

É isso. Agora retornamos à nossa programação normal.

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Comentários

  1. Salva, é velho mas vale a pena mencionar (para os que cairem aqui oriundos do Google, por exemplo):

    http://revistagalileu.globo.com/Ciencia/Espaco/noticia/2015/02/esfera-de-metal-vinda-do-espaco-expele-material-biologico-e-intriga-cientistas.html

    Postaram um “Update”:

    UPDATE: Gostaríamos de acrescentar a esta história algumas considerações que são de suma importância mas que ficaram de fora do texto que você acaba de ler. Um bom ponto de partida seria a frase tornada popular pelo astrônomo Carl Sagan: “Alegações extraordinárias requerem evidências extraordinárias”.

    Apesar de a hipótese da panspermia dirigida ser plausível e apoiada por pesquisadores de peso, ela certamente é uma alegação extraordinária, que exige, portanto, evidências que sejam da mesma natureza. E o artigo assinado por Wainwright e seus colegas vem acompanhado de algumas controvérsias e inconsistências que não podem, de forma alguma, ser desconsideradas. Vamos, então, a uma análise mais cética da descoberta.

    A primeira e maior das controvérsias é o periódico no qual foi publicada. O “Journal of Cosmology” é conhecido pelo caráter duvidoso dos estudos veiculados. Pouco se sabe sobre seu processo de revisão por pares, fundamental para a manutenção do rigor científico, e as pesquisas sobre astrobiologia que publica normalmente são enviesadas para corroborar a tese da panspermia.

    Há dois anos, Wainwright co-assinou um artigo no veículo onde alegava ter coletado bactérias alienígenas na estratosfera terrestre, descoberta que não chegou a ser comprovada por falta de provas concretas. O pesquisador indiano Chandra Wickramasinghe, também da Universidade de Buckingham e um dos autores da pesquisa sobre a esfera de titânio, é editor do Jounal of Cosmology – ele tenta há décadas comprovar que a Terra é bombardeada por microorganismos vindos, sobretudo, de cometas.

    O próprio Wainwright destacou ao Daily Mail a natureza improvável da hipótese: “A menos que possamos descobrir detalhes sobre a civilização que supostamente enviou a esfera, esta provavelmente é uma teoria que não se pode provar”, disse. O estudo também é pouco científico ao afirmar que a esfera só pode ter vindo do espaço sem antes ter conduzido experimentos para chegar a esta conclusão.

  2. nosssaaaaa … bolinhas de titânio…!!!! com gosma…. ecaaaaa que nojo… que povo estranho!!! eu to achando que esse povo aí que se preocupou tanto com essa bolinha… deve ser um álien, um et ou coisa parecida… aaafff rs rs

  3. Gente, quem é apreciador da ciência e do estudo do desconhecido tem que ter a mente aberta para os mais diversos assuntos.
    Na minha concepção, não é difícil recusar tal idéia. Imaginemos:
    Aproveitando-se desta matéria, quem sabe, em um tempo qualquer, o homem crie uma forma de criar um “OVO de Titânio e Vanádio” de forma a abrigar um óvulo fecundado e do espaço começar a mandá-los para os exoplanetas na esperança de semear a vida terrestre pelo espaço, uma vez que as viagens ainda são impossíveis dado às limitadas capacidades científicas que possuímos.
    Em se tratando de natureza, universo, galáxias, planetas, tudo pode ser possível, na minha opinião.
    Abraços…

  4. Pesquisa sem embasamento e critério científico.

    “O que é afirmado sem argumentos, pode ser descartado sem argumentos.” (Navalha de Hitchens)

  5. Coincidência ou não, e também a despeito da veracidade da matéria, na semana passada tive um sonho com um rastro de fogo no céu que ia adquirindo uma forma cônica, e no final surgiu uma espaçonave, em forma de anéis, e um corpo central. Após ela sobrevoar o campo aberto em que me encontrava ela lançou uma ‘chuva’ de bolinhas sobre a terra, sendo que uma delas bateu em meu rosto estourou e saiu um gás de dentro dela, vindo a aspirá-lo. A partir deste momento passei a ver seres estranhos que desciam a terra. Comentei com familiares pois durante alguns dias fiquei com a repetição do sonho durante o dia, e agora surge essa matéria. Enfim…

  6. Comentei agora a pouco em outro site o estardalhaço que a mídia costuma fazer com certas informações científicas.
    Dei até o exemplo de uma descoberta de um suporto planeta em uma suposta zona habitável e logo me surgem milhares de notícias com fotos de um planeta lindo, parecido com a terra, crianças correndo e brincando em uma bela tarde de domingo.
    Mas eles esquecem que Vênus e Marte estão em uma Zona habitável e nem por isso tem tão belas tardes de domingo.
    Tudo deve ser visto com muita cautela, mas isso não dá audiência, não é mesmo?

  7. Mas, então.? E….Acho que desta vez o autor o colunista não acrescentou nada. Gosto do blogo, mas desta vez perdí meu tempo Quem lê este blog quer informação séria, e não ironia

    1. ele não conseguiu interpretar o texto e perceber a importância do post, senão não teria vindo aqui pra dizer merda

  8. Tambem acho eu pouco provável que esta esfera de titanio realmente traga vida de outro planeta, porem acho impossivel em um universo tao grande nao haver vida (qualquer especie de vida) em outros lugares a nao ser o nosso proprio planete, quem duvida disso mostra o tao grande a falta de conhecimento que tem sobre o assunto, alem do mais o inicio de vida de nosso planete so foi possivel porque veio do ceu a materia prima da vida que foi forjada nos oceanos, e deu origens a organismos vivos, logo penso eu que poderia sim ser perfeitamente possivel a vida literalmente cair do ceu.

  9. O problema é que esses pesquisadores tem fé que a vida veio de fora da Terra. Se for analisar bem, isso em nada se diferencia do comportamento dos cristãos, que querem ver uma “obra divina” em qualquer descoberta da ciência.
    Dai pergunto, qual a diferença entre os cientistas desse artigo e os cristãos?
    Ao meu ver não há nenhuma diferença, pois ambos fecham o horizonte das possibilidades e da experimentação, em busca de uma comprovação cega e desesperada de que sua “fé” é baseada em um fato real e não em uma ilusão.

    1. Eu sou Cristão, acredito no BigBang, acredito que existe a possibilidade de a vida ter vindo de fora da terra e também acredito que Deus não joga dados com o universo.
      Fé em Deus não anula a ciência e vice-versa.

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