Deu tilt no Universo? Hubble vê a mesma supernova em quatro lugares

Salvador Nogueira

Usando o Telescópio Espacial Hubble, astrônomos detectaram quatro imagens diferentes e quase simultâneas da mesma explosão colossal de uma estrela, ocorrida cerca de 9 bilhões de anos atrás, quando o Universo tinha apenas um terço de sua idade atual. Peraí, para tudo. Como uma estrela pode estar em quatro lugares diferentes ao mesmo tempo? O que teria acontecido? Deu pau na Matrix? Superfaturamento de supernovas? Nada disso. É apenas a incrível teoria da relatividade geral em ação.

Uma única supernova aparece em quatro lugares diferentes. Como pode? Einstein explica. (Crédito: Nasa/ESA)
Uma única supernova aparece em quatro lugares diferentes. Como pode? Einstein explica. (Crédito: Nasa/ESA)

O fenômeno, conhecido como lente gravitacional, é um dos mais interessantes previstos pelas equações de Einstein. E não é difícil entender o princípio. É em essência a ideia de que qualquer massa presente no espaço curva ligeiramente os raios de luz que passam perto de si e com isso faz o mesmo papel de uma lente de óculos, que desvia ligeiramente a luz para colocar a imagem em foco na sua retina. (Complicando um pouco mais, e sendo absolutamente preciso, a presença de massa não entorta o raio de luz, mas na verdade deforma a curvatura do próprio espaço-tempo. Ou seja, a luz segue, como sempre, viajando em linha reta, mas o espaço em si é que se entorta, levando-a a tomar uma direção diferente. Muito louco, não?)

Foi basicamente isso que o Hubble flagrou. Uma supernova — a explosão violenta de uma estrela em colapso — aconteceu lá longe, e a luz desse evento partiu 9 bilhões de anos atrás. Mas, no meio do caminho até a Terra, 5 bilhões de anos atrás, esses raios luminosos cruzaram o caminho de uma enorme galáxia elíptica localizada num aglomerado de galáxias chamado MACS J1149+2223, e aí rolou uma lente gravitacional. O desvio dos raios de luz aconteceu por todas as bordas da galáxia e o resultado foi a produção de quatro imagens diferentes da mesma supernova.

A geometria da lente gravitacional e suas múltiplas imagens da supernova. (Crédito: Nasa/ESA)
A geometria da lente gravitacional e suas múltiplas imagens da supernova. (Crédito: Nasa/ESA)

Uma das coisas bacanas das lentes gravitacionais é que, ao desviar os raios de luz, elas ampliam a imagem. E essa é a razão pela qual o fenômeno pôde ser bem observado — sua luminosidade foi aumentada por um fator de 20 ao passar pelo aglomerado galáctico.

EM CARTAZ NUM TELESCÓPIO ESPACIAL PERTO DE VOCÊ
Foi uma baita surpresa para o grupo de astrônomos que trabalha justamente num projeto que caça lentes gravitacionais, na esperança de dar uma bisbilhotada mais poderosa sobre objetos celestes extremamente distantes e antigos. Nunca antes na história deste planeta a explosão de uma supernova havia sido flagrada em múltiplas imagens numa lente gravitacional. Já havia acontecido com galáxias, mas com uma explosão estelar é a primeira vez.

E por que isso é tão especial? Ocorre que uma supernova é um fenômeno que dura um tempo relativamente curto, e cada uma das quatro imagens observadas da supernova chegou a nós separada por algum tempo. “As quatro apareceram a poucos dias ou semanas uma da outra e as encontramos depois que haviam aparecido”, explica Steve Rodney, da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, um dos autores do trabalho. Isso acontece porque a quantidade específica de matéria (principalmente matéria escura) na região do aglomerado atrasa a chegada de alguns raios de luz, comparada a outros. É quase como um filme que é repetido diversas vezes para nós. Aparentemente, observações antigas revelam que ele já está em cartaz pelo menos há uns 20 anos, quando uma única imagem dele apareceu no aglomerado. E o mais empolgante: espera-se que ela reapareça pelo menos mais uma vez nos próximos cinco anos. Agora, sabendo onde olhar, vamos poder flagrar o evento do começo ao fim.

Além disso, medir as variações nas aparições ajuda a mapear a distribuição de matéria escura no aglomerado de galáxias — uma mão na roda, considerando que não há meio conhecido de detectar matéria escura, salvo por suas influências gravitacionais.

A descoberta foi reportada na última edição da revista científica americana “Science” e a supernova ganhou o apelido de Refsdal, em homenagem ao astrônomo norueguês Sjur Refsdal, que propôs, em 1964, o uso de imagens sucessivas de uma supernova geradas por lente gravitacional para estudar coisas como o ritmo de expansão do Universo. Meio século depois dessa previsão, e cem anos depois que Einstein formulou a teoria da relatividade geral, a ambicionada supernova foi encontrada. Já não era sem tempo. Quer dizer, já não será sem tempo — porque o melhor a respeito dela ainda está por vir. Coisas deste Universo fascinante em que vivemos.

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Comentários

  1. Salvador, a diferença de tempo entre o surgimento das imagens não pode, também, ser atribuída ao fato dos feixes percorrerem caminhos diferentes para chegar a nós? Semanas são um nada quase absoluto no espaço-tempo cósmico e as distâncias das trajetórias da luz (formando triângulos com a linha imaginária que nos liga à supernova) são imensas, tendo em vista as dimensões da galáxia que nos serve de lente.

    Belo “post”, Salvador, e é sempre fantástico ver como existe mesmo essa curvatura do espaço-tempo, pois os fótons não têm massa e são desviados por grandes massas! Parece mágica, mas é um fato real!

    1. Mas é isso mesmo, Radoico. Dependendo da curva, o percurso é maior ou menor. 😉

  2. Boa tarde!
    Que descoberta…Mais uma de Hubble. Li não me lembro onde que a Nasa pretende aposentá-lo logo. Isso é verdade? Na internet, já viu, né…
    Abraços

    1. O Hubble segue em atividade até hoje porque sofreu reparos e atualizações periódicas por astronautas. Sem o ônibus espacial, isso não é mais possível, de forma que é inevitável que ele seja aposentado nos próximos anos.

      1. O James Webb não substituirá todas as funções do Hubble.

        Além do mais, ele não terá reparos, logo durará apenas 10 anos.

        Acho que o Hubble ainda é uma boa aposta.

        1. Mas o Hubble também está órfão de manutenção com a aposentadoria dos ônibus espaciais…

  3. Incrível, mais um fenômeno observado que implica numa interação da matéria obscura.
    Mais incrível ainda saber que há décadas atrás alguém (Redsfal) vislumbrou o fenômeno e inferiu utilidades dele para a Cosmologia.

    Questionam os propósitos de tão altos investimentos em sondas, telescópios espaciais e observatórios.
    Respondo, é daí que a Humanidade aprenderá a dominar energias em quantias “astronômicas” literalmente!

    Aquela definição singela e concisa de Energia se faz valer, realizaremos obras colossais, iremos mais rápido, mais longe, certamente indo onde nenhum homem jamais esteve…

    Hahaha, me perdi…
    Abraços, ótima Quarta-feira à todos.

  4. Pensem na raridade desse achado.
    1. Após atravessar 9 bilhões de anos luz no espaço, nós estarmos com nossos grandes telescópio no exato momento que essa luz de curtíssima duração (em termos cósmicos) passa pelo nosso planeta.
    2. Estamos diante dessa lente gravitacional na posição exata para a formação das 4 imagens.
    3. Estamos exatamente no foco de convergência dessa luz que veio lá dos confins do universo.

    É um prêmio da mega sena esse achado. 🙂

    1. O 3° item creio estar errado. Todos os pontos do universo podem ser considerados como o “centro do universo”, logo, todos os pontos são pontos de convergência.

  5. Tô imaginando aquelas fotos panorâmicas que a gente tenta fazer, correndo em círculos…rs…que doideira!

  6. Uma visão poética.

    As imagens repetidas da supernova se igualam há um rastro, parece até com aquilo que chamamos de poeira estelar, sabendo que tal poeira não interage com a massa ou energia escura, toda essa “poeira” formada pela explosão servirá para formar novas estrelas, novos planetas, no eterno ciclo na vida, e será assim até que os seres humanos não interfiram e acabem com o ciclo natural das coisas, assim como vemos atualmente aqui na Terra.

  7. Boa tarde Salvador!
    Notícia meio off topic, mas pode ser interessante pra você e para os frequentadores do Mensageiro Sideral: o Observatório Nacional está com inscrições abertas para o curso gratuito à distância “Cosmologia: do início ao fim do universo”. Mais informações em http://www.astroaprendizagem.on.br/daed
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    1. Legal! No post anterior também foram avisar! É uma oportunidade bacana mesmo! Abraço!

  8. Então Salvador digamos que (a grosso modo falando) essa lente gravitacional seria uma Lente de óculos que está paralelamente a linha reta do raio que incidiu no Hubble, sendo que a lente é curva (concava) e que a a cada raio que passou em determinada linha dessa lente (sendo pela borda ou pela altura dependendo do eixo em questão) e tenha viajado com uma pequena diferença de tempo devido ao caminho percorrido por ela até seu ponto em comum que nesse caso foi o telescópio, isso sem contar com as interpéries espaciais como poeira nuvem de gases entre outras coisas correto…

  9. Ao ler este post, impossível não reconhecer o gênio Einstein. Que cérebro tinha esse homem.

  10. Salvador, boa tarde. permita-me formular uma pergunta a cerca de uma situação hipotética. Imaginemos uma civilização num planeta a 1000 anos luz daqui. Caso estes ets. estejam nos observando com telescópios mega, mega potentes neste momento, o que eles realmente detectam é o que aqui ( na terra) ocorria no ano de 1015. Assim sendo, pergunto e digo: Tudo o que já aconteceu em nosso planeta terra de alguma forma esta registrado na LUZ refletida do SOL pela Terra? Ou seja tudo um dia será devidamente provado.

    1. Mesmo que se imagine um telescópio ultrapotente, acho difícil que ele consiga colher luz suficiente para distinguir eventos históricos na Terra. Mesmo hoje, do espaço próximo à Terra, temos dificuldades em enxergar o impacto da nossa espécie sobre o planeta. Seria fácil determinar que há vida na Terra. Mas eventos históricos, complicados. Sem falar que jamais teremos acesso a essas imagens, a não ser que os ETs as tenham gravado e possam nos enviar num ponto futuro. Mas se formos nós a colocar o telescópio a mil anos-luz daqui, precisaremos de mais de mil anos para chegar lá.

          1. Faz muito sentido sim.

            Salvador, aproveitando o assunto, é possível armazenar essa luz que captamos pelos telescópios?

            Por exemplo, capturamos vários feixes de luz, armazenamos e aos poucos eles são analisados.

            Faz sentido?

          2. Acho que não. Mas, de certa medida, é o que se faz, aumentando a exposição para fazer o registro dos poucos fótons que nos chegam desses objetos distantes. Mas não armazenamos a luz em si, apenas o registro que ela deixa ao ser colhida no telescópio.

          3. Toda a astronomia hoje se baseia no registro em imagens e em gráficos captados por telescópios e radiotelescópios.

            Como disse o Salvador, não armazenamos a luz, mas seus efeitos em materiais sensíveis a ela.

            Estamos apenas seguindo a orientação de Galileu Galilei: meça todas as coisas e se não puder medir, encontre um meio de fazê-lo.

      1. Muito obrigado Salvador. Agora , você é um gênio mesmo. Entender uma pergunta mal elaborada por um simples leigo- embora aficionado por cosmologia – e ainda responder com tanta clareza e elucidação denota o profissional certo no lugar.

  11. Salvador, se essa explosão acontece com a proxima Centauri, quais seriam os efeitos na Terra?

    1. Seria um horror, mas Proxima Centauri não só não tem como explodir assim, como vai viver muito mais que o Sol. 😉

      1. Quero dizer, há a possibilidade de impacto nos arredores do sistema solar?

        (As vezes penso que o Salvador lê o futuro e sabe o que vai acontecer :P)

        1. Bem, produziria uma nebulosa planetária que ia acabar se dispersando no meio interestelar, mas acredito que sem grandes impactos para as vizinhanças.

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