São as águas de Marte fechando o verão. É promessa de vida?
Dados colhidos por uma espaçonave da Nasa confirmam que fluxos de água salobre escorrem pela superfície de Marte todos os verões. O achado aumenta dramaticamente a possibilidade de que exista, ainda hoje, alguma forma de vida no planeta vermelho.
O estudo, liderado por Lujendra Ojha, do Instituto de Tecnologia da Georgia, em Atlanta, acaba de ser publicado online pela revista científica “Nature Geoscience”. A Nasa também preparou uma entrevista coletiva para anunciar os resultados. Aliás, muita gente passou o fim de semana roendo as unhas depois que a agência espacial americana anunciou que um “grande mistério marciano” seria solucionado nesta segunda-feira.
O tal mistério é conhecido entre os especialistas pela sigla RSL (recurring slope lineae, ou linhas recorrentes de encosta). São faixas estreitas que aparecem na borda de algumas crateras e em algumas montanhas de forma sazonal — crescendo e se aprofundando no verão e depois suavizando e sumindo durante o inverno. (O ano marciano tem 687 dias terrestres, de forma que as estações duram lá praticamente o dobro das nossas aqui.)
Descobertas em 2011 pelas imagens do poderoso satélite Mars Reconnaissance Orbiter (MRO), essas linhas recorrentes sempre pareceram evocar a presença de água. Que outro mecanismo poderia produzi-las? Tanto o fato de serem sazonais, como sua aparência e a coincidência com os períodos mais quentes (em alguns momentos atingindo temperaturas acima de 0 graus Celsius, o que para Marte é um calorão) pareciam apontar para água.
EM BUSCA DE PROVAS
Mas sabe como são os cientistas, né? Eles não aceitam algo que “pareça ser”. Eles querem evidências que confirmem a hipótese. E é bom que sejam assim. É assim que distinguimos afirmações absurdas (do tipo “colher é vista em fotos de jipe marciano”) daquelas que realmente param em pé.
Pois bem. Para as linhas recorrentes, as evidências apareceram graças a um esforço de correlacionar as imagens em alta resolução da superfície de Marte feitas pela câmera HiRISE, do MRO, com um outro instrumento do satélite, o CRISM (sigla para Espectrômetro de Imageamento de Reconhecimento Compacto para Marte). Em essência, o que ele faz é observar a superfície e, de cada pixel detectado, fazer uma medição completa da luz detectada, dividida em suas cores componentes (o chamado espectro). Ao analisar linhas escuras nesse espectro, os cientistas são capazes de dizer que substâncias estão emitindo a luz detectada.
Uma pegadinha que sempre dificultou o trabalho é que as linhas são muito estreitas (têm menos de 5 metros de largura), e o CRISM tem resolução menor do que a câmera HiRISE. Ou seja, era complicado extrair a informação relativa às ranhuras. Mas o grupo liderado por Ojha conseguiu isso, ao desenvolver uma técnica para extrair informação espectral de cada um dos pixels individuais dos dados do CRISM (originalmente o instrumento foi pensado de forma a tirar uma média de vários pixels circundantes para evitar falsos positivos nas identificações).
E o que eles encontraram? No local das ranhuras, houve detecção de sais hidratados — mais especificamente clorato de magnésio, perclorato de magnésio e perclorato de sódio. Nos terrenos adjacentes, nada deles.
Os pesquisadores analisaram quatro sítios diferentes em que as ranhuras costumam aparecer — as crateras Palikir, Horowitz e Hale e a parede do cânion Coprates. Nos quatro, o mesmo padrão de detecção. Com a detecção dos sais hidratados, não há outra explicação; água passou por ali. “Nossas descobertas apoiam fortemente a hipótese de as linhas recorrentes de encosta se formam como resultado de atividade de água contemporânea em Marte”, concluem os pesquisadores em seu artigo na “Nature Geoscience”.
DE ONDE VEM A ÁGUA?
Esse é o fim de um mistério, mas também é o começo de outro. Se agora já sabemos — tão certamente quanto se pode determinar da órbita marciana — que a água flui todo verão nessas ranhuras, ainda não temos a mais vaga ideia de onde o líquido está indo.
Algumas hipóteses estão na mesa. Pode ser gelo, sob o solo, que derrete no verão. Note-se que a presença de sais na água reduz significativamente o ponto de congelamento, tornando mais fácil sua transição para o estado líquido. Ainda assim, os cientistas acham improvável que o gelo possa estar tão perto da superfície em regiões equatoriais.
Alternativamente, eles evocam a possibilidade de algum aquífero subterrâneo, mas também é uma ideia meio estranha. Por fim, há a perspectiva de que a água se forme a partir da atmosfera — vapor d’água que se condensa em torno dos sais e produz as ranhuras. “É concebível que as RSL estejam se formando em partes diferentes de Marte por mecanismos de formação diferentes”, apontam os cientistas. Em essência, um jeito chique de dizer que eles não sabem ainda como a coisa funciona.
O mais incrível, no entanto, é a comparação que eles fazem com que acontece no deserto do Atacama, no Chile. Lá é tão seco que o pouco vapor d’água do ar se condensa em torno de grãos de sal no solo e “oferece o único refúgio conhecido para comunidades microbianas ativas”.
Ojha e seus colegas asseveram que, se esse é o processo de formação dos fluxos de água salobre de Marte, ele talvez seja fraco demais para suportar formas de vida terrestres conhecidas. Contudo, é impossível não imaginar que talvez, apenas talvez, essas ranhuras sejam um possível habitat para bactérias marcianas.
Isso abre incríveis perspectivas para do ponto de vista da astrobiologia. Na Terra, podemos simular esses ambientes marcianos e verificar se nossos extremófilos (criaturas que adoram viver em ambientes extremos) encarariam a parada. Em Marte, temos de ambicionar futuras missões robóticas (e quiçá tripuladas) que possam estudar de perto esses fluxos de água e possivelmente enviar amostras de volta para cá.
Só de pensar que, para 2018, a Agência Espacial Europeia estará despachando para Marte o seu jipe robótico ExoMars — o primeiro veículo projetado para detectar possíveis sinais de vida no planeta vermelho desde as sondas americanas Viking, em 1976 –, o Mensageiro Sideral já fica arrepiado. Alguém mais aí está ansioso para saber o que ele irá descobrir?
Sinceramente, achei mais interessante o título do que a reportagem. Muito inteligente – parabéns!
Salvador, li na Folha de hoje (29) a matéria que você escreveu, sobre as águas de Marte. Mas escrevi no “Comunicar erros” lamentando que no jornal a editoria mudou a belíssima manchete… Que caretas!
Mas elogiei que lhe deram bastante espaço para dar uma informação completa ao leitor.
Heheh, o jornal não comporta aquela brincadeira com o título! 🙂
A ciência nasceu e desenvolveu-se e ainda desenvolve-se em função de erros e acertos e muita pesquisa.
No que tenho acompanhado nas últimas décadas, os cientistas acham que para se ter vida em outros planetas do sistema solar, estes deverão ter as mesmas condições das que têm na Terra, ou semelhantes a ela.
Depois desse achado explicitado acima, ainda não me convenceu que existe vida, que seja mesmo microbiana, em Marte.
Acredito sim, que exista, inclusive, vidas em outras partes do universo. Estão aí os óvni’s para provar essas vidas extra terrenas.
Sou mais cauteloso quanto a Marte. Vamos aguardar um pouco mais.
Grande Salvador,
Repetindo o que vários já registraram: congratulações pelo blog eu lhe devo sempre, mas esse título merece palmas à parte.
E de pé.
Saudações.
Valeu! O título fez sucesso mesmo! 🙂
O título foi uma sacada genial. Parabéns pelo ótimo trabalho, Salvador!
Valeu!
A forma estreita como nós seres humanos analisamos a vida reduz drasticamente as possibilidades de encontrar novas formas viventes. As formas viventes terráqueas são baseadas no carbono, oxigênio, hidrogênio e nitrogênio, forma totalmente adaptada ao ambiente da terra. Quem disse que em marte ou qualquer outro astro a vida vai ser igual à nossa? quando expandirmos nosso espectro analítico, teremos imensas surpresas!!!!!!!!!!!!!
Prezados
A vida, na face do planeta Terra e na sua forma atual, é regulada por seis fatores fixos e um variável que, no sistema Solar, apenas, a Terra tem.
A – FATORES FIXOS
1 – Tamanho do Sol
2 – Tamanho da Terra
3 – Distância entre o Sol e a Terra.
4 – Movimento de rotação da Terra
5 – Movimento de translação da Terra
6 – Inclinação do eixo da Terra em relação à ecllítica.
B – FATOR VARIÁVEL
1 – Composição variável do ar atmosférico da Terra.
Assim sendo, no sistema Solar é IMPOSSÍVEL a existência de vida igual ou semelhante a da Terra em qualquer outro planeta.
Mas, como há uma infinidade de galáxias é, perfeitamente, válido supor a existência de vida em outras galáxias e igual a da Terra, desde que as condições fixas e variáveis sejam idênticas às existentes no sistema Solar.
Por outro lado, apenas a existência de água não é determinante para termos vida semelhante a da Terra. É necessário a existência de gás carbônico na atmosfera. Para outro tipo de vida, quaisquer componentes são válidos.
Vicente, não sabemos quais são os fatores determinantes e quais são meramente concomitantes no surgimento da vida. Note que os fatores 4 e 6 são praticamente idênticos na Terra e em Marte (23h56 contra 24h39, 23,5 graus contra 24,9 graus), mas ninguém considera nenhum dos dois particularmente importante. (Claro, dias muito longos ou muito curtos não seriam tão bons, mas qualquer coisa entre, digamos, 10 h e 100 h parece adequada para a vida sem restrições.
Sobre gás carbônico, a atmosfera de Marte é praticamente só gás carbônico.
Salvador,mas não faz tanto tempo cientistas revelaram ter encontrado em Marte milhares de glaciares enterrados sob sua superfície, água congelada suficiente para cobrir o planeta com uma capa de gelo de 1,1 metro.Pergunta de um leigo:A descoberta de água liquida divulgada hoje, então não seria algo mais que esperado ? Ou seja,nada tão surpreendente.
É maomeno. Porque as condições da superfície em Marte não são muito amigáveis para água líquida (pressão atmosférica muito baixa, temperatura baixa e com muita variação diária). Então, isso aí é uma surpresa — mostra que, nas condições apropriadas de salinidade e temperatura, água ainda corre por Marte como líquido. E, claro, evoca perguntas ainda mais interessantes, como “De onde está vindo a água?”, “Tem muito mais dela por aí?”, “Tem água líquida sob o solo?”…
OK.Valeu.
É o fim das religiões monoteístas. Como os fundamentalistas – Malafaia, Califa Al-Baghadi, Netanyahu, etc. – vão explicar a Criação do mundo por Deus, agora?
As religiões monoteísta acreditam que Deus criou o Universo e não apenas a Terra!!!
Nossa, amigo?!
Só por que acharam uns “filetinhos” de água corrente em Marte, você decretou o fim das religiões? Tem anos-luz entre uma coisa e outra….
E mais uma coisa, se tem água em Bangú (bairro do RJ), o que dirá em Marte…..dá pra montar um Pq. Aquático…
É mesmo. Da mesma forma como as religiões monoteístas acabaram quando Galileu defendeu o heliocentrismo, quando descobriram o átomo, quando mandaram o homem à lua…
Não se preocupe, os religiosos encontrarão interpretações de seus livros sagrados e dirão que sempre esteve escrito que havia vida fora da Terra…
Carlos Henrique Xavier Endo, seu comentário demonstra extrema ignorância e profunda aversão a algo que você desconhece, mesmo a matéria não fazendo qualquer menção a religião, serviu de base para seu comentário desprovido de fundamentos é carregado de preconceito. Leia, se informe, pesquise, saia dos sites ateus e desvie sua mente de ideias de extremistas que creem que a ciência compete com a religião, dessa forma, talvez, passará ter argumento para contrapor “as religiões monoteístas”.
Notícia fantástica. Título da matéria super criativo. Muito bacana. Agora não deve haver vida né, pelo menos do jeito que a conhecemos, já que esses sais percloratos são extremante oxidantes…
Saudações, Salvador.
Uma pequena dúvida, a velocidade de transmissão dos dados da MRO é impressionantemente veloz como da New Horizons?
Bem mais depressa. Marte é mais perto. 😉
Mas pelo ano de lançamento, a conexão também é similar a discada, certo?
Não. O que determina a velocidade não é a tecnologia, é a distância. Relação sinal-ruído piora com a distância.
Uma transmissão espacial não é tão simples como as que ocorrem na Terra. Os sinais são os mesmos pulsos digitais mas transmitidos várias vezes. Depois, via algoritmos estatísticos, o sinal original é recuperado. As ondas de rádio são direcionadas para a Terra via antenas parabólicas de grande precisão para reduzir a perda de potência. O objetivo é obter ondas planas, que em teoria viajam sem dissipar potência. Mas nunca se chega a onda perfeita. Assim sempre ocorre a perda que logicamente cresce com a distância.
parem o marte que o Geraldo, está chegando
Mandem os paulistas para Marte e livre-nos de políticos tucanos quase ganhando as eleições presidenciais brasileiras. De quatro em quatro anos, os paulistas nos horrorizam com seus votos absurdos. Vão para Marte, paulistas!
Deixa de falar bosta, dia bunda já está com inveja
*sua
Bem tosco você hein? Mas como esse blog não é para discutir política, nem vou perder meu tempo…
realmente o título ficou perfeito!
Eu sou do tempo de Fred Hoyle, Arthur C. Clarke, Ray Bradbury, Carl Sagan, (cientista + ou -) e do pilantra Richard Dawkins, (virou um Edir Macedo ao reverso). Fred Hoyle era um grande Cosmologista, mas escrevia sobre o sistema solar e ficção científica (ótima) também. Arthur C. Clarke era cientista, escritor de ficção científica, e com Stanley Kubrick fez uma obra que é arte, é cinema (cinema NÃO é arte, a não ser Kubrick, Tarkovsky) tese científica e\ou experiência metafísica em forma de película de cinema. “2001”, A Space Odissey, claro.
Arthur C. Clarke dizia não acreditar em discos voadores, pq “já havia visto muitos” (fakes). E participou, como cientista, de um encontro científico com Sagan, Bradbury, e vários outros cientistas, de primeira categoria, que foi retratado em livro. 30 anos atrás, sobre Marte. Era puramente especulativo.
Aliás, Clarke, escreveu “As Areias de Marte”, hard sci-fi, ridicularizado por imaginar vegetação em Marte. HOJE, as fotos e descobertas de Marte mostram “coisas” estranhas, que parecem árvores, (há, até, um, aparentemente, túnel de vidro, QUE NINGUÉM SE ATREVE A COMENTAR O QUE SEJA, que eu tenha visto).
Então, antes de morrer, Clarke, comentando as fotos de Marte, do Orbiter, declarou que havia mudado de idéia sobre vida SUPERIOR À BIOLÓGICA, em Marte. Passou a acreditar.
E parou de ridicularizar os Discos-Voadores.
Dizem que ele fazia parte da “conspiração”…
O fato, digamos assim, É QUE NADA SABEMOS SOBRE A EXISTÊNCIA DO UNIVERSO (vide Plutão e Caronte e New Horizon), mas a chamada “CIÊNCIA” procura monopolizar o chamado “CONHECIMENTO”.
NÃO ESTOU FALANDO DE RELIGIÃO, NÃO SENHOR.
Se bem que a autoproclamada “CIÊNCIA”, de, p.ex. DAWKINS, virou “RELIGIÃO”.
SABEMOS NADA.
O QUE É MECÂNICA QUÂNTICA ? NINGUÉM SABE. MAS SE FALA MUITO A RESPEITO…
QUEM SABE O “STEADY UNIVERSE” não seja tão absurdo afinal. Parece existirem tantos…
Ah ! sim ! ÀGUA EM MARTE. ALGUÉM DUVIDAVA ? HÁ TAMBÉM NA LUA, E NAS LUAS DO SISTEMA SOLAR.
E, agora, também em Plutão e Caronte.
Sabemos NADA. Stephen Hawking anda dando bons palpites. No chutômetro.
A “CIÊNCIA” é insuficiente.
Mas é apenas o que temos.
“NADA É MAIS REAL QUE A FICÇÃO CIENTÍFICA”.
— Arthur C. Clarke —.
Belo texto SÉRGIO ROSWELL!!
As vezes eu me pergunto, não estaria a “ciência” copiando a ficção?? Não o contrario!! Pois muito do cinema está a se realizar ou a balizar certos experimentos científicos. Parabéns Salvador pela reportagem. Abraço.
“Em um lugar escuro nos encontramos, e um pouco mais de conhecimento ilumina nosso caminho.”
Yoda
Cada vez, convenço-me mais de que tudo que pensamos/imaginamos, existiu, existe ou existirá. Livros e filmes nos antecipam realidades. ‘Eu contenho o todo. E o Todo me contém’. Não é assim, Salvador Nogueira?
Difícil dizer que tudo que imaginamos existiu, existe ou existirá. Eu diria que muitas coisas que imaginamos nunca existirão, mas muitas outras que sequer imaginamos sempre existiram. E isso torna tudo ainda mais divertido. 😉
Discos voadores continuam sendo besteira, e não tem árvores e nem tunel de vidro em Marte, isso é o mesmo efeito que faz pessoas verem animais e rostos em marte, pura pareidolia. Se um dia tiver árvores em marte, serão plantadas por nós.
A propósito, Salvador. Já fez uma resenha sobre o livro do Andy Weir (e sobre o filme correspondente)? hehehe.. Ridley Scott teve sorte, logo na semana do lançamento do seu longa é publicada essa descoberta!
Ou será que foi premeditado? (conspiracionismo mode on)
Acho que usaram uma sinergia aí… rs
Eu confio mais na Agência Espacial Europeia. Foi ela quem revelou a existência de água em Marte.
Mark Watney provavelmente estaria perdido em outro local, se a NASA soubesse desse fato antes! 😛
Titulo fantastico, mandou mto bem!
Salvador, desculpe participar novamente, é que a discussão dessa vez ultrapassou o average cientific excitement, dada a importância da notícia. Essa descoberta não vai acabar por atrasar ainda mais o ExoMars? Digo, repensar os instrumentos de coleta, local de pouso..?
Acho que não. Locais de pouso são mais determinados por segurança do que por potencial científico. Claro que levam potencial científico em conta, mas o mais importante é o jipe chegar inteiro no chão… 😉