Um banho de lua em Encélado

Salvador Nogueira

A espaçonave Cassini faz nesta quarta-feira (28) o seu mais espetacular sobrevoo da misteriosa lua Encélado, atravessando as plumas de água que emanam desse satélite natural de Saturno, em busca de sinais claros de um ambiente amigável à vida em seu interior.

A pequena Encélado, "vazando" oceano para o espaço, em foto obtida pela Cassini (Crédito: Nasa)
A pequena Encélado, “vazando” oceano para o espaço, em foto obtida pela Cassini (Crédito: Nasa)

A sonda passará a apenas 49 km da superfície — distância quase comparável à de aviões comerciais, que voam rotineiramente a 12 km de altitude. (Já satélites artificiais não costumam estar abaixo dos 200 km.) Não é a aproximação máxima que a espaçonave não-tripulada já fez de Encélado, mas é o mais perto que se chegou das plumas que emanam do hemisfério Sul da lua.

Ao tomar esse literal “banho de lua”, a Cassini buscará mais pistas do que existe no oceano global de água líquida que se esconde sob a crosta de gelo. Estudos recentes demonstraram que esse mar oculto tem um leito similar ao terrestre, rochoso e com atividade hidrotermal exposta diretamente à água.

Um novo trabalho científico, recém-publicado na “Nature Communications”, modelou a composição do interior de Encélado com base na deteção de partículas ricas em silício nas plumas de água e sugeriu que a composição rochosa do interior da lua é semelhante à de meteoritos primitivos, com a formação de minerais serpentina e saponita. Caso isso esteja certo, a implicação é que Encélado se formou em tempos muito antigos, concomitantes com a formação do próprio Sistema Solar, há 4,6 bilhões de anos.

Esse modelo também implica que há produção de hidrogênio molecular nas fontes hidrotermais dos oceanos de Encélado, e é isso uma das coisas que a Cassini tentará confirmar no sobrevoo desta quarta-feira. Com o instrumento INMS (espectrômetro de massa neutra e iônica), a sonda fará uma detecção da quantidade de hidrogênio molecular presente, o que ajudará a confirmar o modelo proposto de composição interna.

Além disso, a detecção será empolgante no contexto de busca por ambientes habitáveis no Sistema Solar — pela quantidade de hidrogênio será possível estimar o nível de atividade hidrotermal e, portanto, a quantidade de energia disponível para ecossistemas em Encélado. Sem falar que na Terra há muitos microrganismos que consomem hidrogênio molecular em seu metabolismo.

QUÍMICA ORGÂNICA
O sobrevoo também fará uso do detector de poeira da Cassini (CDA), que obterá espectros de partículas mais pesadas presentes nas plumas — incluindo, talvez, moléculas orgânicas complexas. Os pesquisadores enfatizam que não será possível determinar se elas têm origem biológica, ou seja, se são produto de vida, mas o fato de encontrá-las será, por si só, empolgante.

Por fim, um terceiro objetivo é determinar a natureza das plumas, se vêm de fontes pontuais na superfície ou se distribuem como cortinas por fissuras no solo congelado.

Esta será a penúltima passagem da Cassini por Encélado. Ainda há mais uma marcada para o fim do ano, mas bem mais distante. A missão em si, que já estuda Saturno e suas luas desde 2004, tem fim marcado para 2017. As primeiras imagens pós-sobrevoo são esperadas para o fim da quinta-feira (29). Fique de olho!

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Comentários

  1. Salvador,

    A Nasa ainda não liberou as imagens, quando sai? Hoje ainda? Estou ansioso como sempre!!!

    1. Os cientistas esperavam para a noite de quinta no JPL, que é o começo de sexta pelo horário de Brasília. Ainda não vi nada… guentaí. Mas as imagens serão o de menos. O lance mesmo será a análise dos dados, e isso vai levar meses… 😛

  2. É de arrepiar quando é examinado as datas de lançamento e a tecnologias a bordo de cada um. A evolução é incrível, de pasmar mesmo.
    Pioneer 10 – 03/03/1972 – 03/12/1973 – câmera de TV
    Voyager 1 – 05/09/1977 – 05/03/1979 – câmeras de TV mais sofisticados – ótimas imagens
    Cassini-Huygens 15/10/1997 – 01/04/2004 -uma verdadeira parafernália eletrônica – espectrômetros, radar ativo e passivo, etc.
    New Horizons 19/01/2006 – 14/07/2015 – além dos instrumentos avançados, tem a excelente Lorri – aquelas imagens quando d apassagempelo Júpiter foram de babar.

    E.. em 01/2018 será lançado a missão ao sistema Saturno-Titâ (Titan-Saturn System Mission), pela NASA e ESa . Vai levar um balão e um jipe para pousar em Titã. E o que mais será levado? O duro é que a viagem levará 9 anos… Só espero que a Boeing consiga desenvolver o SLS até lá, que poderia encurtar a viagem para 3/4 anos…

    1. Carlos, essa missão a que você se refere, Nasa e ESA, não será lançada em 2018. Não tem nem orçamento para ela. Priorizaram Júpiter-Europa, que vem em meados da década de 2020.

  3. Salvador,

    se a água expelida é congelada e acaba alimentando os anéis de Saturno, existe a possibilidade de uma comparação entre os cristais de gelo dos anéis e as amostras retiradas pela sonda, para verificar por exemplo, se a lua é uma das grandes responsáveis pela existência dos anéis ou a quanto tempo esse balé aquático acontece?

    1. Fernando, já sabemos que o anel E é composto por material de Encélado. Mas não os outros anéis.

  4. Que espetáculo! Até deu a impressão de que vai aparecer algum “flanelinha” alienígena se oferecendo para limpar a Cassini… Realmente, deu um friozinho na barriga, como muitos antes comentaram! E a descrição das possíveis cenas, de ter vida se aproveitando das fontes hidrotermais, lembra muito o livro 2010 de Arthur C. Clarke, só que ambientado em Europa. Vamos roer as unhas, como aconteceu no caso de Plutão, então..

  5. Salvador, uma coisa que acho complicado com essa de dizer a idade dos planetas e astros baseando em meteoritos e asteroides. Vi que a idade da Terra foi calculada baseando na quantidade de chumbo de um asteroide que caiu aqui. Não questiono o cálculo em si, é realmente científico, mas ouvi o apresentador do Cosmos falar que esse asteroide veio do cinturão entre marte e júpter. Como assim? O Cosmo é imenso, como saber com certeza que aquele pedaço de asteroide não veio de muito mais longe que do nosso sistema e, portanto, sua formação pode ter sido em tempo bem distinto da Terra. Aí é onde não concordo com essa forma de cálculo.

    1. Luisinho, as idades estimadas não vêm de um único meteorito; vêm de vários. Sabemos que eles muito provavelmente se formaram com o Sistema Solar — e se houvesse um de outro sistema, revelaria discrepâncias detectáveis. Por fim, as idades dos meteoritos são compatíveis com as das idades mais antigas medidas em rochas da Terra — coisa de 4 bilhões de anos. Também batem com a idade das rochas trazidas da Lua. Então, tem muita evidência paralela para a idade da Terra. 😉

      1. Alguém já parou pra pensar que todas as nossas estimativas de idade do universo são baseadas aqui na Terra, um minúsculo e insignificante ponto nele inserido? A velocidade da luz, p ex, foi medida pela primeira vez pela ocultação dos satélites de Júpiter, mas as observações foram feitas aonde? AQUI!. Os meteoritos vindos de outros pontos do universo tem suas taxas de decaimento radioativo medidas aonde? AQUI! O desvio para o vermelho da luz emitida pelas galáxias mais distantes é medido aonde mesmo? AQUI! Quem garante que esses parametros são absolutamente iguais se medidos por exemplo num planeta do sistema Gliese?

        1. O que garante são as leis da física, Tersio. É um pressuposto? Sim, é. Mas é um pressuposto que produz hipóteses verificáveis e todas foram verificadas. A incrível uniformidade da radiação cósmica de fundo, por exemplo. O fato de que nossos modelos cosmológicos reproduzem com incrível precisão o que vemos em observações do Universo. E, embora ainda estejamos limitados ao Sistema Solar, nossas observações não se limitam mais à Terra. Acabamos de fazer observações in loco em Plutão! 🙂

  6. Sempre me intrigou o fato de os cientistas atribuírem a restos orgânicos fósseis a existência de petróleo na terra. Estes Hidrocarbonetos presentes no subsolo terrestre, não poderiam ter tido origem durante formação do planeta, como ocorre em Júpiter e Saturno?
    A descoberta do Lovejoy não contesta definitivamente a teoria da origem fóssil?

    1. Não, não há conflito. O petróleo é fruto de restos fósseis, mas não é só com vida que se produz química orgânica. Cometas são muito ricos em matéria orgânica porque têm origem nos confins do Sistema Solar, onde os compostos orgânicos produzidos originalmente não são degradados pela luz solar.

  7. Sensacional, Salvador! Fiquei com um friozinho na barriga ao ver a simulação, parecia que a nave cairia na lua e, de repente, a elipse que ela estava fazendo a levou para longe de novo…

    Fiquei a imaginar o trabalho do controle da missão para calcular essa trajetória. Os caras são bons demais, especialmente lembrando que a nave não tem piloto e que ela está há bilhões de km daqui. Pura Física e Matemática de alto nível!!

    1. Exato. Uma continha errada e a nave vai pro brejo. Trabalho de altíssima precisão. E parabéns para o Newton pelo suporte técnico! rs

  8. extrapolando exponencialmente o otimismo, passou pela minha cabeça uma sonda em um futuro próximo recolhendo material da atmosfera e trazendo de volta pra Terra um monte de bactérias dessa lua

  9. Encontraram álcool e açúcar em um cometa!!!!!!!!!!!!

    Gelo o cometa já tem é só levar um limão e …..CAIPIRINHA!!!!!!!!

    E o Mensageiro Sideral comendo mosca, não falou nada…..kkk

    1. Se por comer mosca você entende “está sabendo há três dias e optou por não escrever a respeito”, então comi mosca. Felizmente, o conhecimento avança em ritmo exponencial, o que, infelizmente, me impede de escrever sobre tudo. Preferi caprichar no lance das supertempestades solares a dar essa notícia engraçadinha da caipirinha de cometa. Mas confesso que são escolhas difíceis. Todo dia acontece tanta coisa. Por exemplo, está rolando uma caminhada espacial na estação agorinha mesmo. E ainda preciso escrever sobre o asteroide do Halloween, o lixo espacial que reencontrará a Terra em novembro, uma história bacanérrima de botox estelar e a descoberta de um planetoide destruído por uma anã branca, só para citar o que me lembro de cabeça (e não citando posts que quero fazer sem conexão direta com descobertas recentes). Então, o resumo da ópera é: o Universo é grande demais para um único Mensageiro Sideral… rs

      1. Se isto for verdade, isto não provaria indiretamente que há vida em outros planetas? Os compostos orgânicos detectados no Lovejoy só poderiam ser produzidos num planeta que tinha vida num passado bem distante.

    2. Mais gratificante que ler o Mensageiro é apreciar suas finas respostas aos “espertinhos” que gostam de aparecer às vezes.
      Depois dessa eu teria vergonha de aparecer…

        1. Qualquer comentário é valido se for agregar algo, comentar para agredir ou desmoralizar alguém é uma tremenda babaquice.

        2. JR, já se esqueceu do seu-puxa saquismo também?
          Pra refrescar a memória:

          http://i.imgur.com/3JCzTnK.png?1

          Mais um motivo pra ter vergonha, apesar de às vezes seu mestre ser coerente, não nego, na maior parte das vezes vocês são o motivo de piada do blog levando gongadas e mais gongadas.

          Cada um tem os seguidores que merece hehehe…

          1. JR, se você não foi puxa-saco, os outros também não foram. Sorry. Mas todo mundo sabe que o seu negócio é causar, não se preocupe. Ninguém te leva a sério. 😉

  10. Olá Salvador, td joia?
    Parabéns pelo blog!

    Segundo a legenda da primeira foto, fiquei imaginando o que acontece com a água “vazada” da lua para o espaço. O que acontece com ela? Evapora? Fica viajando?

    Abraços!

    1. Congela, forma partículas que alimentam um dos anéis de Saturno! Não é demais? 🙂

      1. E caso tenha moléculas biológicas complexas fica então evidente pela sua resposta que as luas de saturno devem estar coalhadas dessas moléculas. Caso algum processo não as quebre.

      2. Essas partículas não podem danificar a Cassini? Julgando que a mesma deve esta em uma velocidade absurda e qualquer “pedrinha de gelo” podem arrebentar com ela e sem contar a proximidade que esta passando do evento!

        1. Há um aumento ligeiro de risco, mas os cientistas estão confiantes de que não há perigo.

  11. Sempre que a gente lê sobre a busca de vida fora da terra, o que se percebe é que a pesquisa é voltada a encontrar os mesmos “modelos” da terra (como vc falou sobre microorganismos que consomem hidrogênio). É claro que é fácil de compreender que parte-se do princípio de que nós seguimos a nossa experiência enquanto espécie como pista, certo?
    Minha pergunta é: existe alguma linha de pesquisa, ou investigação que busque a vida baseada em outros modelos/formas e possibilidades?

    Abraço

    1. Artur, alguns pesquisadores já tentaram modelar/especular sobre outros modelos/formas de vida, mas a verdade é que nada é tão bom quanto química orgânica e água como solvente… Sem falar que são as opções mais simples e comuns no Universo! Abraço!

      1. Eu faria a mesma pergunta que o amigo acima. Interessante que tais pesquisas são baseadas na nossa lógica a respeito do universo e óbvios limites. Mas é inevitável a reflexão, especular sobre algo diferente de nossa lógica. Acredito muito, ainda que não possua, ainda, base científica. Abraço!

        1. Sim, mas tá cheio de silício aqui na Terra. Os silicatos são os principais componentes da crosta terrestre. Mas o carbono é muito mais bacana para química complexa que o silício. 😉

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