Oxigênio no cometa da Rosetta!

Salvador Nogueira

Numa descoberta surpreendente, a sonda Rosetta detectou quantidades significativas de oxigênio molecular na atmosfera do cometa 67P/Chruyumov-Gerasimenko. Com isso, a missão europeia começa a cumprir sua promessa de ajudar a revelar os segredos mais íntimos da formação do Sistema Solar.

Imagem do núcleo do cometa Churyumov-Gerasimenko obtida pela Rosetta em 18 de outubro (Crédito: ESA)

A descoberta, publicada na edição de hoje do periódico científico “Nature”, é surpreendente. Isso porque a observação constante do cometa — a Rosetta foi a primeira sonda a orbitar um objeto desse tipo — permitiu descartar a hipótese de que o oxigênio fosse resultado de formação recente, a partir da quebra de moléculas de água (muito mais comuns no astro) pela radiação solar, com a subsequente formação do oxigênio.

A hipótese mais provável é que o oxigênio tenha sido incorporado aos grãos de gelo ainda durante a formação do cometa. Em outras palavras, essas moléculas de oxigênio estariam por lá, presas no interior do astro, desde o surgimento do Sistema Solar, 4,6 bilhões de anos atrás. E daí a surpresa dos cientistas — eles previam uma presença menor de moléculas de oxigênio na nuvem de gás e poeira que deu origem ao Sol e sua família de planetas.

A detecção de oxigênio molecular em nuvens que fazem as vezes de berçários de estrelas é rara — de todas as nebulosas já estudadas, apenas duas revelaram forte assinatura do gás em seu espectro. Uma delas é a famosíssima nebulosa de Órion, localizada na constelação homônima. E os cientistas imaginam que, durante o violento processo de colisões que leva à formação planetária, esse oxigênio primordial acabasse sendo destruído, majoritariamente recombinado a átomos de hidrogênio para formar água. Por isso até não havia nenhuma expectativa de que se encontrasse oxigênio molecular em quantidades significativas no cometa Chury.

O achado obrigará os pesquisadores a repensar os detalhes da formação dos corpos do nosso sistema planetário, que provavelmente se deu de forma menos agressiva e destrutiva do que se imaginava e permitia uma química mais interessante durante suas etapas mais primórdias.

QUÍMICA COMPLEXA

Aliás, outra descoberta interessante ligada a cometas foi anunciada esta semana — telescópios em terra detectaram a assinatura de álcool etílico (o mesmo que vai nas bebidas) e um tipo de açúcar emanando do brilhante cometa Lovejoy. E não, isso não é evidência de seres vivos fermentando nada no cometa, mas sim, isso mostra como cometas oferecem compostos orgânicos complexos e interessantes, reforçando a noção de que eles podem ter tido um papel importante semeando toda essa riqueza química em planetas como a Terra, por meio de impactos durante os primeiros estágios de evolução do sistema planetário. As bases para a vida podem muto bem ter começado com eles.

Já a opinião de que os próprios cometas poderiam dar origem à vida, e não meramente a compostos precursores, é minoritária entre os cientistas. Mas não se trata de hipótese completamente excluída, e quem poderia ajudar a testá-la é o Philae, pequeno robô que acompanhou a Rosetta em sua jornada ao cometa Chury e realizou um histórico pouso nele no ano passado.

Depois de realizar manobras para estudar a atmosfera do cometa de uma distância maior, a Rosetta agora está retornando a uma órbita mais próxima, e novas tentativas de recuperar o contato com o Philae serão feitas. Contudo, ninguém está muito otimista. É bem possível que o pequeno robô esteja danificado além de qualquer possibilidade de recolocá-lo novamente em operação. Mas o Philae já foi dado como morto antes, para depois ressurgir das cinzas. É esperar para ver.

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Comentários

  1. Salvador, posso estar muito enganado, mas esse cometa Chury me parece muito “seco”.

    Sempre ouvi falar que cometas são como “bolas de gelo sujas”, mas tudo que já li desse cometa parece que é muito mais rocha do que gelo.

    Saberia dizer se esse cometa é formado de gelo misturado com rocha, ou uma rocha com um pouco de gelo?

    Não sei se fui claro com a pergunta…

    Grato desde já 🙂

      1. Muito obrigado Salvador!

        Não tinha visto esse seu artigo. Muito completo e esclarecedor.

        Valeu 🙂

  2. Sobre a estrela KIC 8462852 que foi assunto deste blog (15/10 – A misteriosa estrela que pisca), propuseram uma nova hipótese sobre a variação irregular de seu brilho: É uma estrela que gira tão rapidamente que é mais deformada do que outras estrelas e esta deformação juntamente com a presença de um ou mais planetas, resulta numa variação de brilho irregular. As hipóteses da esfera de Dyson ou da presença de vários objetos bloqueando a luminosidade dela tem um concorrente mais plausível.

    1. Pois é. Mas ainda gosto mais da hipótese original dos cometas, porque a velocidade de rotação dela já foi medida e não bate com essa ideia.

  3. Salvador, que tremenda coincidência dar o nome de Love-Joy a um cometa açucarado e etílico!

    😀

    1. na verdade vejo como um aviso claro de que somos feitos de coisas comuns, presentes em todas as partes do universo! não temos motivo algum para achar que somos especiais, de qualquer forma…..

  4. Salva, existe a possibilidade do Philae ter sido ejetado da superfície junto com os gases? Caso tenha acontecido isso, ele ficaria em órbita do cometa ou seguiria paralelo com o cometa fazendo uma órbita em torno do sol? Ou sei lá, desgarrado de vez e vai saber pra onde iria…

    1. Existe a possibilidade, e seria difícil prever seu destino. Ele poderia cair de volta, entrar em órbita ou se desgarrar.

    2. para mim, o Philae simplesmente teve o azar de cair no lugar errado… isto não diminui a importância da missão Roseta, que continua nos enviando informações valiosas!!! O philae seria um plus adicional, que infelizmente não aconteceu. mas o insucesso já era previsível! na verdade, vejo apenas como um PLUS a mais da missão que infelizmente não conseguimos atingir! mas… chegamos PERTO, caramba!!!!

    1. O gancho era bom, com a história do oxigênio. Você, como leitor frequente do blog, sabe que em diversas ocasiões eu junto matérias e estudos correlatos num texto só, não só por dar mais estofo e contexto aos posts, mas principalmente para contornar as limitações de tempo. O Lovejoy mereceu um parágrafo. Tá de bom tamanho! 🙂

    2. Relaxa, JR. Ninguém vai te julgar por ser puxa-saco do outro lá nem do Mensageiro, afinal tanta assuiduidade no blog dá nisso.

      Somos todos um bando de puxa-sacos!

    1. Os cometas nos dão toda a matéria prima para construir uma caipirinha no espaço! É só levar o limão. rsrs Dá para transformar um comenta numa grande destilaria cósmica! rsrs

      Aposto que O Guia do Mochileiro da Galáxia nunca sequer pensou nisso! 😛

      1. Não Victor, faltou a feijoada e a farofa. E o docinho com uma cerejinha na cobertura para a gente botar a culpa quando passar mal depois de comer uma feijoada completa com caipirinha e tudo.

  5. Minha nossa,eu achava que álcool e açúcar só existia nos vegetais,e os caras conseguem achar no espaço e de telescópio ? rsrs. Vai ver que o Lula andou pra aqueles lados.

  6. Acho que de todas, sensacionais, missões que estão em andamento, essa Europeia é a mais interessante e bonita. Imagina o orgulho de Newton, vendo uma sonda orbitar um objeto (que não é esférico), coletando e enviando dados. E, ainda, realizar o pouso de um robô que por falta de sorte parou num lugar adverso, não diminuindo em nada a beleza da missão.

    1. Tem tanta coisa legal acontecendo no Sistema Solar que é difícil eleger. Tem dois jipes andando em Marte, uma sonda japonesa a caminho de Vênus, uma americana a caminho de Júpiter, a Rosetta num cometa, a Hayabusa-2 japonesa indo prum asteroide, a Cassini orbitando Saturno, e a New Horizons, depois de passar por Plutão, prestes a visitar um objeto do cinturão de Kuiper. Definitivamente, como diz o novo slogan da Nasa, “estamos lá fora”. 🙂

      1. Salvador, boa tarde.
        De todas essas novidades que estão por vir. Qual a que você espera com maior ansiedade e porque?

        1. Pergunta difícil. No Sistema Solar, estou ansioso pelo jipe ExoMars, que chegará em Marte em 2019. Fora do Sistema Solar, espero novidades do satélite TESS, que vai buscar exoplanetas nas redondezas e deve ser lançado em 2017.

  7. Li essa matéria em outro site ontem no meio do tarde, assim como sou chato e detalhista , recomendo rever a citação abaixo já que sua matéria foi publicada só na data de hoje.

    “…publicada na edição de hoje do periódico científico “Nature”…”

    1. Christian, uma coisa não exclui a outra. A “Nature” circula às quintas-feiras, mas a divulgação de seu conteúdo se dá na tarde das quartas.

  8. Queria ver u acertar o nome desse cometa num concurso de soletrar: 67P/Chruyumov-Gerasimenko kkkk

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