De volta ao planeta Vênus

Salvador Nogueira

A ousada manobra da sonda japonesa Akatsuki (aurora, em japonês) foi bem-sucedida, e a espaçonave já enviou suas primeiras imagens diretamente da órbita de Vênus — um mundo que pode ser visto como o “gêmeo mau” da Terra.

Imagem em ultravioleta de Vênus obtida pela Akatsuki em 7 de dezembro, a 72 mil km de distância. (Crédito: Jaxa)
Imagem em ultravioleta de Vênus obtida pela Akatsuki em 7 de dezembro, a 72 mil km de distância. (Crédito: Jaxa)

Acompanhar as missões interplanetárias da Jaxa (agência espacial nipônica) é sempre uma emoção. Cada uma delas parece ser um novo teste da famosa perseverança dos japoneses.

Tome a Akatsuki, por exemplo. Ela foi lançada em 2010, e o plano original previa a entrada em órbita de Vênus apenas seis meses depois. Só que o propulsor principal falhou no meio da manobra de inserção orbital, e a espaçonave passou lotada, se estabelecendo numa órbita ao redor do Sol.

Os japoneses constataram que o propulsor foi danificado além de qualquer possibilidade de reutilização. Mas é incrível como eles sempre encontram um plano B, que envolve criatividade e paciência.

No caso em questão, a ideia foi usar os pequenos propulsores de controle de atitude da Akatsuki (originalmente projetados apenas para fazer a espaçonave mudar sua orientação) e reencontrar Vênus dali a cinco anos. Nesse meio-tempo, a sonda foi colocada em estado de hibernação, para não desgastar seus componentes (originalmente projetados para durar 4,5 anos).

Mas ia dar certo? Uma coisa muito parecida acometeu outra missão interplanetária japonesa, a Nozomi (“esperança”, em japonês). Lançada em 1998, ela tinha como destino o planeta Marte. Mas gastou muito mais combustível do que o esperado e acabou sem chance de fazer sua inserção orbital, em 1999. Os japoneses, claro, formularam um plano B. Que também fracassou. E a sonda foi declarada perdida em 2003.

Eis que chega o dia 7 de dezembro de 2015. A Akatsuki teria o mesmo destino da Nozomi? Ou, de fato, a “Esperança” teria sido a última a morrer?

Contra todas as probabilidades, os pequenos propulsores de controle de atitude dispararam por cerca de 20 minutos — algo para o qual não foram projetados — e colocaram a sonda em órbita de Vênus. Mas é uma órbita loooooonga… no seu ponto de aproximação máxima, fica a meros 400 km das nuvens venusianas. No maior afastamento, vai a 440 mil km!

No projeto original, a sonda deveria completar uma volta a cada 30 horas. Mas a órbita atual leva 13 dias e 14 horas. Novas manobras, no ano que vem, vão reduzir o período orbital para 9 dias, e em abril começa a missão científica oficial.

A sonda é equipada com cinco câmeras — quatro cobrindo o ultravioleta e várias faixas do infravermelho, e uma com tecnologia especial para tentar detectar relâmpagos em Vênus. Até hoje, a existência de raios na atmosfera venusiana é um assunto controverso, e espera-se que a Akatsuki possa decifrar esse e outros mistérios.

A chegada se deu em ótima hora — no momento, não há nenhuma outra espaçonave em operação na órbita de Vênus. A última a trabalhar por lá foi a europeia Venus Express, que queimou na atmosfera em janeiro de 2015, depois de mais de nove anos em órbita.

Com sua atmosfera superdensa e efeito estufa avassalador, Vênus tem temperatura média de 460 graus Celsius — um lugar nada hospitaleiro, mesmo para sondas robóticas.

Ao mesmo tempo, é o planeta mais próximo da Terra e tem praticamente o mesmo tamanho do nosso. Daí a ideia do “gêmeo malvado”. Descobrir como Vênus deu no que deu é um passo fundamental não só para entendermos a história da nossa Terra mas também para estimarmos as chances de encontrar outros mundos habitáveis além do Sistema Solar.

Acompanhe o Mensageiro Sideral no Facebook, no Twitter e no YouTube

Comentários

  1. Francamente não entendo o porque gastar tantos recursos e massa encefálica com Vênus. Planeta já foi declarado inóspito, não serve nem para estudos, será que saber porque ele é assim, ou ficou assim, acrescentará algo substancial ao nosso conhecimento,m além do que já sabemos? Não basta a proximidade com a Estrela? Nem para garimpar ouro, se é que tem! Máquina nenhuma consegue pousar lá!. Gastaria esses recursos com as Luas de Saturno, E Júpter, talvez Urano. Vênus? Jamais.

    1. Claro que a proximidade não basta! A julgar pela proximidade, Vênus seria só um pouco mais quente que a Terra, não 70 vezes, como de fato é. E o mais dramático é que, em termos gerais, Vênus é muito parecido com a Terra. Então, o que deu errado? Não sei quanto a você, mas eu quero saber o que deu errado com Vênus para me certificar de que o mesmo não irá acontecer com a Terra enquanto estivermos por aqui.

      E outra: só vamos aprender sobre os planetas todos (inclusive Júpiter, Saturno e Urano) se fizermos comparações entre eles. Vênus é fundamental. (Fora o fato de que pode haver vida na alta atmosfera de Vênus, que por si só é interessante, noves fora planetologia comparada.)

  2. Salvador, estou vendo sua coluna pela primeira vez, comecei pela Star Wars, e cheguei em Venus, ótimo sua coluna e gostei de ver que voce responde o pessoal com paciência e boa didática
    vou acompanhar sempre sua cokuna
    Luiz

    1. Valeu, Luiz! Seja bem-vindo! Pode ir lendo mais para trás que você vai se divertir! 🙂
      Abraço!

  3. Li certa vez que antes da sonda venera pousar em Vênus, muitos astrônomos sérios acreditavam que Vênus poderia ser, na verdade, um mundo até mais habitável com o nosso, por estar mais perto do Sol e possuir um densa atmosfera, já que pela espectropia, Vênus aparentava ter os mesmos elementos encontrados aqui na Terra. Se eles acreditavam que Vênus poderia ser um paraíso tropical úmido e quente, imagino o quão frustrante para foram os resultados obtidos pela sonda Venera.

    1. É, eles tinham essa noção, mas no começo do século 20. Na época das Venera, já rolava uma pista de que a coisa era feia por lá. 😛

  4. Vênus é o planeta mais poético quando nos referimos a ele como Estrela D’alva. Óbvio que não é estrela, mas acho lindo chamá-lo assim.

  5. Os Japoneses estão com o espírito correto na exploração do espaço. Reutilização, reaproveitamento, redundância, deveriam ser palavras de ordem na exploração se quisermos máximos resultados e menos lixo no espaço. Vimos isso no filme apolo 13 e em outros filmes como naquele em que o Astronauta encontra uma nave soviética aposentada em Marte para tentar rapar fora de lá. Os americanos tem um pouco disso, vemos as Voyagers, os rovers, porém via de regra largam + fácil os brinquedos quebrados, assim como os Europeus. Muita coisa é descartada e poderia ter um uso secundário. Em síntese, novas ideias surgem, e as coisas já estão no espaço, as vezes aposentadas, porém poderia ser operacionais com um pouco de criatividade. Imagine uma espaçonave daqui a algum tempo se comunicando e ativando a sonda hyugens em Titã, para alguma informação de solo… Enfim, poderiam extrair mais caldo dos brinquedos velhos em ordem de economizar recursos para projetos com ampla graduação de desenvolvimento tecnológico, para viabilização de descobertas mais agressivas, sem no entanto deixar possibilidades pra trás.

  6. As sondas soviéticas Venera pousaram no planeta Vênus entre 1965 e 1981, algumas delas até tiraram fotos da superfície do planeta e houve uma que aparentemente detectou um relâmpago na atmosfera. Nenhuma sonda durou mais do que alguns minutos transmitindo da superfície.

  7. Vênus é o mais lindo astro visível da Terra, depois do sol e da Lua, não é um gêmeo mau…! 🙂

    Sensacionais, o texto, o vídeo, o feito da Jaxa!

    Fiquei espantado com a enorme velocidade da nave, que vai de 400 km a 440 mil km e volta em menos de duas semanas!

  8. Tá aí uma coisa que tenho certa dificuldade de entender: com uma órbita tão elíptica, o que impede a sonda, sendo tão pequena e com tão pouca massa, de ser atraída para a superfície de Vênus ao atingir seu ponto mais próximo (400km)? Da mesma forma, o que faz a sonda “voltar” quando atinge os 440 mil km? E por que 440 mil km e não 480 mil, por exemplo? Órbitas circulares eu aceito bem, quanto às elípticas não consigo processar bem… rs.

    1. Ricardo, você tem que pensar lembrando das leis de Kepler. Quanto mais perto do objeto central, mais rápido “cai” o objeto orbitante. No vídeo de Vênus dá pra ver bem isso, como a sonda fica lenta no apoapse e rápida no periapse. Uma órbita circular tem velocidade uniforme. Então é assim. A sonda vai indo na direção de Vênus, a gravidade, como seria de se esperar, vai acelerando a dita cuja, ela vai caindo em Vênus, caindo, caindo, caindo, passa de raspão, mas, pela velocidade que tem, a curva é suficientemente aberta para ela não encontrar a superfície, mas meramente contorná-la. Aí, com a velocidade que ela ganhou, ela volta a subir, mas Vênus, que ficou para trás, tenta puxá-la com a gravidade. Com isso, ela vai diminuindo a velocidade. E a força gravitacional também vai diminuindo, porque está aumentando a distância. E aí a velocidade vai diminuindo, numa taxa cada vez menor, mas de forma contínua, até que a gravidade vence a batalha, e a sonda volta a cair. Ao cair, vai acelerando, acelerando, acelerando, passa de raspão por Vênus, e o ciclo recomeça. O resultado? Uma elipse! 🙂

      1. Salvador, duas perguntas sobre o questionamento do Ricardo: 1) existe algum ponto máximo no apoapse em que uma sonda pode escapar da gravidade de um astro sobre o qual ela está orbitando para não ser atraída pela gravidade de outro astro? e, 2) algumas sondas utilizam a força gravitacional de um astro para ganhar mais velocidade até o seu destino final. Como elas conseguem sair da órbita deste astro? Obrigado e parabéns mais uma vez pela qualidade do post!

        1. Quando se afasta demais numa órbita, uma sonda pode acabar escapando se tiver uma mãozinha gravitacional de outro objeto. Por exemplo, a Nozomi, de início, foi colocada numa órbita bem elíptica em torno da Terra, e uma passagem pela Lua ajudou-a a se libertar da órbita terrestre. Sobre a pergunta 2, o efeito estilingue descrito só funciona para sondas que NÃO estão em órbita de um planeta, ou seja, já têm mais velocidade para não serem capturadas pela gravidade daquele mundo. Abraço!

  9. Se eu compartilhar no facebook e comentar sobre uma proeza da akatsuki, o link vai atrair muitos otakus de plantão querendo informações sobre ninjas renegados e jutsus proibidos. Acho que vou fazer isso.

  10. Exploram pouco Vênus, e ele desperta bem menos a curiosidade humana que Marte e os planetas de órbita externa, os russos e a ESA parecem ter explorado mais que a Nasa, eu queria que algum fenômeno radical colocasse a temperatura em queda crescente, dobraria o interesse, onde as temperaturas são baixas não desperta o interesse da agências espaciais porquê Salvador? Seria o único interesse sobre Vênus as causas de seu efeito estufa?

    1. Vênus é tão inóspito que é difícil de explorar. Há limites para o que se pode fazer em órbita, e é duro investir num módulo de pouso que vai durar apenas algumas horas e depois derreter. Há ideias de balões atmosféricos, que me parecem uma boa ideia. De toda forma, com o foco em Marte — um lugar mais amigável, viável até para voos tripulados — vai ser difícil sobrar muita atenção para Vênus na Nasa.

          1. mas pode-se entender “queda crescente” como “queda acelerada”, no sentido de que cairia sei lá 1 grau por semana, depois 2 graus por semana etc. A expressão não está matematicamente errada não 🙂

  11. Há, essa está fácil….

    1 – A nave precisa acelerar quando chegar no “periapse” no sentido “retrograde” até se atingir a orbita desejada.

    2 – Aqueles RCS sempre salvam, sempre!

    Kerbal fazendo escola.

    1. E se os RCS não salvarem, manda um kerbonauta pra fora para empurrar a nave >:D (ps: já fiz isso para conseguir inserir uma nave em órbita)

  12. Bom dia, Salvador!
    Será que no futuro teremos condições tecnológicas de amenizar o efeito estufa em Vênus? Se tivermos essa capacidade, o planeta poderia ser habitado?

    1. Essa seria beeem difícil. Carl Sagan fez estudos sobre isso, mas acabou que a atmosfera é densa demais para qualquer intervenção redentora…

  13. Ao invés de gêmeo mau não seria correto dizer gêmeo advertência….cuide bem deste belo diamante azul do Universo ou veja como vocês vão ficar????

    1. Bem, de certo modo, não importa o que façamos, a Terra vai acabar como Vênus. Mas o horizonte de tempo é de 1 bilhão de anos para isso acontecer…

      1. Discordo, Salvador… Se queimarmos todas as reservas de petróleo existentes no subsolo, incluindo o malfadado “pre-sal”, dá para diminuir bastante esse tempo…

      2. Salvador, parabéns pelo seu trabalho! É fantástico! Por favor, por que se dá como fato consumado que daqui a 1 bilhão de anos, a Terra se transformará em nova Vênus?
        E qual é a atual teoria que explica o estado corrente do planeta vizinho?
        Obrigado

        1. Drauzio, sabemos que estrelas como o Sol paulatinamente aumentam sua luminosidade, e isso leva ao deslocamento da zona habitável. Em 1 bilhão de anos, a Terra estará fora dela!

  14. É pura especulação acreditar que Vênus seria um bom candidato à terraformação?
    Existe algum estudo sobre isso?

    1. Sim, foram feitos estudos sobre isso, mas a densidade atmosférica é um problema incontornável no momento.

      1. Salvador, mas ainda que a densidade fosse controlada, por hipótese, a temperatura seria ainda terrível por causa da órbita mais próxima do Sol do que a Terra? Senão ainda há esperança… Se sim, então há um big problema!

        1. Se você trocasse Vênus por Marte, provavelmente os dois seriam habitáveis! Com uma atmosfera menos densa, daria para pensar em terraformar Vênus. Do jeito que está, não dá.

    1. Arrá! Leu o artigo do Cony na Folha, heim!!! Eu diria que patafísicas são as conclusões bíblicas…

      1. Artigo do Ruy Castro na Folha de hoje, 11 de dezembro de 2015.

        A patafísica é a ciência das soluções imaginárias.

      2. Aprenda a respeitar as crenças dos outros. Embora eu não concorde com o conceito evolucionista acerca da origem do universo e da vida, não saio por aí destilando meu ódio contra os que acreditam nisso. Isso é coisa de ateus fanáticos e de religiosos fanáticos. Assim como a religião tem seus limites e a Bíblia não é um livro de ciências, assim também a ciência tem seus limites. Há muitas suposições e especulações desiderativas “imaginárias” nas teorias científicas acerca do universo e sua origem e não é correto aceitar tais como verdades absolutas como fazem alguns, bem como há muitas picaretagens em muitos conceitos religiosos ensinados por charlatões que querem apenas tirar proveito da fé das massas. Portanto amigo, vou sim questionar o que a ciência apresenta como verdade assim como questiono os conceitos religiosos. É preciso separar o joio do trigo, parafraseando aquele personagem bíblico que ensinou as pessoas no seu tempo a não terem só conhecimento, mas também sentimentos nobres uns pelos outros.

Comments are closed.