Estrela da ‘megaestrutura alienígena’ na verdade teria engolido planeta, dizem astrônomos

Salvador Nogueira

Finalmente alguém apareceu com uma explicação consistente do que pode estar acontecendo em KIC 8462852, também conhecida como Estrela de Tabby, que ficou famosa no ano retrasado por apresentar sinais compatíveis com a construção paulatina de uma megaestrutura alienígena ao seu redor.

E não, não são alienígenas. Ao que parece, tudo que a estrela fez foi engolir um planeta.

Vamos lá, recordar é viver: tudo começou em outubro de 2015, quando uma análise feita por participantes do projeto de ciência-cidadã Planet Hunters com base em observações realizadas pelo satélite Kepler mostrou que a estrela estava piscando de maneira irregular, por vezes perdendo até 20% do seu brilho por períodos irregulares com duração entre 5 e 80 dias.

Diversas hipóteses foram aventadas, como um evento cataclísmico de colisão como o que deu origem ao sistema Terra-Lua, ou a passagem de um grande cometa, ou talvez um enxame deles, mergulhando na direção da estrela. Em ambos os casos, poderíamos ter um resultado parecido com o observado, mas os cientistas consideravam pouco provável que tivéssemos tido a “sorte” de testemunhar algo incomum assim com uma amostra limitada de estrelas (cerca de 150 mil no campo de visão do Kepler).

A alternativa mais desvairada aventada então era a de que uma civilização pudesse estar construindo em torno da estrela algo como uma esfera de Dyson — uma megaestrutura teorizada pelo físico Freeman Dyson em 1960 para sociedades ultrafamintas por energia. Construída ao redor da estrela, ela seria capaz de recolher a maior parte do suprimento energético da estrela-mãe.

Claro que foi também a hipótese que chamou mais a atenção. E vai que, né? Contudo, e de forma nada inesperada, buscas subsequentes por emissões de rádio ou laser daquela estrela feita pelos grupos de pesquisa SETI (busca por inteligência extraterrestre) deram com os burros n’água.

FICA MAIS ESTRANHO
Em paralelo, pesquisadores foram atrás de imagens de arquivo feitas da estrela por outros projetos astronômicos de pesquisa, o que revelaram mais uma bizarrice associada ao astro: afora as variações mais abruptas de brilho, a estrela de Tabby (batizada em homenagem à americana Tabetha Boyajian, que liderou a descoberta em parceria com os Planet Hunters) vinha paulatinamente reduzindo seu brilho ao longo do último século.

Estudo de chapas de Harvard mostraram que o astro ficou 14% menos brilhante entre 1890 e 1989 e que, mesmo durante a missão original do Kepler, entre 2009 e 2013, ela reduziu seu brilho em outros 3%.

Esse é um fenômeno bem diferente das reduções mais agudas, rápidas e transitórias de brilho e não tem a menor cara de megaestrutura alienígena — é algo que está mesmo acontecendo à estrela em si.

Por outro lado, é improvável que uma estrela de modo geral normal apresente dois comportamentos anômalos e eles não estejam de algum modo contectados.

O que nos traz à solução recém-apresentada por Brian D. Metzger e Nicholas C. Stone, da Universidade Columbia, em Nova York, e Ken J. Shen, da Universidade da Califórnia em Berkeley.

Eles sugerem que um planeta — ou talvez mais de um — pode ter sido despedaçado e engolido pela estrela nos últimos 10 mil anos. O efeito de um episódio catastrófico como esse seria produzir um brilho aumentado da estrela, conforme os destroços mergulhassem para o interior da estrela. Depois disso, ela iria gradualmente perdendo o brilho adicional até voltar ao normal — processo que parece ter sido observado no último século daqui da Terra.

Certo, e os bloqueios abruptos de luminosidade que começaram essa investigação? Eles podem muito bem ser resultado de detritos do processo de destruição do hipotético planeta que restaram em órbita da estrela — talvez até algumas de suas luas. Alternativamente, poderiam ser os cometas já aventados desde o início, mas de algum modo conectados com o mergulho do planeta em seu sol.

Pode muito bem ter rolado uns cometas também para ajudar na zoeira do sistema (Crédito: ESO)
Pode muito bem ter rolado uns cometas também para ajudar na zoeira do sistema (Crédito: ESO)

O trabalho foi aceito para publicação no “Monthly Notices of the Royal Astronomical Society” e é no momento a melhor ideia para explicar tudo que vimos até agora na Estrela de Tabby. Mas, claro, não é à prova de bala. Ele exige ou que sistemas planetários em estrelas como ela (do tipo F, maior do que o Sol) tipicamente tenham bem mais massa do que suas irmãs menores ou que tenhamos sido vítimas de uma enorme coincidência em flagrar um fenômeno que, em princípio, deve ser extremamente raro. Ou talvez as duas coisas ao mesmo tempo.

Caso encerrado então? Não, claro que não. Os cientistas devem continuar a monitorar o astro nos próximos anos e a observar seu comportamento. Se o trio americano estiver certo, a estrela deve continuar a perder brilho nos próximos anos, até se estabilizar, seguindo um padrão previsível. Da mesma maneira, os episódios de obscurecimento temporário da estrela devem continuar a se repetir e a evoluir, o que ajudará a restringir hipóteses e explicar o caso.

E assim avança o compasso da ciência, palmo a palmo, sem restringir hipóteses por qualquer preconceito que se tenha, mas fazendo todo o possível para corroborá-las ou refutá-las e, assim, chegar cada vez mais perto de uma compreensão mais sofisticada dos fenômenos naturais — ou artificiais, se for o caso. Na Estrela de Tabby, pelo visto, a natureza deu conta do recado sozinha, sem qualquer ajuda de uma supercivilização.

Acompanhe o Mensageiro Sideral no Facebook, no Twitter e no YouTube

Comentários

  1. Salvador, os elementos químicos mais pesados alteram em alguma coisa o comportamento de uma estrela nesse caso quando um planeta é engolido?

    1. Segundo a modelagem deles, aumentaria o brilho. E certamente aumentaria a poluição da atmosfera estelar com elementos pesados. Mas acho que a ação no núcleo não mudaria.

  2. Sei não…. Para que essa teoria da degeneração do planeta esteja correta, é necessário que a órbita do planeta esteja exatamente no mesmo ângulo de uma linha reta imaginária que liga a estrela Tabby à Terra. A mesma lógica se aplica ao mergulho do enxame de cometas.

    Parece-me muito mais provável que os detritos circundem a estrela em todas as direções (para podermos visualizar de tão longe). E nesse caso, a teoria da esfera de Dyson me parece descrever melhor o fenômeno.

    1. Mas todos os fenômenos de trânsito exigem esse alinhamento, então não é surpreendente. Há um percentual de estrelas que terá o alinhamento correto. Para cada Tabby, podemos ter outras 95 Tabbys que não estamos vendo pelo alinhamento inconveniente…

      1. Veja que a distância de Tabby até a órbita de seu planeta é irrisória perante a distância à Terra. O alinhamento tem que ser perfeito – ou seja, estaríamos não-vendo zilhões de Tabbys para cada Tabby…. contudo, até aqui, tua lógica não pode ser refutada, pois sim, pode ser um fenômeno supercomum que apenas conseguimos perceber em Tabby. Mas…

        …seria perceptível que a perda do brilho se daria apenas na linha do equador da estrela e não por toda ela.

        1. Todas as descobertas do Kepler — a Tabby e mais 4.000 exoplanetas — precisam ter esse alinhamento perfeito. Não por acaso observaram 150 mil estrelas de uma vez. 😉

          1. Mas não é possível ‘deduzir’ que uma estrela tem planetas por outro meio além do brilho? Pequenas movimentações em razão da órbita planetária? Ou isso é muito pequeno pra ser visto daqui?

            Seria interessante botar um outro telescópio em outra órbita, pra achar mais estrelas cujas elípticas não estão alinhadas conosco…. na Lua ou em Marte, por exemplo.

          2. A outra técnica de detecção usual é a variação do efeito Doppler, mas imensa maioria dos planetas do Kepler foi detectada apenas pelo método de trânsito (redução do brilho).
            A Lua e Marte estarão praticamente no mesmo alinhamento nosso. Teríamos de estar em outra estrela para ver uma variação significativa.

          3. Entendi… devido às órbitas (translação da Terra) e à própria órbita do telescópio, é possível pegar uma “faixa” não tão estreita assim de alinhamentos. Não tinha atinado disso. Neste caso, como disseste, o alinhamento com a Lua vai ser o “mesmo”, e o de Marte infimamente diferente.

            Valeu!

          4. ou não…. a paralaxe da posição da Terra nos dois opostos da órbita não é significativa em relação à maioria das estrelas….

            Seria justo supor que a maioria das estrelas nas quais não achamos exoplanetas possa na verdade tê-los em posições diferentes do alinhamento? Será que isso entra no “cálculo” de quantos exoplanetas podem existir?

          5. Sim, claro! Estima-se que apenas 5% da amostra do Kepler estivesse alinhada adequadamente. Para cada 5 planetas do Kepler, nós perdemos outros 95 por falta de alinhamento. 😉

  3. Fico feliz que uma hipótese plausível e testável tenha surgido. Embora a ideia de haver outras civilizações ser bem lógica, só ela, sem comprovações, desacredita muita gente a respeito da Ciência.

    Salvador, beleza de vídeo!

  4. Qual a explicação razoável para que todo ou a grande maioria de vídeos, inclusive o acima visto, na internet, principalmente no you tube, tem a musica de fundo mais alta que o locutor?
    Ficando praticamente inaudível e portanto incompreesível. Particularmente acho estupido a criação de tal. Será que o produtor ouve o que fez?

    1. Eu ouço todos os meus vídeos antes de postar. É um mistério para mim por que ALGUNS USUÁRIOS (são poucos, geralmente) têm essa experiência bizarra. Por aqui, todos os vídeos tocam com o som da voz bem acima da música…

      1. Salva, provavelmente pode ter a ver com canais de som. Se você grava em X canais diferentes e o cara ouve com uma configuração surround 5.1. pode ser que a música fique mais alta que a voz. Como você só ouve no tablet (mono?) ou no PC (estéreo), pra você (e demais ouvintes) fique Ok, mas para outros não.

        1. Mas a trilha do vídeo é estéreo também. Que cazzo o sistema 5.1 zoar a distribuição do som?? (Talvez o .1, com subwoofer, faça a diferença… se bem que o PC está conectado a um home theater, e o sub não me incomoda aqui. Enfim, mistério.)

  5. Imagino que a “digestão” de um planeta engolido por uma estrela não seja tão indetectável assim e certamente demora mais do que uma simples variação de brilho dela, dependendo do tamanho do planeta e da estrela também. Mais do que o tempo de digestão de uma feijoada completa em relação ao tempo de uma saladinha de alface. O bom seria se alguém tivesse feito alguma análise espectroscópica da estrela no passado para saber se a composição química da estrela variou também.

      1. Não disseram, mas a teoria deles faz sentido principalmente se o planeta não for tão pequeno. Um “Júpiter quente”, por exemplo.

        1. não estou contestando a hipótese, apenas mencionei que se for isso haverá rastro na luz da estrela. Ainda bem que algo testável foi “pensado”.

          mas para ter o efeito observado nessa estrela seria necessário que dois planetas gigantes caíssem em sequência, talvez até mais. Se for um seria maior do que Júpiter e provocaria uma bagunça geral no sistema com tudo indo para os ares. Enfim, andei analisando essa possibilidade antes, mas não bateu. Felizmente a espectrografia vai nos dizer a verdade e sem dúvidas.

Comments are closed.