As cinco lições da missão Kepler
Nesta segunda-feira (19), a Nasa em essência passou a régua na missão original do telescópio espacial Kepler, com a divulgação do catálogo final de descobertas feitas pelo satélite.
Durante quatro anos, entre 2009 e 2013, o Kepler ficou olhando fixamente para uma pequena região do céu, a fim de registrar pequenas reduções momentâneas de brilho em alguma das estrelas em seu campo de visão que indicassem a presença de planetas ao seu redor.
Conforme a missão progredia, catálogos periódicos de “candidatos a planetas” foram sendo divulgados, enquanto métodos eram desenvolvidos e aplicados para confirmar as descobertas. Chegamos agora ao oitavo e último desses grandes conjuntos de dados, que adicionou 219 “candidatos a planeta” à lista final, dez deles com tamanho comparável ao da Terra (igual ou menor que o dobro do diâmetro terrestre) na chamada zona habitável ao redor de suas estrelas — a região em que um planeta recebe o nível de radiação ideal para manter água em estado líquido na superfície, condição tida pelos cientistas como essencial à vida.
O resultado tem meio cara de fim de festa: nenhum planeta novo foi confirmado, a despeito dos novos “candidatos”. Mas não se iluda, o catálogo final — que ainda deve passar por uma “limpeza” e pequenos ajustes — tem grande importância. Não só ele marca o fim de uma era na busca aos exoplanetas como também servirá de trampolim para estudos estatísticos importantes.
Eis, portanto, o placar final e oficial da missão Kepler.
Observando cerca de 180 mil estrelas por quatro anos o satélite encontrou:
– 4.034 candidatos a planeta
– 2.335 planetas confirmados
– 49 candidatos a planeta de pequeno porte (até 2 raios terrestres) na zona habitável
– 30 planetas de pequeno porte confirmados na zona habitável
São números superlativos, ainda mais se considerarmos que o Kepler só podia detectar sistemas planetários que estivessem de tal modo alinhados de modo que os planetas transitassem periodicamente à frente de sua estrela-mãe com relação ao ponto de vista do satélite — o que significa, estatisticamente, detectar em média apenas 5% de todos os planetas de período orbital relativamente curto (no máximo 3,5 anos) que deveriam existir na pequena região do céu entre as constelações de Cisne e Lira, representando 0,25% do total da abóbada celeste, e apenas para as estrelas mais próximas ali localizadas.
Mesmo lidando com essas frações de frações de frações de planetas, o telescópio espacial produziu estatística suficientes para tirarmos uma série de conclusões importantes. Confira as cinco mais relevantes, que mudaram para sempre a forma como encaramos o Universo lá fora.
1. Planetas do porte da Terra são extremamente comuns
Antes do Kepler, quase nada se sabia sobre planetas de pequeno porte, como o nosso. Usando um método alternativo de detecção (que envolvia medir o “bamboleio gravitacional” que planetas causam sobre suas estrelas), astrônomos estavam paulatinamente aumentando a sensibilidade de suas pesquisas para encontrar superterras — mundos apenas ligeiramente maiores que o nosso — na zona habitável, mas os resultados do satélite foram uma avalanche de planetas pequenos. Ainda não podemos afirmar com certeza quantos mundos do tamanho da Terra existem na Via Láctea, mas a essa altura já se pode cravar que é na casa de muitos bilhões. Antes do Kepler, não tínhamos ainda uma ideia clara dessa abundância.
2. A zona habitável é com frequência morada de mundos rochosos
Outro possível preconceito que o Kepler derrubou é a noção de que, de algum modo, planetas localizados na distância certa de suas estrelas para abrigar vida seriam incomuns. Na verdade, eles são bastante corriqueiros. Para as estrelas anãs vermelhas, astros menores que o Sol que correspondem a cerca de 75% da população de estrelas da Via Láctea, o Kepler mostrou que uma em cada quatro tem ao menos um planeta rochoso na região “nem muito quente, nem muito fria” do sistema. Então, faça só este cálculo rápido: há no mínimo 75 bilhões de anãs vermelhas na Via Láctea, o que sugere a presença de pelo menos 18 bilhões de planetas rochosos potencialmente habitáveis. Ainda assim, tenha em mente a ênfase no “potencialmente”. Afinal, muitos astrônomos ainda questionam o potencial para a vida ao redor de anãs vermelhas: como elas são muito frias e pequenas, sua zona habitável é muito próxima. Só que essas estrelas também têm o hábito de produzir enormes tempestades estelares, capazes de varrer e quiçá esterilizar mundos que, de outro modo, poderiam ser abrigos para a vida.
3. Planetas na zona habitável não são exclusividade das anãs vermelhas
Por razões óbvias, sabemos que mundos rochosos na zona habitável ao redor de estrelas anãs amarelas, tipo espectral G, como o Sol, têm potencial para abrigar vida. Elas não são tão comuns quanto as anãs vermelhas, mas ainda assim respondem por quase 8% das estrelas da Via Láctea. E uma das grandes revelações do Kepler, sobretudo em seu catálogo final, é que anãs amarelas também abrigam frequentemente planetas na zona habitável. Dos 49 “candidatos a planeta” de pequeno porte identificados na zona habitável, 12 estão ao redor de estrelas de tipo G. Desses, 3 foram confirmados, 2 eram “candidatos” já conhecidos, e 7 foram agregados no último catálogo.
4. Planetas de pequeno porte vêm em dois sabores
Se o Kepler, por si só, mostrou que planetas com até quatro vezes o raio da Terra (tamanho aproximado de Netuno) são muito comuns, bem mais frequentes que gigantes gasosos de grande porte, como Júpiter, uma análise recém-concluída por Benjamin J. Fulton e colegas do Caltech, mostrou que esses mundos tendem a se dividir em duas categorias muito claras. Ao usar o Observatório Keck, no Havaí, para estudar o tamanho exato de cerca de 2 mil estrelas do campo original de observação do Kepler, o grupo demonstrou que planetas até 1,75 raio terrestre formam uma população. A partir desse tamanho, a quantidade de planetas decresce de forma acentuada, e só volta a crescer quando o raio passa de 2 vezes o terrestre. Enquanto o primeiro grupo tende a ter alta densidade e, portanto, ser rochoso como a Terra, o segundo grupo tende a ter baixa densidade, lembrando mais versões em miniatura de Netuno, com grandes invólucros e gás e provavelmente inabitáveis. Os astrônomos já começam a formular hipóteses para entender a divisão clara, que parece estar ligada à capacidade de cada planeta de agregar hidrogênio e hélio durante seus estágios inicias de formação. Se o mundo consegue reunir 1% ou mais de sua massa na forma desses gases, tenderia a preservá-los e se tornar um mininetuno. Se juntasse menos, tenderia a perdê-los e viraria rochoso.
5. As surpresas estão só começando
Os catálogos do Kepler são produzidos de forma automatizada por computador, e este oitavo e último teve um bônus especial: além dos potenciais planetas identificados, ele envolveu um estudo estatístico mais aprofundado, que avaliava a porcentagem de sinais potencialmente perdidos pela “peneiragem digital” dos dados, assim como o potencial para falsos positivos. Então, a base de dados tem o enorme valor de indicar não só os “candidatos a planeta” detectados, mas a chance estatística de eles serem um falso positivo ou de haver mais como eles que escaparam à detecção. Esses números permitirão, por exemplo, estimar de forma bastante razoável o número total de planetas como a Terra, em órbitas similares à terrestre, em órbita de estrelas como o Sol, existentes na Via Láctea. Mas estar em circunstâncias similares não equivale a ser igual. Estamos agora entrando em uma segunda fase do estudo dos exoplanetas, que não envolve mais só descobri-los e estimar sua massa ou seu raio. Passaremos a caracterizá-los, estudando sua densidade e tentando investigar a composição de sua atmosfera. Fora isso, o acervo de dados do Kepler conta ainda com muitas descobertas inesperadas a serem feitas, que não seriam detectados na produção dos catálogos automatizados. Um exemplo é a famosa Estrela de Tabby, que tem reduções bizarras de brilho que desafiam explicações convencionais. Será que há mais surpresas escondidas em meio às 180 mil estrelas estudadas originalmente pelo Kepler? Só o futuro poderá responder.
Por ora, como consolo imediato temos o fato de que a missão original do Kepler acabou em 2013, por problemas técnicos, mas o satélite foi reconfigurado (e rebatizado como K2) para seguir na busca por planetas em outras regiões do céu. E nessa nova etapa já foram 520 candidatos a planeta, e 148 confirmados. A saga continua!
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Salvador, quero te pedir algumas dicas e fazer algumas perguntas que quero esclarecer , tenho um telescópio refletor de 150mm, comprei uma lente inversora que aumenta a “potência” em 1,5x, é bastante?…
Me de dicas de nebulosas que posso ver, ou galáxias…
Pode me mandar um site bom para eu aprender a configurar meu telescópio de acordo com os pontos cardeais, algo assim, ou alinhas com o equador… Não sei bem como fala…
Obrigado!
Cara, sinceramente, não sou muito bom com isso. Tem astrônomos amadores aqui que manjam mais disso que eu e podem te ajudar. Uma figurinha fácil é a nebulosa de Órion, mas a época não é boa para observá-la. Eu focaria em Saturno neste mês, que acabou de passar por oposição.
Obrigado!!!
Salvador não sei se ja respondeu pergunta semelhante mas o fato de ter as condições parecidas nada garante haver existência de vida. Não sabemos ainda como originou a vida na terra apenas suposições o fato de haver as condições parecidas não garante nada.
Sim, é verdade. Ao procurarmos vida em Marte estamos justamente testando a hipótese de que a vida surge sempre que as condições aparecem. Há uma série de linhas de pesquisa auxiliares que apontam nessa direção (presença de moléculas orgânicas em nuvens protoplanetárias, a facilidade com que compostos simples geram aminoácidos e bases nitrogenadas numa atmosfera banhada por UV, o fato de que moléculas de RNA de cerca de 100 bases nitrogenadas já podem passar por evolução darwiniana, e por aí vai), mas só a descoberta de uma “segunda origem” da vida pode confirmá-la além de qualquer dúvida. 😉
Daria para considerar habitáveis eventuais luas de gigantes gasosos em outros sistemas?
Se é possível, o Kepler fez alguma busca nesse sentido? Ou é longe demais para saber se os jupiterzões têm luas?
Até hoje, os dados do Kepler não revelaram nenhum sinal convincente de luas. Mas é bem difícil detectar luas.
Se tivessem porte suficiente e o gigante gasoso estivesse na zona habitável, por que não?
Salvador, seria interessante realizar o calculo da equacao de drake como voce ja fez num post anterior, porem agora com os novos numeros do kepler, para chegar a um resultado mais assertivo, seria bem inreressante, fica a sugestao.
O número não mudaria muito. Ali eu já usava uma estimativa baseada no Kepler, e publicada por Erik Petigura, se não me engano, em 2014. Ele já fazia esses cálculos de completude e falsos positivos, num processamento análogo ao que o pessoal da missão fez agora.
“assertivo” certamente nao é uma palavra derivada de “acerto”.
Salvador, há uma coisa que sempre me incomoda, quando leio sobre “vida em outros planetas”. Normalmente, – só há um parâmetro no momento, a vida na Terra – lê-se que tal e tal, está na tal zona dos cachinhos dourados, o que em tese, permite a existência de água líquida, etc. e tal. Condições essenciais para a origem da vida “como a conhecemos”. Será – este é um grande “será” – que podem existir outras formas que nem de longe se pareçam com a nossa? Ou seja, mesmo aqui na Terra, os extremófilos, são um exemplo de que vida pode existir, sem luz, oxigênio, etc. Se de fato, um dia, pudermos visitar as estrelas, com uma nave como a Enterprise, não encontraremos surpresas, que revolucionará o paradigma de vida? Sempre me lembro da Nuvem Negra de Fred Hoyle, ou mesmo da Bolha Assassina, e me pergunto se vidas assim serão possíveis. Talvez, um planeta habitando uma pulsar, possa produzir vida, bem diferente da que conhecemos. Sei que um exercício de imaginação, mas quem sabe o que o Universo nos reserva de surpresas?
Ronald, acabei de responder pergunta muito parecida. Pois é, “vida como não a conhecemos”. Falo um pouco dela no meu livro “Extraterrestres”. O problema é que ninguém teve uma boa ideia de como ela poderia ser, nem topamos com nada como ela em nossas perambulações pelo Sistema Solar. (Vênus, Marte, Júpiter e Saturno seriam ótimos lugares para “vida como não a conhecemos”, mas, a despeito de termos explorado — assumidamente pouco — esses mundos, nada encontramos que sugerisse uma biologia alternativa por lá.) Ademais, a vida na Terra é baseada nos elementos mais abundantes — e versáteis — do Universo. Há de se supor que é a solução mais comum, ainda que possa não ser a única. Não é um preconceito bobo focar em “vida como a conhecemos”. Na verdade estamos focando nos átomos mais comuns do cosmos, nas formas mais versáteis para química complexa que já vimos. Calhou de ser a vida terrestre essa combinação aí. 😉
Sim, tem toda razão. Mas além da tabela periódica, há as quatro leis forças fundamentais do Universo. E elas poderiam interagir para criar algo que está além de nossa capacidade de compreensão. Já imaginou um campo eletromagnético dotado de consciência? Bem.. A menos que se descubra mais forças que ainda desconhecemos. Desculpe… Viajei demais. É que gosto muito de ficção científica. Um abraço.
Eu também gosto, e adoro aquelas entidades de energia pura que vivem aparecendo em Star Trek. Só não imagino como elas pudessem existir na realidade. 😛
Abraço!
Sobre o debate de vocês:
CARTA DE UM LOUCO
(Guy de Maupassant)
Meu caro doutor, eu me coloco nas suas mãos. Faça de mim o que o senhor achar melhor.
Vou descrever-lhe, de maneira bem franca, o meu estranho estado de espírito, e o senhor julgará se não seria melhor que tratassem de mim durante algum tempo em uma casa de saúde, em vez de me deixar sujeito às alucinações e sofrimentos que me perseguem.
Eis a história, longa e exata, do mal singular da minha alma.
* * *
Eu vivia como todo mundo, contemplando a vida com os olhos abertos e cegos do homem, sem me espantar e sem compreender. Vivia como vivem os animais, como vivemos todos, executando as funções da existência, examinando e acreditando ver, acreditando saber, acreditando conhecer o que me cercava, quando, um dia, percebi que tudo é falso.
Foi uma frase de Montesquieu que, bruscamente, iluminou meu pensamento. Ei-la: “Um órgão a mais ou a menos em nossa máquina teria feito de nós uma outra inteligência.
“… Enfim, todas as leis estabelecidas sobre o que é nossa máquina que de um certo modo seriam diferentes se nossa máquina não fosse dessa maneira”.
Refleti sobre isso durante meses e meses e, pouco a pouco, uma estranha clareza penetrou em mim.
Com efeito – nossos órgãos são os únicos intermediários entre o mundo exterior e nós. Quer dizer que o ser interior, que constitui o ‘eu’, encontra-se em contato, por meio de alguns filetes nervosos, com o ser exterior que constitui o mundo.
Ora, não só este mundo exterior nos escapa por suas proporções, sua duração, suas propriedades infinitas e impenetráveis, suas origens, seu porvir ou seus fins, suas formas longínquas e suas manifestações infinitas, como nossos órgãos só nos fornecem informações incertas e pouco numerosas sobre parte dele que nos é acessível.
Incertas, porque são apenas as propriedades de nossos órgãos que determinam para nós as propriedades aparentes da matéria.
Pouco numerosas, porque sendo nossos sentidos apenas em número de cinco, o campo de suas investigações e a natureza de suas revelações se acham muito restritas.
Explico-me. – O olho nos indica as dimensões, as formas e as cores. “Ele nos engana sobre esses três pontos”.
Só pode nos revelar objetos e seres de dimensão média, proporcionais ao talhe humano, que nos levou a aplicar a palavra grande a certas coisas e a palavra pequeno a outras, somente porque sua fraqueza não lhe permite conhecer o que é muito grande ou pequeno para ele. De onde resulta que ele não conhece e não vê quase nada, que o Universo quase todo lhe permanece oculto, a estrela que habita o espaço e o animálculo que habita a gota d’água.
Ainda que tivesse cem milhões de vezes a sua potência normal, se percebesse no ar que respiramos todas as espécies de seres invisíveis, como os habitantes dos planetas vizinhos, ainda existiriam um número infinito de raças de animais menores e de mundos tão longínquos que ele não os atingiria.
Portanto, todas as nossas idéias de proporção são falsas, já que não há limite possível, nem para a grandeza nem para a pequenez.
Nossa apreciação sobre as dimensões e as formas não tem nenhum valor absoluto, sendo determinada unicamente pela potência de um órgão e por uma comparação constante com nós mesmos.
Acrescentemos que o olho é, ainda, incapaz de ver o transparente. Um copo sem defeito o ilude. Ele o confunde com o ar que também não vê.
Passemos à cor.
A cor existe porque nosso olho é constituído de tal modo que transmite ao cérebro, sob forma de cor, as diversas maneiras como os corpos absorvem e decompõem, segundo sua constituição química, os raios luminosos que o atingem.
Todas as proporções dessa absorção e dessa decomposição constituem os matizes.
Este órgão, portanto, impõe ao espírito a sua maneira de ver, ou melhor, a sua forma arbitrária de constatar as dimensões e de apreciar as relações da luz e da matéria.
Examinemos o ouvido.
Mais ainda do que com o olho, nós somos as vítimas ingênuas deste órgão fantasista.
Dois corpos que se chocam produzem um certo tremor da atmosfera. Esse movimento faz vibrar em nossa orelha uma certa película que transforma imediatamente em ruído o que, na realidade, é apenas uma vibração.
A natureza é muda. Mas o tímpano possui a propriedade miraculosa de transmitir-nos sob a forma de sensações, e de sensações diferentes segundo o número de vibrações, todos os rumores das ondas invisíveis do espaço.
Esta metamorfose executada pelo nervo auditivo no curto trajeto do ouvido ao cérebro permitiu-nos criar uma arte estranha, a música, a mais poética e a mais precisa das artes, vaga como um sonho e exata como a álgebra.
E o que dizer do gosto e do cheiro? Conheceríamos os perfumes e as qualidades dos alimentos sem as estranhas propriedades do nosso nariz e do nosso paladar?
Entretanto, a humanidade poderia existir sem a audição, sem o paladar e sem o olfato, quer dizer, sem nenhuma noção do ruído, do sabor e do odor.
Se tivéssemos, portanto, alguns órgãos a menos, ignoraríamos coisas admiráveis e singulares, mas, se tivéssemos alguns órgãos a mais, descobriríamos em torno de nós uma infinidade de outras coisas de que nunca suspeitaremos por falta de meios de constatá-las.
Enganamo-nos, pois, julgando o Conhecido, e estamos cercados pelo Desconhecido inexplorado.
Logo, tudo é incerto e apreciável de maneiras diferentes.
Tudo é falso, tudo é possível, tudo é duvidoso.
Formulemos esta certeza servindo-nos do velho ditado: “Verdade deste lado dos Pirineus, erro do outro”.
E digamos: verdade em nosso órgão, erro ao lado.
Dois e dois não devem mais ser quatro fora da nossa atmosfera.
Verdade sobre a Terra, erro mais além, donde concluo que os mistérios entrevistos como a eletricidade, o sono hipnótico, a transmissão da vontade, a sugestão, todos os fenômenos magnéticos, só nos permanecem ocultos porque a Natureza não nos forneceu o órgão ou os órgãos necessários para compreendê-los.
Depois de me convencer de que tudo o que os meus sentidos me revelam só existe para mim tal como o percebo o que seria totalmente diferente para outro ser organizado de outra maneira, depois de concluir que uma humanidade concebida de uma maneira diversa teria sobre o mundo, sobre a vida, sobre tudo idéias completamente opostas às nossas, pois o acordo das crenças resulta apenas da similitude dos órgãos humanos e as divergências de opinião provêm somente de ligeiras diferenças de funcionamento dos nossos filetes nervosos, fiz um esforço sobre-humano para conjecturar o insondável que me cerca.
Enlouqueci?
Disse a mim mesmo: “Estou cercado de coisas desconhecidas.” Imaginei o homem sem ouvidos, conjeturando o som como conjeturamos tantos mistérios ocultos, constatando fenômenos acústicos dos quais não poderia determinar, nem a natureza nem a procedência. E tive medo de tudo à minha volta, medo do ar, medo da noite. Já que não podemos conhecer quase nada, já que tudo é ilimitado, o que resta? O vazio não existe? O que há no aparente vazio?
E esse terror confuso do sobrenatural que habita o homem desde o nascimento do mundo é legítimo, pois não é outra coisa senão aquilo que nos permanece oculto.
Então compreendi o medo. Pareceu-me que tocava, continuamente, na descoberta de um segredo do Universo.
Tentei estimular meus órgãos, excitá-los, fazê-los perceber por momentos o invisível.
Disse a mim mesmo: “Tudo é um ser. O grito que atravessa o ar é um ser comparável ao animal, porque nasce, produz um movimento e transforma-se novamente para morrer. Ora, o espírito receoso que acredita em seres incorporais não está enganado, então. Quem são eles?”
Quantos homens os pressentem, estremecem à sua chegada, tremem ao seu misterioso contato? Sentem-nos perto de si, em torno de si, mas não conseguem distingui-los, porque não possuímos o olho que os veria, ou melhor, o órgão desconhecido que poderia descobrí-los.
Nesse caso, mais do que ninguém, eu os sentia, esses passageiros sobrenaturais. Seres ou mistérios? Será que sei? Não poderia dizer o que são, mas poderia assinalar a sua presença. E eu vi – vi um ser invisível -, tanto quanto se podem ver esses seres.
Passava noites inteiras imóvel, sentado diante da mesa, a cabeça entre as mãos, pensando neles. Muitas vezes pensei que uma mão intangível, ou melhor, um corpo imperceptível roçava-me levemente os cabelos. Não me tocava, pois não era de essência carnal, mas de essência imponderável, desconhecida.
Ora, uma noite, ouvi o assoalho estalar atrás de mim. Ele estalou de um modo singular. Estremeci. Voltei-me. Nada vi. E não pensei mais nisso.
Mas no dia seguinte, na mesma hora, o mesmo ruído se produziu. Tive tanto medo que me levantei, certo, certo de que não estava sozinho no meu quarto. Entretanto, não se via nada. O ar estava límpido, transparente por toda parte. Meus dois candeeiros iluminavam todos os cantos.
O ruído não recomeçou, e eu acalmei-me pouco a pouco; no entanto, permanecia inquieto e me virava muitas vezes.
No dia seguinte tranquei-me cedo, imaginando como poderia chegar a ver o Invisível que me visitava.
Eu o vi. Quase morri de terror.
Tinha acendido minha lareira e todas as velas do meu lustre. O aposento estava iluminado como para uma festa. Meus dois candeeiros ardiam sobre a mesa]
Diante de mim, a minha cama, uma velha cama de carvalho com colunas. À direita, a lareira. À esquerda, a porta cuidadosamente fechada. Atrás de mim, um armário muito alto com um espelho. Estava diante dele. Tinha olhos estranhos e as pupilas muito dilatadas.
Depois sentei-me, como todos os dias.
O ruído se produzira, na véspera e na antevéspera, às nove horas e vinte e dois minutos. Esperei. Quando chegou o momento preciso, senti algo indescritível, como se um fluido, um fluido irresistível tivesse penetrado em mim por todas as partes do meu corpo, mergulhando a minha alma num terror atroz. E o estalo ocorreu, bem perto de mim.
Levantei-me, virando-me tão depressa que quase cai. Enxergava-se como em pleno dia, e eu não me vi no espelho!Ele estava vazio, claro, cheio de luz. Minha imagem não estava lá, e eu estava diante dele. Olhava-o com um olhar alucinado. E não ousava mais avançar, sentindo que ele estava entre nós, ele, o Invisível que me ocultava.
Oh! Como tive medo! Depois, subitamente comecei a avistar-me numa bruma no fundo do espelho, numa bruma como que através da água; e me parecia que essa água deslizava da esquerda para a direita, lentamente, tornando a minha imagem mais precisa a cada segundo. Era como o fim de um eclipse. O que me ocultava não possuía contornos, mas uma espécie de transparência opaca que ia clareando pouco a pouco.
Pude, enfim, distinguir-me completamente, assim como faço todos os dias ao olhar-me.
Eu o tinha visto!
E não o vi de novo.
Mas eu o aguardo a todo momento, e sinto que minha cabeça se perde nessa espera.
Fico diante do espelho durante horas, noites, dias, semanas, para esperá-lo! Ele não vem mais.
Percebeu que eu o vira. Mas sinto que o esperarei sempre, até a morte, que o esperarei sem descanso, diante desse espelho, como um caçador à espreita.
E, nesse espelho, começo a ver imagens loucas, monstros, cadáveres horrendos, todas as espécies de animais horripilantes, de seres atrozes, todas as visões inverossímeis que devem habitar o espírito dos loucos.
* * *
Eis a minha confissão, meu caro doutor. Diga-me, o que devo fazer?
(17 de fevereiro de 1885)
Perna,
Que fantástico este texto! (Guy de Maupassant)
Concordo. Primeiro há que se definir vida. O que é vida para você?
Gosto da definição da Nasa, sugerida pelo Carl Sagan: vida é um sistema químico auto-sustentado capaz de evolução darwiniana.
Uma semente de uma árvore é um ser vivo pra você?
Claro que sim. Ela é um sistema químico, ela é auto-sustentada (ninguém ou nada precisa interferir para manter sua integridade) e ela é capaz de evolução darwiniana (seu sistema genético não é à prova de erros na replicação). E isso vale para sementes de animais também — espermatozoides e óvulos são obviamente vivos.
Espermatozóides e óvulo estão vivos, concordo. Mas são um ‘ser’ vivo?
E se a semente de árvore é um ser vivo, então pode haver ser vivo inerte? Um ser pode ser ‘vivo’ sem que processos biológicos estejam ocorrendo nele?
Nós não estamos definindo um ser vivo, estamos definindo vida. Não acredito que possa haver um ser vivo fora do contexto vida. E vida é um processo. A semente está viva, à medida em que faz parte do processo vida.
Perna/Salva… Parece-me que o texto pretende que pensemos em uma vida diferente da vida como vocês definiram até agora!
E minha alegação é que não há como definir vida de outra maneira. Porque passa a um vale-tudo, e aí se torna inútil. Imagine que tiremos a parte da “evolução darwiniana” da definição. Aí podemos considerar estrelas e pedras vivas. No final, tudo é composto por um sistema químico auto-sustentado. De que nos serve uma definição que inclui tudo e não exclui nada? 😛
salvador, pelo jeito mesmo que alguém viesse a apresentar alguma forma de vida diferenciada da convencional você usaria o teu (NOR, Or) corretor e daria um block.
não estou eu quer inventei o termo Plasma e anti-plasma e nem o termo matéria e anti-matéria.
Eu só não fui la no site da NASA e peguei tudo o que estou te dizendo para te mostrar o sentido.
Da mesma forma que o Urso Pooh tava la o tempo todo.
Você deve estar dando muitos( Or-Nor) blocks nos sites da NASA também. Complicado.
Acho que essa definição é genérica demais. Se você considera óvulos e espermtozóide formas de vida, então você pode fazer o raciocínio inverso e – ainda dentro da mesma definição – considerar que um formigueiro ou uma colméia é um ser vivo, ou mesmo a Humanidade.
Mas Salva, você ainda está falando em vida como a conhecemos – moléculas orgânicas, etc., ainda que em arranjos diferentes dos que há por aqui.
Por “vida como não a conhecemos” eu entendo formas completamente diferentes, como a citada do startrek ou – vai saber – imagine que as estrelas de uma determinada região se arranjem de forma semelhante à dos átomos, e as galáxias semelhante a moléculas, quiçá não poderia haver um ‘serzão’ por aí.
Não, estou falando como vida como não a conhecemos, mas claro, feita de coisas que conhecemos. Até porque falar de coisas feitas de coisas que não conhecemos sem saber sequer qualquer de suas propriedades é praticamente religião, né? 😛
Não. Pode ser apenas um exercício de imaginação. Ou filosofia.
Não se o exercício é para buscar outras formas de vida, como sugerido no início da discussão. 😉
Um exercício filosófico de imaginar como pode ser a vida como não a conhecemos. Onde está a religião nisso?
Já tivemos essa mesma discussão, em outros disfarces. Imaginar a vida como não a conhecemos não é um exercício filosófico, é um exercício científico, porque para o começo da conversa você vai precisar de uma definição de vida, e essa definição só pode ser alicerçada por balizas conhecidas. Como discutir qualquer tipo de vida sem definir o que é vida antes?
Parabéns pelos seus posts. São uma lufada de ar fresco nestes ambientes de ar viciado em que respiramos hoje.
Vamos às dúvidas:
Incomoda-me muito essa discussão a respeito da existência de “vida semelhante à da Terra” na “Zona habitável”. Pergunto: semelhante em que, cara pálida? Por que não alargar o conceito de “vida”? Já não seria suficientemente estupefaciente descobrirmos vida com pouca ou nenhuma semelhança com a da Terra? Será que não dá para sair da caixinha nessa matéria e alargar o conceito de “vida”? Que difícil isso, né não?
Outra coisa: curioso como, pensando um pouco torto, essa notícia (que já está nas entrelinhas) de que não estamos sós está sendo entregue aos humanos daqui meio a conta gotas. Em câmara lenta. Sem chocar.
O que você acha disso?
Carlos, sobre alargar o conceito de “vida”, é desejável. Mas é fácil falar e difícil fazer. Ninguém até hoje conseguiu imaginar uma bioquímica alternativa tão versátil quanto a nossa velha conhecida, baseada em água como solvente e carbono como base da vida. Fala-se em amônia no lugar de água, e silício no lugar de carbono, mas não são escolhas tão boas — amônia está longe de ser tão boa como solvente quanto a água, com sua estrutura molecular polar, e o silício, embora seja da mesma família química que o carbono, oferece muito menor variedade química. Ademais, água é mais abundante que amônia no Universo, e carbono é mais abundante que silício. Isso faz com que “vida similar à da Terra” seja, na pior das hipóteses, a que tem maior chance de surgir no Universo.
Fora isso, poderíamos alargar nosso conceito de “vida como não a conhecemos” se a encontrássemos. Mas, até agora, não aconteceu. Nossas sondas estiveram em Vênus e em Marte, e não vimos sinal algum de biologia alternativa. É um sintoma de que talvez não seja possível uma alternativa bioquímica para a vida. Mas é cedo. Talvez Titã, a lua de Saturno, nos ofereça a maior chance de topar com algum tipo de biologia alternativa. Uma sonda nossa já pousou por lá e não encontrou nenhum sinal disso. Mas não dá para cravar.
Resumo da ópera: até agora não vimos nem imaginamos nada que pudesse ser efetivamente “vida como não a conhecemos”. Só nos resta, portanto, ao menos como hipótese de trabalho, buscar “vida como a conhecemos”.
Por fim, sobre a história do “conta-gotas”, a ciência é feita a conta-gotas. O público é que em geral não sabe disso e fica criando hipóteses mirabolantes de ocultação. A tecnologia para descobrir exoplanetas nem existia há 30 anos. Como poderia a Nasa divulgar algo sobre exoplanetas naquela época se nem sua existência havia sido demonstrada? (O primeiro exoplaneta ao redor de uma estrela similar ao Sol só foi descoberto em 1995.)
Salvador, notei uma ponta de antropocentrismo no seu comentário com relação a amônia e o silício. Nas CNTP terrestres pode ser, mas quem sabe num desses planetas gigantes descobertos não se tornem favoráveis!?! Mas concordo com você, vida similar a da Terra tem mais chance.
Não, estou justamente contando com esses outros planetas e seus ambientes malucos! Só que não vimos nada neles até agora que indique vida. E veja que não precisaria muito — só de vermos compostos fora do equilíbrio químico, fossem quais fossem, já seriam uma boa pista.
Não sei se houve uma ponta de antropocêntrismo, química é química não importa onde esteja no universo.
De fato CNTP é uma base que pode ser diferente em outro lugar, mas quando falamos de seres vivos, partimos do princípio que existe uma base química complexa, e nesse quesito o carbono é imbatível. O resto pode ter inúmeras variações, mas o carbono é difícil excluir da massa do bolo.
Aqui na Terra existe silício de montão, é o segundo elemento químico mais abundante, milhares de minerais com base de silício formado nas mais diversas condições, e nem por isso encontramos algo que poderia ser chamado de vivo. Não existe nem um ser baseado em silicio reproduzindo por aí.
Enfim, o silício não é um bom candidato para formação natural da vida, aqui teve bilhões de anos de chance e não vingou rsrs
Mas quem sabe robôs autoreplicantes no futuro possam ser chamados de vivos, aí seria a vingança do silício 🙂
Salvador, boa tarde!
Qual a sua opinião sobre o radiotelescópio Alma e seu método de busca?
Não lhe parece mais robusto que o do Kepler?
Abraço!!
O Alma não é um “buscador”. Ele estuda objetos específicos. E tem função muito diferente da do Kepler, observando em outra faixa do espectro eletromagnético. Ele é ótimo para enxergar ambientes empoeirados, como discos protoplanetários. Seria muito menos eficiente para buscar planetas formados (embora uma dupla de brasileiros, inclusive um deles o meu amigo Cassio Barbosa, blogueiro do G1, já tenham tentado emplacar o uso do Alma como detector de exoplanetas por trânsito) do que o Kepler. O Alma é “multi-uso”, uma rede de radiotelescópios para múltiplas aplicações; o Kepler tem ideia fixa, o negócio dele é achar planetas. 😉
A existência ou não de luas nesses planetas que estão sendo descobertos influencia de alguma maneira a probabilidade de existência de vida mais complexa do que bactérias? ( pergunto porque já ouvi falar que no caso da Terra isso seria verdadeiro )
Estou ansioso pelo início dos estudos da atmosfera destes planetas!
E essa área rastreada, 0,25 % da abóbada, fica a que distancia da Terra, Salvador?
Não passa de uns 6-7 mil anos-luz.
Salvador,
É correto afirmar que com a tecnologia atual é impossível detectar planetas em outras galáxias?
abs
Acredito que sim. Mas já achamos um sistema planetário que veio de outra galáxia — uma estrela que foi ejetada de sua galáxia de origem e veio parar na Via Láctea por acaso…
Isso é novidade, Salvador! Que loucura! A distância entre as galáxias não impediria esse tipo de coisa? Como descobriram que a estrela era de outra galáxia? Você publicou algo sobre isso? Abraço!!!
Não publiquei, foi antes de eu começar o blog aqui. Dê uma olhada no release português do ESO, de 2010: https://www.eso.org/public/brazil/news/eso1045/
Olhei no link, Salvador, a notícia é muito interessante, mas não esclarece como é que eles sabem que essa estrela pertence à tal “Corrente de Helmi” e como podem afirmar que essas estrelas vieram de uma galáxia anã que orbitava a nossa)… 🙁
Salvador, sou assinante folha digital, e abro sempre o site pela manhã e fico maravilhado em (ganhar) meu tempo lendo a sua coluna, parabéns mais uma vez.
Valeu! Muito honrado!
Salvador, bom dia. Excelente post. Muito esclarecedor. É a primeira vez que vejo um inventário tão completo da saga deste caça planetas. Esta estatística confirma que o percentual de planetas parecidos com a terra potencialmente habitáveis é bem ínfima representado apenas 1,8% do total. Ficam as seguintes perguntas: ¿O Kepler ainda pode ser redirecionado para uma região especifica que se queira observar.? ¿O telescópio James Webb será o sucessor do Kepler? ¿Se sim, quais funções adicionais ele incorpora? ¿Existe algum viés observacional que, se eliminado, faria o percentual de potencialmente habitáveis aumentar?
Essa sua estatística não tem grande significado — não podemos comparar o total de planetas com o total “parecidos com a Terra”, porque há uma série de vieses no catálogo (não pega órbitas mais longas, não pega planetas muito pequenos, tem alguma taxa de falsos positivos). Contudo, desconfio que o número final não vá ser muito diferente desse que você descreve — que é um número muito bom, na verdade. Significa que existem bilhões de planetas potencialmente habitáveis na galáxia. (Número mínimo de planetas é pelo menos do mesmo tamanho que o número mínimo de estrelas, que é de 100 bilhões, o que significa pelo menos 1,8 bilhão de planetas parecidos com a Terra potencialmente habitáveis na Via Láctea. É planeta que não acaba mais.)
Sobre o futuro do Kepler (K2), ele é apontado para regiões do céu ao longo da eclíptica, porque está usando a pressão de radiação solar como estabilizador do apontamento em um dos eixos. Então ele não pode olhar para qualquer lugar do céu, mas tem feito baterias de observações ao longo da eclíptica, parando 80 dias em cada lugar, aproximadamente.
O sucessor imediato do Kepler será o TESS, a ser lançado no ano que vem. Ele fará busca de planetas em céu inteiro, durante dois anos, e depois, aí sim, poderia ser apontado para alvos específicos, a partir do terceiro ano de operação.
Por fim, sua última pergunta, como eu disse no começo, existem vieses sim. Primeiro que planetas com o tamanho exato da Terra ou menor em torno de estrelas do tamanho do Sol estão na verdade um pouco além dos limites seguros de detecção do Kepler. Por isso, só acabamos encontrando planetas em geral um pouquinho maiores que a Terra, e a tendência é que muitos “equivalentes” da Terra sejam perdidos no ruído. Segundo, o Kepler pifou em 2013, o que o obrigou a interromper a observação daquele campo. Isso deu quase 4 anos de observação, o que, em tese, permitiria observar só 3 trânsitos de planetas em órbitas similares à da Terra (1 ano). Em órbitas um pouco maiores, o número de repetições cairia a 2, e isso não daria segurança suficiente na detecção (com 2 trânsitos é difícil dizer se é o mesmo planeta passando duas vezes, ou dois planetas, cada um passando uma vez; só com 3 trânsitos surge segurança maior de que é o mesmo). Por fim, lembremos que existe um viés natural que é de que, quanto maior a órbita, menor é a probabilidade de um alinhamento preciso para a detecção por trânsito. Eu cito no post que em média o Kepler pega apenas 5% dos planetas no campo de visão, por conta disso. Mas é em média. Para planetas em órbitas maiores, esse número cai vertiginosamente. Para planetas em órbitas do tamanho da terrestre, o Kepler pega apenas 0,5% dos planetas no campo de visão. Então, o número de 1,8% que você apresenta tende a aumentar. Mas não tanto, porque esses vieses também escondem planetas inabitáveis, de modo que o número total de planetas tende a crescer.