Astrônomos captam o sutil sinal das primeiras estrelas do Universo

Salvador Nogueira

Pela primeira vez, um grupo de astrônomos americanos diz ter detectado o sutil eco eletromagnético gerado pelo nascimento das primeiras estrelas do Universo.

Com isso, foi possível determinar que o “amanhecer cósmico”, com o surgimento dos primeiros astros luminosos, aconteceu cerca de 180 milhões de anos após o bombástico início da expansão do cosmos, o chamado Big Bang, ocorrido há 13,8 bilhões de anos.

Além de confirmar uma importante predição da cosmologia moderna, o achado pode representar um ponto de inflexão na busca por pistas que ajudem a explicar do que é feita a misteriosa matéria escura — algo que, apesar de ser cinco vezes mais comum que a matéria convencional, até o momento escapou a qualquer tentativa de detecção direta.

Contudo, como convém a toda grande novidade científica, há de se ter cautela. Afinal de contas, não é nada fácil detectar um sutil sinal de rádio em meio à cacofonia eletromagnética produzida pela própria humanidade — isso sem contar os sinais típicos de objetos astrofísicos espalhados pelo Universo.

Tanto é esse o caso que o maior trabalho do grupo liderado por Judd Bowman, da Universidade Estadual do Arizona, foi não meramente obter o resultado, mas replicá-lo repetidas vezes e tentar investigar todas as maneiras pelas quais eles podem ter chegado a uma conclusão errada ou obtido um falso positivo.

Antena do Edges, experimento que detectou o sinal das primeiras estrelas do Universo, na Austrália. (Crédito: CSIRO)

UMA ANTENA NO DESERTO
A descoberta foi feita com um equipamento à primeira vista pouco impressionante — uma simples antena, no formato de uma mesa, instalada no deserto do oeste australiano.

A iniciativa é parte do projeto Edges, sigla inglesa para Experimento para Detectar a Época da Assinatura de Reionização Global, e as observações com a antena começaram em agosto de 2015.

A estratégia foi observar vastas regiões do céu, tentando captar um sinal persistente de baixa frequência, entre 50 e 150 megahertz — faixa de frequências familiar a muitos ouvintes de rádio FM, o que é um drama à parte para os pesquisadores.

Em essência, eles queriam detectar o sinal produzido pelos átomos de hidrogênio primordiais espalhados de forma difusa pelo Universo primitivo ao serem excitados pela luz ultravioleta gerada pelas primeiras estrelas.

Excitação, nesse caso, é basicamente uma injeção de energia para que o elétron do átomo de hidrogênio salte para uma camada mais externa. E, assim excitado, ele passaria a absorver a radiação cósmica de fundo — o eco luminoso gerado pelo Big Bang quando o Universo se tornou suficientemente diluído para não ser mais opaco e permitir o livre trânsito das partículas de luz.

Ao absorver a radiação cósmica de fundo, ele produziria uma redução da intensidade dela a uma frequência muito específica — é esse sinal especificamente que os pesquisadores buscaram.

E encontraram. A predição era em algum lugar entre 50 e 150 MHz, e eles a acharam centrada ao redor de 78 MHz. Bem no alvo.

SEMPRE DUVIDE
A primeira coisa que Bowman e seus colegas fizeram, ao detectar exatamente o que procuravam, foi duvidar do resultado. Afinal, antes de encontrá-lo, eles tiveram de eliminar todos os ruídos de interferência humana e de todos os objetos cósmicos, inclusive a faixa da Via Láctea, que brilha de forma inconveniente em rádio e atrapalha as medições. É preciso subtrair tudo isso.

Os radioastrônomos já têm certa prática em fazer essa subtração com objetos astrofísicos, por exemplo “limpando” o sinal da radiação cósmica de fundo das interferências geradas dentro da nossa galáxia.

A despeito disso, os pesquisadores fizeram diversos testes de equipamento e de processamento para tentar se resguardar contra um falso positivo. Também montaram uma segunda antena, distante 150 metros, para ver se ela fazia a mesma detecção. Fez. Mudaram a direção das antenas. Mesmo resultado. Usaram dois métodos de processamento diferentes. Mesmo resultado.

Checaram um outro instrumento que operava em frequências entre 90 e 200 MHz. Como era de se esperar, nada nessa parte do espectro. Analisaram as interferências de rádio nas observações, inclusive as geradas por transmissões FM, e mostraram que elas geravam padrões diferentes do observado.

Depois de todas essas checagens, tiveram de aceitar o velho conselho de Sherlock Holmes: “Uma vez que você elimina o impossível, o que quer que sobre, não importa quão improvável, deve ser a verdade.”

E então submeteram os resultados ao periódico científico “Nature”, que os trouxe nas páginas de sua edição desta quinta-feira (01).

Fim da história? Muito pelo contrário, apenas o começo. “Do ponto de vista da comunidade de cosmlogia, o próximo passo é que outros experimentos verifiquem independentemente nossa medição”, explica Raul Monsalve, pesquisador da Universidade do Colorado em Boulder e coautor do trabalho.

“Essa é uma parte grande do processo científico. É uma medição desafiadora, mas esperamos que nos próximos poucos anos outros experimentos possam fornecer verificação independente.”

DA FREQUÊNCIA, A ÉPOCA
Agora, como os cientistas podem saber, a partir do sinal detectado de 78 MHz, que as primeiras estrelas nasceram 180 milhões de anos após o Big Bang?

Ocorre que eles sabem exatamente que frequência esse sinal devia ter quando foi gerado, lá atrás: 1.420 MHz. Essa é a frequência de transição de energia do átomo de hidrogênio.

E a frequência, claro, diz respeito às ondas eletromagnéticas que compõem o sinal: 1 hertz equivale a uma oscilação por segundo. E 1 megahertz equivale a 1 milhão de hertz.

Ocorre que o Universo está, desde o Big Bang, em um processo de expansão, o que significa dizer que o próprio espaço está crescendo com o passar do tempo.

Ondas eletromagnéticas viajando pelo espaço em expansão também se expandem. E essas em particular envolvidas no sinal, para detectarmos agora, precisam estar viajando praticamente durante todo o tempo de vida do Universo. Ou seja, devem estar muito esticadas. E, quanto mais se estica uma onda, menor fica a frequência dela. Daí os 1.420 MHz terem virado modestos 78 MHz.

Como os cientistas sabem a que taxa aproximada o Universo está se expandindo, eles podem atribuir ao tamanho do esticamento uma época específica: daí que agora sabemos que as primeiras estrelas nasceram 180 milhões de anos após o Big Bang (ou 13,6 bilhões de anos atrás, como queira).

IGUAL, MAS DIFERENTE
O fato de que os cientistas puderam prever — e então detectar — um sinal gerado em pleno “amanhecer cósmico” mostra como nossos modelos cosmológicos já atingiram um nível admirável de sofisticação. A essa altura, é possível reconstruir com precisão razoável o passado remoto do Universo e explicar sua evolução física e química. (Convenhamos, nada mau para macacos sem rabo que aprenderam apenas um século atrás alguns dos aspectos mais fundamentais das leis da física.)

Entretanto, ainda há algumas peças do quebra-cabeças que insistem em não se encaixar. Dentre elas está a enigmática matéria escura.

Sabemos que ela existe porque produz efeitos gravitacionais observáveis. Mas não sabemos de que é feita ou por que não pudemos detectá-la diretamente até agora.

Os físicos estão no momento tateando às cegas à procura de pistas, e parecem ter tropeçado numa agorinha mesmo.

Embora o sinal detectado pelo grupo de Bowman esteja na frequência prevista, a intensidade dele foi uma surpresa — duas a três vezes maior do que se imaginava.

Isso só pode significar que o gás hidrogênio difuso que compunha o Universo naquela época remota estava mais frio do que se imaginava — o que sugere que alguma coisa diferente, não prevista nos modelos, estava esfriando esse hidrogênio.

Uma possibilidade é a matéria escura.

Na mesma edição da “Nature” em que saíram os resultados de Bowman e colegas, Rennan Barkana, pesquisador da Universidade de Tel Aviv, em Israel, sugere essa conexão.

Ele avança a hipótese de que uma estranha interação entre matéria escura e convencional nessa época remota pode ter ajudado nesse resfriamento, o que, se for verdade, sugere que as partículas de matéria escura devem ser relativamente leves, com massa da ordem de poucas vezes a de um único próton.

Por isso o próprio Barkana — e com ele o resto da comunidade — está particularmente ansioso pela entrada de novos radiotelescópios no estudo desse sinal recém-detectado.

“Grandes conjuntos de antenas de rádio estão sendo construídos, como o HERA [sigla para Conjunto da Época da Reionização do Hidrogênio] e o SKA [sigla para Conjunto de Quilômetro Quadrado], que poderão em breve produzir informações muito mais detalhadas”, diz Barkana. “A explicação da matéria escura prediz um padrão específico que esses novos radiotelescópios devem ver, espero, em poucos anos.”

Monsalve não está menos entusiasmado. “Nossa medição pode se tornar um novo modo de aprender sobre matéria escura usando o Universo primitivo como laboratório”, diz. “E isso é empolgante, porque as condições do Universo primitivo não estão disponíveis no atual. Essa medição poderá nos ajudar a iluminar o mistério da matéria escura.”

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