Déjà vu all over again: ESO decide suspender participação brasileira

Foram ao todo quase oito anos de enrolação, conversa fiada e calotes, mas finalmente o ESO (Observatório Europeu do Sul) decidiu mostrar a porta da rua ao Brasil. Final melancólico e típico do que acontece com grandes projetos internacionais aos quais nosso país se associa e depois não cumpre o que promete.

O anúncio foi feito nesta segunda-feira (12) pela organização internacional — detentora da maior infra-estrutura para pesquisa astronômica no mundo — com a fineza que lhe cabe. O título da nota é apenas “Esclarecimento do envolvimento do Brasil”.

O acordo original de adesão entre Brasil e ESO foi assinado nos últimos dias de 2010, pelo então ministro da Ciência e Tecnologia do governo Lula, Sérgio Rezende. Ele previa a entrada do país na organização internacional como membro pleno, a um custo de 270 milhões de euros (mais de R$ 1 bilhão em dinheiro local) parcelados anualmente até o ano de 2021. Parte da negociação previa um desconto para os dois primeiros anos.

Só que levou cinco até que a adesão tramitasse pelo Congresso Nacional, o que se concluiu em maio de 2015 — mais como um desafio à então presidente Dilma Rousseff, já atolada com pautas-bomba e uma economia em frangalhos. Claro que ela não deu a canetada final para fazer valer o acordo internacional. Tampouco o presidente Michel Temer, após herdar a caneta.

Enquanto isso, ao longo desses oito longos anos, o ESO cumpriu fidedignamente sua parte no combinado, mesmo sem a gente pagar nada. Desde 2011, os astrônomos brasileiros têm tido acesso às instalações da organização para realizar pesquisa e empresas brasileiras ganharam o direito de disputar licitações para participar da construção do E-ELT, o telescópio de próxima geração que o consórcio internacional está construindo no Chile.

As conversas de bastidores entre astrônomos brasileiros e as lideranças europeias eram constrangedoras. “Agora está enrolado por causa do carnaval.” “Puxa, este é ano de eleição, difícil.” “É… tá chegando a Copa do Mundo. O país para.” “Fim de ano é complicado, ninguém fica em Brasília.” “Eita, a crise econômica está deixando o governo sem opções.” “Sabe como é, estamos no meio de um impeachment.” E por aí vai. A paciência do ESO finalmente acabou.

“Indicando que a finalização do Acordo de Adesão provavelmente não acontecerá no futuro próximo, o Conselho do ESO decidiu suspender o processo até que o Brasil esteja em posição de completar a execução do Acordo de Adesão, possivelmente por meio de uma renegociação. Com o apoio unânime de todos os seus Estados Membros, o ESO permanecerá aberto a receber o Brasil a qualquer momento. Enquanto isso, os arranjos de ínterim serão suspensos a partir de 1º de abril de 2018.”

A data é mais que propícia para a suspensão, uma vez que a palavra empenhada do Brasil em acordos internacionais vale menos que uma nota de três reais.

Tecnicamente, o ESO não nos expulsou — apenas suspendeu nossa participação até que paremos com a palhaçada. Mas, para bom entendedor, meia, certo? Estamos oficialmente fora do consórcio, pelo menos até voltarmos à mesa e falarmos sério — provavelmente com um cheque na mão.  O que vai acontecer exatamente nunca.

A entrada do Brasil no ESO caminha para terminar da mesma maneira que a participação nacional na Estação Espacial Internacional. Repare na semelhança do roteiro. Em 1997, o Brasil assina participação na ISS. Nasa cumpre de imediato suas obrigações e passa a treinar, em 1998, o astronauta brasileiro, enquanto aguarda a produção dos seis componentes para o complexo orbital designados ao Brasil. Seguem-se anos de enrolação e conversa mole. Em 2005, o governo brasileiro decide pagar aos russos para levarem seu astronauta à estação espacial, sem no entanto cumprir sua parte com a Nasa, mesmo depois de sucessivas renegociações e reduções de escopo da participação nacional. Em 2007, a agência espacial dos EUA perde a paciência e repassa as obrigações do Brasil à indústria americana. A exemplo do que aconteceu agora com o ESO, nunca houve cancelamento formal do acordo entre Brasil e EUA, assinado pelos presidentes de cá e de lá. Apenas o comunicado ao Brasil de que “não precisa mais” e o sumiço da bandeira brasileira na ISS. Pode esperar o sumiço da bandeira brasileira do site do ESO lá para 1º de abril.

É constrangedor. Como brasileiro, sinto-me envergonhado. E volto a repetir algo que já falei antes: não se trata de avaliar o custo-benefício de tais acordos, seja o da estação, seja o do ESO. Essa é uma discussão que precisa acontecer antes de qualquer acerto internacional. O real problema é que quando um presidente da República ou um ministro de Estado assina um acordo, é a palavra do país que está empenhada ali. A nossa palavra, por meio de nossos representantes legalmente constituídos. Mas a palavra do governo brasileiro — anteontem, ontem, hoje e provavelmente amanhã também — vale tanto quanto uma promessa do Zé Carioca.

Se algum país quiser minha opinião sobre como é fazer negócios com o Brasil, minha resposta honesta é: “Nem tente.” E isso é muito triste e embaraçoso para todos os brasileiros que sonham em construir um país sério, próspero e justo, independentemente de quem é o ESO ou a ISS da vez.

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