Queda de laboratório espacial chinês reacende debate sobre lixo espacial
O primeiro laboratório espacial chinês está caindo em direção à Terra. Deve fazer sua reentrada furiosa na atmosfera nos próximos dias, mais provavelmente neste domingo (1°), e, embora não ofereça perigo, reacende a velha discussão sobre o lixo espacial.
A Tiangong-1 foi lançada em 2011 como a primeira precursora do que seria uma estação espacial completa, multimodular, à moda da antiga russa Mir e da Estação Espacial Internacional. O melhor termo para defini-la é de um laboratório espacial com espaço limitado para tripulação — apenas 15 metros cúbicos de volume pressurizado.
Trata-se de um módulo de 10,4 metros e modestos 8,5 toneladas — menor que o Telescópio Espacial Hubble, que por sinal um dia também acabará caindo de volta de maneira descontrolada.
A missão chinesa foi tida como um sucesso completo: duas tripulações foram recebidas, em 2012 e 2013, e depois disso o satélite foi operado remotamente, justamente para testar a durabilidade de suas partes. Em 2016, a China — em geral fechada com relação a detalhes de seu programa espacial — comunicou à ONU que perdera contato com o laboratório.
Isso eliminava qualquer possibilidade de trazê-lo de volta à Terra de maneira controlada.
A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DO AR
Satélites em órbitas baixas, como o Tiangong-1, a aproximadamente 200 km de altitude, estão acima da maior parte da atmosfera terrestre, num ambiente que é um vácuo quase perfeito. Ênfase em “quase”. Algumas moléculas de ar ainda restam e causam arrasto sobre o satélite, que vai perdendo velocidade, e, com isso, altitude.
Para mantê-los em órbita, é preciso de vez em quando disparar os motores para elevar sua posição, o que é feito periodicamente na Estação Espacial Internacional, por exemplo. Não fosse isso, uma hora ela também queimaria na atmosfera.
Quando? Essa é uma das grandes incógnitas. A taxa de perda de altitude está intimamente associada à situação da atmosfera, que se expande e se contrai de acordo com fenômenos imprevisíveis, como o nível de atividade solar.
Por isso, o único jeito de saber quando um satélite descontrolado vai cair é monitorá-lo constantemente e fazer projeções, com barras de erro significativas. Quanto mais perto ele está de mergulhar de vez na atmosfera, mais precisa se torna a predição.
Por isso, tudo que se pode dizer no momento é que a queda, estimada por diversos órgãos espaciais, como a CNSA, a Nasa e a ESA (agências espaciais chinesa, americana e europeia, respectivamente), deve acontecer entre 31 de março e 2 de abril.
Onde? Essa é uma pergunta mais difícil ainda. Um satélite em órbita baixa dá uma volta na Terra a cada 90 minutos, o que quer dizer que uma imprevisibilidade de apenas 45 minutos no momento exato da reentrada resulta em meio mundo de distância.
Na prática, isso quer dizer que a Tiangong-1 pode cair em qualquer lugar entre as latitudes 43° N e 43° S. Isso inclui todo o território nacional e boa parte dos cinco continentes habitados.
A QUEDA PREOCUPA?
“A chance de atingir alguém é muito baixa, pois poucas partes do satélite poderiam resistir ao processo de reentrada”, explica Lucas Fonseca, engenheiro aeroespacial e líder da missão que enviará um experimento brasileiro à Estação Espacial Internacional.
“Pensar na possibilidade de uma catástrofe é algo totalmente descartado, pois durante a reentrada os poucos e pequenos detritos que sobrarem devem ser espalhados por distâncias maiores que 100 quilômetros.”
As circunstâncias são um pouco diferentes do caso do Skylab, laboratório espacial americano dos anos 1970 que caiu de volta na Terra em 11 de julho de 1979 e espalhou detritos pela região de Perth, na Austrália.
Naquela ocasiam, eram 74 toneladas que caíram do céu, contra apenas 8,5 de agora.
Ademais, a probabilidade de que lixo espacial cause danos é sempre muito baixa, e a maioria dos satélites que caem de volta o fazem de maneira descontrolada.
Em seu comunicado sobre o caso, a ESA destaca que a chance de alguém ser atingida por um detrito da Tiangong-1 é um décimo de milionésimo da probabilidade de ser atingido por um raio ao longo de um ano — também conhecida entre os leigos como “absurdamente baixa”.
Já reentraram na atmosfera terrestre cerca de 30 mil toneladas de veículos espaciais lançados desde o início da era espacial, em 1957. O número de fatalidades associadas a isso é, até o momento, zero.
Então isso quer dizer que o lixo espacial não é um problema? É sim, mas não para quem está na Terra, e sim para o uso do próprio espaço. Nas órbitas terrestres baixas, a atmosfera trata de promover a limpeza da região, mas objetos mais distantes da Terra não sofrem com o arrasto atmosférico e podem permanecer em órbita por milhares de anos _até colidirem com algum outro satélite.
Esses impactos, mesmo que sejam com um detrito de um centímetro, são extremamente danosos — estamos falando de uma colisão a velocidades da ordem de dezenas de milhares de quilômetros por hora. Daí a preocupação das agências espaciais com o lixo. É preciso manter o espaço limpo para que ele possa continuar a ser usado no futuro — para aplicações que vão desde monitoramento de recursos terrestres até telecomunicações, passando por defesa e geolocalização.
Da Tiangong-1, a única coisa que se pode esperar agora é um espetáculo para quem conseguir ver o momento da reentrada. “Será plenamente possível observar”, diz Fonseca. “Mas quem vai poder observar? Por ela estar descontrolada, fica difícil precisar onde.”
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