O nascimento dos mundos e a beleza de uma natureza infinitamente criativa

Às vezes, falar de astronomia é meramente falar de admiração — expressar esse sentimento quase indescritível de encantamento ao se confrontar com a beleza de um Universo em eterna mudança, em que estrelas nascem, estrelas morrem, e o ciclo continua.

O mais bonito nisso é a reverência que o ser humano precisa adotar diante do cosmos, para reconhecer que, por um lado, é um raro e especial privilégio de nossa espécie sermos capazes de compreender o que faz o Universo ser como é e, por outro lado, aceitar que não haverá mente consciente capaz de antecipar toda a miríade de possibilidades que o cosmos é capaz de gestar em seus espaços infinitos.

Esses dois parágrafos anteriores tentam resumir o que me ocorre ao ver as novas imagens divulgadas pelo ESO, o Observatório Europeu do Sul, colhidas com o instrumento SPHERE, instalado no VLT, o Very Large Telescope, no Chile. Eles mostram discos de gás e poeira ao redor de estrelas jovens — a “impressão digital” do processo de formação de planetas — e revelam que incrível variedade eles podem ter.

Operando desde 2014, o SPHERE foi desenvolvido especialmente para observar diretamente planetas gigantes gasosos ao redor de outras estrelas — o que, por sinal, ele já fez. Contudo, o instrumento, focado em luz infravermelha, também é excelente para o estudo de discos protoplanetários.

Já se imagina há séculos que planetas se formem em discos de gás e poeira — um entendimento que se consolidou definitivamente como a hipótese correta na década de 1980, com a detecção das primeiras estruturas do tipo. Contudo, sempre se imaginou que o processo seguisse um padrão regular, capaz de produzir sistemas planetários similares ao nosso.

Faz sentido, quando só se tem um exemplo concreto do final de um processo, imaginar que esse seja o único desfecho possível, ou, ao menos, o mais provável deles.

Ocorre que, a partir de 1995, quando se descobriu o primeiro exoplaneta a orbitar uma estrela similar ao Sol, ficou claro que nem todo sistema planetário nasce para ser um análogo solar. Pelo contrário, o que vemos por aí é uma infinidade de arquiteturas possíveis, algumas das quais considerávamos literalmente impossíveis até vermos com que naturalidade indiferente à nossa indignação pessoal o cosmos as produz. Planetas em diferentes configurações orbitais em torno de estrelas binárias, planetas gigantes gasosos em órbitas ultracurtas, sistemas planetários ultracompactos, com planetas orbitando bem pertinho uns dos outros… todas essas configurações eram disparates completos, até serem observadas, de novo e de novo, espalhadas por aí.

Nos últimos 20 anos, os astrônomos vêm se adaptando a essa mudança. Desafiados pela criatividade da natureza, investigam como se formam os chamados Hot Jupiters, por que a migração planetária parece ser um processo tão comum — podendo inclusive ter acontecido no passado remoto do nosso Sistema Solar — e que diferentes processos levam a que tipos de sistemas.

Nesse sentido, a próxima revolução na compreensão vem agora, com os estudos cada vez mais detalhados dos discos protoplanetários. As imagens do SPHERE, colhidas para dois trabalhos científicos, se concentram em estrelas do tipo T Tauri, que são basicamente estrelas com brilho variável e muito, muito jovens — menos que 10 milhões de anos. Contraste isso com a idade do Sol, hoje em sua meia idade — 4,6 bilhões de anos –, e temos aí uma boa referência de como elas ainda são bebês.

A pesquisa ganhou o nome de DARTTS-S, acrônimo para Discos Ao Redor de Estrelas T Tauri com o SPHERE, e se concentrou em astros desse tipo a distâncias relativamente modestas da Terra, entre 230 e 550 anos-luz. E o que se vê, fora a beleza singela do processo que leva a formação de mundos inteiros, é sua incrível variedade.

Pode-se notar formas variadas nos discos, anéis concêntricos escuros em padrões diferentes, indicando as faixas de transição entre as regiões em que diversos compostos voláteis podem se solidificar em gelo e contribuir com a formação de planetesimais e até mesmo a presença inferida de planetas em processo de nascimento escavando vãos no disco.

Curioso observar como alguns discos com uma forma que lembra mais um hambúrguer.

E a descoberta mais interessante dessa bateria de observações foi encontrar um disco protoplanetário ao redor de uma estrela anã vermelha jovem.

Até aí, nada surpreendente. O que realmente causou coceiras no cérebro dos astrônomos foi o fato de que essa estrela pertence a um sistema múltiplo do qual foi observado também um disco protoplanetário de uma estrela T Tauri. E os dois discos, embora devam ser contemporâneos, posto que formados da mesma “ninhada” estelar, estão em estágios evolutivos diferentes: o da anã vermelha (visto na imagem acima, ao centro) está bem mais “velho” que o da T Tauri. Como se deu essa diferença? O que ela significa? Qual o impacto disso para a consolidação dos sistemas planetários nas duas estrelas? Os astrônomos não sabem, e até essa observação nem tinham como sequer fazer esta pergunta.

E esta é a beleza da ciência: ela presta homenagem aos que nos antecederam e propuseram as hipóteses corretas para explicar nossas observações, mas também clama pela próxima geração de cientistas, que será capaz de explicar fatos não compreendidos trazidos à tona pelas observações atuais. Isso, é claro, sem falar no privilégio singular de meramente poder testemunhar o Universo dinâmico, em constante transformação.

Quem disse que, ao redor de uma dessas estrelas T Tauri, não surgirá um planeta habitável que, daqui a uns 4 ou 5 bilhões de anos, dará origem a uma espécie suficientemente curiosa para olhar para o céu e se perguntar o que acontece por lá? O ciclo continua.

Para os mais inclinados aos aspectos técnicos dessas novas descobertas, um artigo de Henning Avenhaus e colegas aceito pelo Astrophysical Journal relata os oito discos T Tauri observados, e outro, de Elena Sissa e colegas, aceito pelo Astronomy & Astrophysics, relata a descoberta do disco em torno da anã vermelha.

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