Relatividade vence de novo; matéria e energia escura seguem no jogo
A semana foi particularmente boa para Albert Einstein. Sua teoria mais famosa, a relatividade geral, ganhou mais duas confirmações importantes vindas de estudos bem diferentes, que reforçam a noção de que duas das hipóteses mais intrigantes da física moderna — a existência das entidades conhecidas como matéria escura e da energia escura — são de fato corretas.
Comecemos pela segunda-feira (18), quando foi publicado um estudo na revista “Nature Astronomy”, que por sinal tem como primeiro autor o brasileiro Davi Rodrigues, da UFES (Universidade Federal do Espírito Santo).
Ele se debruça sobre um dos fenômenos que levaram à formulação da hipótese da matéria escura — o fato de que estrelas na periferia das galáxias parecem viajar em suas órbitas mais depressa do que deveriam, se toda a massa da galáxia fosse a que interage com a luz e pode ser detectada por nossos telescópios.
O raciocínio é meio simples. A teoria que descreve a dinâmica orbital de qualquer astro no espaço, em razão das massas envolvidas, é a relatividade geral. (Em tempo: formulada por Einstein em 1915, ela é basicamente uma revisão aperfeiçoada da gravitação universal de Isaac Newton.) Em suma, com a teoria, você pode estimar a massa envolvida num sistema gravitacional observando o movimento de um objeto nele. E o que os cientistas têm notado desde os anos 1970, a começar pela pioneira Vera Rubin, é que o movimento das estrelas na periferia das galáxias é mais rápido do que se esperava — indicando que as próprias galáxias têm muito mais massa do que a que se pode ver pelo telescópio. Tipo, para cada quilo de matéria normal (feita das partículas que conhecemos) deve haver em média cinco quilos dessa misteriosa “matéria escura” (assim chamada porque, seja lá o que for, não interage com partículas de luz, de modo que não podemos vê-la).
Para alguns físicos, tanto naquela época como hoje, essa resposta nunca pareceu totalmente convincente. Eles seguem o seguinte raciocínio: “Se a teoria da relatividade geral diz que há mais massa do que estamos vendo, ou há mesmo a tal matéria escura, ou a teoria em si está errada.”
Diante disso, não havia por que não tentar desenvolver uma teoria alternativa da gravidade que respondesse por todos os experimentos já feitos que confirmam a relatividade geral, mas que também pudesse explicar esse novo mistério, sem a necessidade de evocar partículas indetectáveis de natureza desconhecida. E, com efeito, várias teorias desse tipo foram formuladas, dentre as quais a mais famosa é conhecida pela sigla MOND, de “dinâmica newtoniana modificada”.
Segundo essa teoria alternativa, haveria um fator de aceleração natural na gravidade que a tornaria mais potente com a distância do que indicam os cálculos da relatividade geral e da gravitação newtoniana clássica. Isso explicaria como estrelas na periferia das galáxias podem viajar mais depressa do que o previsto sem exigir a existência de matéria extra invisível. Cabe, contudo, testar e ver se é esse o caso.
Pois bem, foi o que fizeram agora. E o trabalho de Rodrigues e seus colegas acaba de jogar uma pá de cal na MOND e em suas equivalentes. Ao analisar 193 discos galácticos fotografados com alta qualidade pelo telescópio espacial de infravermelho Spitzer e pelo projeto THING (The HI Nearby Galaxy Survey) e proceder com uma análise estatística de seu padrão de rotação, os pesquisadores constataram que os dados são inconsistentes com o que se esperaria se a teoria MOND ou qualquer uma assentada sobre as mesmas bases estivesse certa. E não é só aquela coisa do “o melhor encaixe é com a relatividade geral mesmo”. A confiança de que a MOND é um barco furado, com base na análise, é maior que 10-sigma. Equivale a dizer que a chance de a MOND estar certa e os resultados serem um acidente estatístico é menor que 0,000000000000000000001%. É o que na vida real a gente arredonda para zero. “Apostar nessa teoria alternativa como ainda viável é uma das piores apostas que alguém pode imaginar hoje em dia”, diz Rodrigues.
Ou seja, mais uma vez, a teoria da relatividade geral sai vencedora, e a matéria escura continua sendo um enigma a ser decifrado. Físicos e astrofísicos seguem em busca de mais pistas do que ela é e de como detectá-la, tanto em experimentos quanto em observações astronômicas. Mas, em resumo, segue com jeito de que existe mesmo.
TEM MAIS
O trabalho publicado na segunda-feira já seria motivo para os fãs da relatividade geral comemorarem mais um sucesso da teoria, mas na sexta-feira (22) veio outro golaço, publicado na revista “Science”. Um grupo internacional, envolvendo pesquisadores de instituições britânicas, americanas e alemãs, conseguiu testar com precisão notável a descrição que a teoria faz de uma lente gravitacional. Foi o teste mais preciso já feito envolvendo observações extragalácticas, ou seja, de fora da Via Láctea. E isso acaba sendo um ponto a mais para a energia escura.
Muitas vezes confundida com a matéria escura, ela é completamente diferente — em natureza e efeitos. Enquanto a tal matéria escura é algo que gera mais gravidade (por exemplo acelerando as estrelas da periferia das galáxias), a energia escura é algo que parece agir contra a gravidade, acelerando a expansão do Universo.
A descoberta de que o cosmos não só está em expansão, mas em expansão acelerada, é relativamente recente. Foi em 1998 que vieram as primeiras evidências nesse sentido, do estudo de supernovas distantes. Estudar objetos nas profundezas do espaço é como entrar numa máquina do tempo, pois os vemos como eles eram quando a luz partiu deles, por vezes muitos bilhões de anos atrás. Assim, é possível estudar o “estado do Universo” ao longo de toda a sua história, estimada em 13,8 bilhões de anos, e constatar que, nos primeiros 8 ou 9 bilhões de anos, a expansão inicial estava freando (como seria de se esperar, pela atração gravitacional mútua entre todos os objetos que existem), mas nos últimos 5 ou 6 bilhões de anos começou a acelerar, aumentando seu ritmo, movida por alguma força que ninguém sabe o que é. Você adivinhou: é o que resolveram chamar de energia escura.
Curiosamente, Einstein nos legou sua relatividade geral previamente “pronta” para lidar com essa nova força, ao introduzir em suas equações uma “constante cosmológica”. Ela representaria em essência a energia do próprio vácuo, que agiria para expandir o espaço, na contramão da gravidade. O físico alemão não era bidu, claro. Quando ele colocou esse termo na equação, era só para manter o Universo estático, como ele acreditava que fosse. Depois que o astrônomo Edwin Hubble mostrou que o cosmos estava mesmo em expansão, Einstein considerou a inclusão da constante cosmológica um erro e repudiou a alteração à teoria. Mal saberia ele que, a partir de 1998, essa alteração se tornaria bem conveniente, respondendo pela energia escura.
Ainda não sabemos se de fato se pode tratar a energia escura como a constante cosmológica de Einstein. Para isso, ela teria de ser (1) constante (duh!) e (2) uniforme em todo o espaço. Como nossos estudos da aceleração da expansão do Universo ainda estão relativamente no começo (20 anos desde a descoberta inicial), ainda não dá para afirmar que esse seja o caso, embora até agora seja o modelo preferencial dos cosmólogos.
Preferencial, contudo, não quer dizer obrigatório. E é óbvio que há físicos que resolveram pensar de outra maneira. A exemplo do que aconteceu no caso da matéria escura, houve quem pensasse: e se, em vez de haver essa tal de energia escura, o erro estiver na nossa compreensão da gravidade? E se uma teoria alternativa à relatividade geral possa explicar a aceleração da expansão naturalmente, sem introduzir um algo a mais, como a constante cosmológica?
Entra o estudo desta sexta-feira. Ele se debruçou sobre a lente gravitacional forte produzida por uma galáxia relativamente próxima. A teoria de Einstein prevê que a gravidade de um objeto pode agir como uma lente, desviando os raios de luz de um objeto que esteja ainda mais distante.
Ao observarem com o Telescópio Espacial Hubble e o VLT (Very Large Telescope), no Chile, a galáxia ESO 325-G004, os astrônomos liderados por Thomas Collett, da Universidade de Portsmouth, no Reino Unido, notaram que ela produziu uma lente gravitacional que curvou a luz de uma galáxia bem mais afastada formando um anel ao redor da galáxia-lente.
Essas observações do anel permitiram contrastar a predição da relatividade geral com a de teorias alternativas que, incidentalmente, dispensam a energia escura. E o resultado se mostrou consistente com a formulação de Einstein para a gravidade.
O resultado não é tão esmagador quanto o que diz respeito à matéria escura. Dadas as incertezas nas observações, a única coisa que se pode afirmar é que, pelo menos em escalas que envolvem 6.000 anos-luz, a gravidade se comporta exatamente como a relatividade geral descreve. Se em escalas ainda maiores há um desvio que indique a necessidade de uma teoria alternativa, futuros testes terão de dizer.
O problema é que testar a relatividade geral não é moleza, por uma razão muito simples: a gravidade é uma força muito fraquinha, comparada às outras conhecidas. Isso significa que você precisa de objetos com massa gigantesca para produzir efeitos como o das lentes gravitacionais fortes. E aí o difícil é encontrar lentes que estejam próximas o suficiente da Terra para que incertezas adicionais introduzidas por modelos cosmológicos não atrapalhem as medições.
De toda maneira, o estudo é mais um reforço à ideia de que a energia escura é mais bem interpretada como algo diferente da gravitação (à la constante cosmológica) do que como um efeito gerado por uma compreensão imperfeita da gravidade em grandes escalas.
Por ora, o modelo cosmológico padrão, que abraça a relatividade geral como ela é e incorpora a existência de matéria e energia escuras como ingredientes essenciais do Universo, continua firme e forte, a despeito de todas as tentativas de encontrar rachaduras em suas fundações.
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