Encélado tem macromoléculas orgânicas complexas essenciais à vida
Encélado se torna um alvo mais promissor para a busca por vida extraterrestre a cada dia que passa. Um novo estudo publicado nesta quarta-feira (27) revela que o oceano existente sob a crosta de gelo dessa pequena lua de Saturno tem grandes quantidades de moléculas orgânicas grandes e complexas.
Isso significa que, além de condições ambientais e fontes de energia adequadas para bactérias, Encélado também tem a matéria-prima requerida para que a química possa atingir a complexidade necessária para promover o metabolismo de seres vivos.
A descoberta foi feita pela combinação de dados de dois instrumentos diferentes que estavam a bordo da espaçonave Cassini. A missão acabou no ano passado, mas os dados colhidos pela sonda continuam sendo analisados e produzindo achados importantes, como este, que figura na edição desta semana da revista Nature.
A Cassini conseguiu progredir muito no estudo do conteúdo interno de Encélado graças a gêiseres de água que existem na região polar sul da pequenina lua. Ali, através de fissuras na crosta de gelo, conteúdo do oceano é disparado na forma de um spray para o espaço. Ao atravessar essas plumas, a sonda pôde ter contato direto com o material ejetado de Encélado.
Os instrumentos ideais para esse tipo de análise são os espectrômetros de massa, que permitem identificar moléculas individuais presentes nas amostras de acordo com a massa que possuem. A Cassini tinha dois deles a bordo. O CDA (Analisador de Poeira Cósmica) se concentrava em estudar o resultado da desintegração do que quer que se chocasse contra ele e o INMS (Espectrômetro de Massa Ionizada e Neutra) colhia amostras e estudava a composição dos gases presentes, assim como de moléculas produzidas no impacto.
Os pesquisadores dos dois instrumentos tiveram de trabalhar juntos, combinando ambos os dados, para tentar levar ao limite a capacidade de detecção, originalmente focados em moléculas de pequeno porte. E, com isso, obtiveram evidências bastante fortes de que há moléculas orgânicas em grande quantidade nas plumas de Encélado — e, por consequência, no oceano sob a crosta.
É difícil dizer exatamente que moléculas seriam essas, mas eles consideram favas contadas que elas tenham massa molecular acima de 200 unidades de massa atômica — o limite prático dos instrumentos embarcados na Cassini. Na prática, isso significa dizer que as moléculas detectadas têm mais de 200 vezes a massa do hidrogênio, o mais simples dos elementos químicos.
Com isso, já adentramos o terreno das macromoléculas — um requisito essencial para reações químicas ligadas à vida. Para dar um exemplo, um dos carboidratos mais importantes para o metabolismo, a glicose (C6H12O6) tem, em média, 180 unidades de massa atômica.
Os pesquisadores acreditam que esses compostos orgânicos mais complexos vão se acumulando na interface entre o oceano líquido e a capa de gelo que recobre Encélado, e aí são ejetados em profusão pelas plumas que chegam à superfície. É quase como se a lua já nos fizesse o favor de gerar amostras concentradas de compostos orgânicos para que pudéssemos avaliar o inventário de substâncias presentes no oceano.
“Fomos mais uma vez surpreendidos por Encélado”, diz Christopher Glein, do SwRI (Instituto de Pesquisa do Sudoeste), nos EUA, um dos autores do estudo. “Antes só havíamos identificado as moléculas orgânicas mais simples, contendo uns poucos átomos de carbono, mas mesmo isso era intrigante. Agora encontramos moléculas orgânicas com mais de 200 unidades de massa atômica. Isso é mais de dez vezes mais pesado que metano. Com moléculas orgânicas complexas emanando de seu oceano de água líquida, essa lua é o único corpo além da Terra que sabemos satisfazer simultaneamente a todos os requerimentos básicos para vida como a conhecemos.”
(Europa, lua de Júpiter, é candidatíssima a ter condições similares, mas ainda não conseguimos corroborar isso de forma conclusiva.)
A Cassini já havia confirmado anteriormente que o oceano de Encélado tem hidrogênio molecular e atividade hidrotermal no leito rochoso de seu oceano. Na Terra, essas fumarolas são habitat para alguns dos organismos mais primitivos a surgirem em nosso planeta, e eles se alimentam justamente de hidrogênio molecular. Ou seja, em termos químicos, sabemos não só que Encélado tem um oceano habitável, como tem habitats que serviriam maravilhosamente bem para alguns organismos terrestres.
A próxima questão é: poderia a química da vida ter surgido por lá? É nesse contexto que a nova descoberta se encaixa, oferecendo um resultado extremamente promissor. Claramente há química orgânica lá suficientemente complexa para animar os pesquisadores a continuarem procurando.
E para isso precisaremos de uma nova missão a Encélado, desta vez com um espectrômetro de massa mais capaz que o da Cassini, voltado para moléculas maiores e mais complexas. Diversos cientistas advogam que uma missão assim deveria ser prioridade na Nasa, mas ainda não há sinal verde da agência espacial americana, que está agora concentrada em seu retorno a Europa — uma lua maior que Encélado e que provavelmente também tem plumas ocasionais ejetadas de sua superfície. A missão Europa Clipper deve partir no começo da próxima década.
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