Pela primeira vez, grupo observa diretamente planeta recém-nascido
Pela primeira vez, um grupo de astrônomos faz uma detecção direta e inequívoca de um planeta recém-nascido, possivelmente ainda em fase de crescimento. Trata-se de um avanço extremamente importante para que os cientistas possam finalmente decifrar como se dá o processo de formação planetária.
O planeta orbita uma estrela anã laranja conhecida como PDS 70, localizada na constelação do Centauro, com apenas 5,4 milhões de anos. Isso é sinônimo de “tenra infância” em termos astronômicos. Acredita-se que a formação de planetas se dê nos primeiros 10 milhões de anos de vida da estrela, o que significa que PDS 70 foi basicamente “flagrada no ato” de fabricar mundos.
(PDS, por sinal, é sigla de Pico dos Dias Survey, um esforço de catalogação de estrelas feito no Observatório do Pico dos Dias, em Brazópolis, Minas Gerais. Brasil-sil-sil!!!)
As observações foram feitas com o instrumento Sphere, que equipa o VLT (Very Large Telescope), instalação pertencente ao ESO (Observatório Europeu do Sul), no Chile. O Sphere foi projetado justamente para estudar diretamente a luz de planetas jovens e dos discos de gás e poeira que dão origem a eles.
Com efeito, as observações revelaram a presença de um desses discos ao redor de PDS 70, com um diâmetro de 130 unidades astronômicas. E é claramente perceptível a presença de um vão a cerca de 22 unidades astronômicas do astro central. (Uma unidade astronômica, ou UA, é a distância média Terra-Sol, cerca de 150 milhões de km.)
Vãos como esse já foram observados ao redor de muitas outras estrelas jovens e é uma desconfiança perene dos cientistas que muitos deles sejam produzidos pela presença de planetas em formação. Em tese, ao acumularem cada vez mais gás e poeira, esses mundos recém-nascidos vão abrindo caminho no disco, criando uma trilha vazia. Faz todo sentido, mas ninguém havia feito uma detecção indisputável e direta de um planeta num desses vãos — até agora.
A equipe liderada por Miriam Keppler, do Instituto Max Planck para Astronomia, na Alemanha, conseguiu a façanha — nas imagens produzidas com o Sphere, claramente se vê um ponto luminoso correspondente a um planeta com massa várias vezes maior que a de Júpiter, a 22 UA da estrela central.
“Esses discos ao redor de estrelas jovens são o local de nascimento de planetas, mas até agora apenas um punhado de observações havia detectado pistas de planetas-bebês neles”, disse Keppler em nota, ressaltando que, em nenhum desses casos, um planeta havia sido clara e diretamente observado, como agora.
O resultado começa a abrir a caixa-preta dos processos de formação planetária, um tema sobre o qual já se avançou um bocado, mas quase tudo baseado em modelos e simulações, comparados a sistemas planetários maduros. Ou seja, um conhecimento ainda tentativo e cheio de incertezas. Poder ver o processo em pleno andamento, com riqueza de detalhes, é fundamental para consolidar e aperfeiçoar nossas hipóteses, contrastando-as com observações diretas.
CARACTERIZAÇÃO
Outro aspecto importante de fazer a observação direta é poder usar a assinatura de luz do planeta para descobrir de que ele é feito e como ele é. Não por acaso, um segundo artigo científico, produzido por muitos dos mesmos pesquisadores ligados à descoberta do planeta, se debruçou exatamente sobre a caracterização do mundo-bebê de PDS 70. Os dois artigos foram publicados nesta segunda-feira (02) no periódico Astronomy & Astrophysics.
Os resultados são para lá interessantes: além de sugerirem que o planeta está num órbita aproximadamente circular no mesmo plano do disco onde ele nasceu, completando uma volta ao redor de sua estrela a cada 120 anos aproximadamente, eles indicam que a temperatura dele no topo das nuvens (sim, a assinatura de luz indica a presença de nuvens!) é de cerca de 1.000 °C. Você pode estranhar um calor infernal desses, tão longe da estrela-mãe, mas é o que se espera de um mundo que esteja em formação, bombardeado constantemente por colisões com objetos no disco protoplanetário e ainda muito jovem para poder ter dissipado todo o calor gerado em seu nascimento. Por sinal, se não fosse esse o caso, o Sphere não poderia detectá-lo — o brilho no infravermelho de planetas gigantes “frios” e maduros, como os do Sistema Solar, seria insuficiente para permitir a detecção.
Um aspecto curioso é que também há sinais — embora sejam apenas sugestivos no momento — de que o planeta tem ao seu redor seu próprio minidisco de gás e poeira. É uma aposta razoável que esse minidisco dará origem a luas, do mesmo jeito que deve ter acontecido ao redor de Júpiter há 4,5 bilhões de anos.
ARQUITETURAS
Com a descoberta, os astrônomos poderão agora observar em tempo real a evolução desse sistema e procurar sinais da interação do planeta — provavelmente ainda não totalmente formado — com o disco protoplanetário. Acredita-se que aí esteja a chave para compreender o processo de migração planetária, fenômeno ainda misterioso, mas que deve ser responsável pela grande variedade de arquiteturas nos sistemas planetários maduros já descobertos. Em alguns deles, encontramos planetas gigantes gasosos quase colados à estrela-mãe, e tudo que sabemos sobre como esses mundos se formam indica que eles só poderiam ter nascido mais afastados. É na interação com o disco protoplanetário que eles acabariam mergulhando para dentro, segundo nossos modelos.
Como exatamente isso se dá ainda é um mistério. Com efeito, um estudo publicado no último sábado (30) por pesquisadores no Reino Unido e no Japão baseado em simulações feitas em supercomputador sugere que essa migração pode acontecer não só de fora para dentro, trazendo gigantes gasosos para mais perto de sua estrela, mas também de dentro para fora, levando-os ainda mais longe do que o local original de seu nascimento.
Este trabalho, publicado nos Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, sugere que muitos planetas gigantes podem acabar orbitando a distâncias entre 50 e 200 unidades astronômicas de sua estrela (10 a 40 vezes mais afastados que Júpiter do Sol). Será? É o tipo de coisa que descobertas como o PDS 70 b ajudarão a testar.
E, assim, passo a passo, os cientistas vão decifrando o que faz cada sistema planetário ser como é — e isso inclui, naturalmente, o nosso. Somente investigando toda a variedade que há lá fora podemos de fato entender como a formação dos planetas se deu por aqui para terminar como terminou. E, claro, esse desfecho foi determinante para a existência da Terra como ela é e, por consequência, para a nossa existência. No fundo, a pergunta que os cientistas querem responder é: como viemos parar aqui?
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