Garçom, me vê mais 12 luas em Júpiter e um vulcão em Io, por favor
Um grupo de astrônomos encontrou mais 12 luas orbitando Júpiter. Com a multidescoberta, o total agora subiu a 79, que garante ao maior planeta do Sistema Solar também o posto de maior proprietário de satélites naturais. Saturno fica em segundo, como lhe cai bem, com 62 luas.
E não é só isso, como diria o vendedor das facas Ginsu. Há menos de uma semana, a Nasa anunciou que a sonda Juno pode ter descoberto mais um vulcão em Io, a mais interna das grandes luas de Júpiter.
OK, é difícil dizer o que é mais provável, encontrar mais luas em Júpiter ou encontrar mais vulcões em Io. É o maior planeta do Sistema Solar versus o corpo celeste geologicamente mais ativo do Sistema Solar.
Comecemos por Io. Ele seria apenas uma grande bola de rocha (3.643 km de diâmetro), não fosse sua proximidade com Júpiter. O efeito de maré monumental gerado pela gravidade do planeta gigante gasoso chacoalha o interior da lua a ponto de aquecê-la brutalmente. O resultado é um sem-número de vulcões ativos.
A atual recordista na descoberta de vulcões é a astrônoma brasileira Rosaly Lopes, que trabalha no JPL, o Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa. Embora ela estude vulcões onde quer que eles estejam, o prato cheio sempre foi Io. Como parte da equipe da missão Galileo, que orbitou Júpiter entre 1995 e 2003, coube a ela estudar as imagens da superfície da lua e identificar os vulcões presentes.
Em entrevista ao Mensageiro Sideral no ano passado, ela mesma disse que, a despeito de seu recorde, provavelmente ainda há muitos outros vulcões a serem descobertos em Io — dadas as dificuldades técnicas enfrentadas pela missão Galileo. Sua afirmação serviu como premonição para o novo achado, que por isso mesmo não chega a ser surpreendente.
Surpresa mesmo é ver a Juno fazendo alguma descoberta em Io. A missão originalmente foi projetada para realizar observações de Júpiter, mas não de suas luas. Colocada numa órbita polar ao redor do planeta gigante gasoso, ela fica em posição desfavorável para até mesmo fotografar as grandes luas, que orbitam sobre a faixa equatorial do planeta.
Com efeito, a potencial descoberta do vulcão foi feita com uma foto em infravermelho obtida a grande distância de Io (470 mil km) e focada na região polar sul da lua, em 16 de dezembro de 2017.
A imagem, feita com o instrumento JIRAM (sigla para Mapeador Joviano de Auroras em Infravermelho), revela basicamente focos de calor na superfície de Io. Presume-se que sejam vulcões, como já confirmado para muitos deles graças ao trabalho da Galileo. Mas um em particular aparece a 300 km do foco de calor previamente mapeado mais próximo. Provavelmente é um vulcão até então desconhecido.
A ideia agora é recolher mais dados da JIRAM em futuros sobrevoos (alguns um pouco mais próximos que esse) para confirmar a descoberta e, quem sabe, fazer outras. Embora Io seja só um pouco maior que a Lua da Terra, são conhecidos cerca de 150 vulcões ativos por lá. E a estimativa é a de que existam mais 250 ainda por serem encontrados.
E AS 12 LUAS?
O aumento do rebanho de Júpiter não tem nada a ver com a Juno. As observações foram feitas todas da Terra, com telescópios. A única coisa em comum é que elas foram em sua maioria observadas pela primeira vez, a exemplo do novo vulcão de Io, em 2017. (Inclusive duas delas chegaram a ser provisoriamente anunciadas no ano passado.)
Desde então, os astrônomos liderados por Scott Sheppard, da Instituição Carnegie de Washington, realizaram uma série de observações para confirmar que os pequeninos pontos de luz de fato estavam orbitando o gigante gasoso, e não simplesmente passando por aquela região do céu, mas em órbita solar.
Curiosamente, não é isso que eles estavam procurando. Em vez disso, estavam vasculhando os céus em busca de objetos nos cafundós do Sistema Solar, quiçá o cobiçado planeta 9. “Júpiter só calhou de estar no céu perto dos campos em que estávamos buscando, e pudemos procurar novas luas ao mesmo tempo em que caçávamos planetas no limite exterior do Sistema Solar”, disse Sheppard.
A circular da União Astronômica Internacional que confirma a natureza dos objetos foi publicada nesta terça-feira (17), praticamente um ano após a descoberta.
Estamos falando, em todos os 12 casos, de pequenos objetos, com cerca de 1 a 3 km de diâmetro. Não se comparam em porte às luas galileanas (Io, Europa, Ganimedes e Calisto), assim chamadas por terem sido descobertas por Galileu Galilei entre 1609 e 1610. Em vez de mundos aproximadamente esféricos e grandes, são basicamente pedregulhos de forma irregular.
A despeito disso, eles contam histórias fascinantes sobre a formação e a evolução do sistema de luas de Júpiter. Por exemplo: nove dessas luas recém-descobertas são retrógradas. Não quer dizer que sejam antiquadas, conservadoras ou eleitoras do Bolsonaro, claro. Órbitas retrógradas são aquelas em que o objeto gira na contramão da rotação do planeta. Provavelmente são objetos capturados pela gravidade de Júpiter no passado e convertidos de asteroides em luas.
E mais: essas nove luas compõem pelo menos três agrupamentos distintos, que parecem sugerir que elas são remanescentes de luas um pouco maiores, quebradas em pedaços após impactos com outros objetos. Em órbitas bem afastadas do planeta, elas levam cerca de dois anos terrestres para dar uma volta ao redor de Júpiter.
Outras duas luas recém-descobertas giram numa órbita prógrada, ou seja, acompanhando a rotação do planeta, e parecem fazer parte de um agrupamento previamente conhecido, indicando que elas também provavelmente fizeram parte de uma lua maior, que acabou fragmentada por impactos. Essas duas luas têm órbitas mais internas e levam menos de um ano para dar a volta em Júpiter.
Por fim, completando o pacote, uma lua realmente estranha foi descoberta: provisoriamente batizada de Valetudo (nada a ver com a música do Tim Maia ou a novela; é o nome da bisneta mitológica de Júpiter), ela tem provavelmente menos de 1 km de diâmetro e está numa órbita prógrada, mas cruzando uma faixa repleta de luas retrógradas. Ou seja: está pedindo para bater de frente com alguma delas num ponto futuro.
Talvez ela represente um “acidente prestes a acontecer” similar ao que fragmentou alguma das luas antigas e deu origem aos atuais agrupamentos observados. “Esta é uma situação instável”, diz Sheppard. “Colisões de frente rapidamente quebrariam e moeriam os objetos até virarem poeira.”
Esse caso ilustra bem como os astrônomos estudam processos cujas escalas de tempo em muito superam o tempo de vida do ser humano. Observando resultados de coisas que já aconteceram e juntando com coisas que se pode prever que ainda irão acontecer, podemos entender melhor o caminho que leva do passado longínquo ao futuro remoto, reconstruindo assim histórias que se estendem por bilhões de anos — como a que envolve a contínua formação e evolução do sistema de luas do gigante Júpiter.
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