VLT bate Hubble em imagem de Netuno
Fora o detalhe de que eles precisam dela para permanecer vivos, a atmosfera da Terra é um tremendo inconveniente para os astrônomos. Não por acaso o telescópio mais venerado e disputado a tapa pelos pesquisadores é o Hubble. O espelho coletor de luz que ele usa é relativamente modesto, com 2,4 m, mas estar fora da atmosfera faz toda a diferença.
Por isso mesmo espanta o feito recém-divulgado pelo ESO (Observatório Europeu do Sul) obtido com o VLT (Telescópio Muito Grande). Graças a um engenhoso novo método de óptica adaptativa, o equipamento produziu imagens ainda mais nítidas que as do Hubble em luz visível.
Foram divulgadas apenas duas imagens de “primeira luz”, nome que os astrônomos dão às observações iniciais feitas com qualquer novo equipamento, ainda no período de testes. Numa vemos o planeta Netuno, o mais distante conhecido no Sistema Solar, e noutra, o centro do aglomerado globular NGC 6388. Mas uau.
Elas revelam com incrível clareza as brancas nuvens netunianas circundando o belo planeta azul-piscina. E as estrelas centrais de NGC 6388 deixam de ser borrões para se tornar pontos individuais de luz. É como se, de repente, a atmosfera tivesse sumido.
Não é magia; é ciência. Em essência, a óptica adaptativa é uma tecnologia capaz de eliminar os efeitos prejudiciais da atmosfera em tempo real, durante a observação. E sem ninguém precisar prender a respiração.
O grande problema que o ar apresenta (fora o fato de que ele bloqueia certas frequências do espectro eletromagnético, essa uma questão insolúvel) é que seu movimento constante gera deformações no caminho que a luz percorre do espaço até o telescópio.
Percebemos isso só de olhar para o céu. As estrelas parecem estar cintilando. Tudo culpa do ar. E, quanto mais você amplia a imagem, pior fica.
A óptica adaptativa do VLT resolve isso ao disparar quatro lasers para a atmosfera, que excitam átomos de sódio presentes nela e criam basicamente “estrelas artificiais” no céu.
Ao monitorar esses “falsos astros”, um sistema de computador consegue determinar exatamente de que maneira a camada de ar acima do observatório está se comportando, e então enviar esses dados a um sistema mecânico que produz, em tempo real (mil vezes por segundo!), diminutas deformações no espelho secundário, cancelando as distorções do ar no próprio sistema óptico. É como colocar “óculos antiatmosfera” no telescópio.
Até os anos 1990, isso não passava de ficção científica. Mas agora é uma realidade cada vez mais contundente e deve permitir avanços ainda mais incríveis na próxima década, quando entrarem em operação os próximos supertelescópios de solo.
Esta coluna é publicada às segundas-feiras, na Folha.
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