Banho de radiação do viajante marciano

Ir a Marte não é impossível, mas também não vai ser fácil. Novos resultados apresentados pela equipe responsável pelo satélite europeu Trace Gas Orbiter sugerem que só na viagem de ida e volta os tripulantes absorveriam 60% da dose máxima permitida para astronautas ao longo de toda a sua carreira.

O TGO foi projetado e lançado em 2016 para ir até Marte e estudar a composição dos gases que se apresentam em quantidades mínimas na atmosfera do planeta vermelho. Um de seus principais objetivos é ajudar na decifração da origem da diminuta presença de metano no ar, que pode tanto ser de origem geológica como biológica _vida.

Essas medições só começaram em abril deste ano, uma vez que, após sua chegada em Marte, o orbitador passou praticamente um ano inteiro ajustando sua órbita com a ajuda de aerofrenagem — passagens de raspão pela atmosfera marciana gradualmente reduziam sua velocidade e ajustavam sua posição.

Um de seus instrumentos, contudo, começou a trabalhar logo depois do lançamento: trata-se de um medidor de radiação que é parte do Detector Epitérmico de Nêutrons de Resolução Fina (Frend, na sigla em inglês). Ele mediu o quanto de radiação incidiu sobre a sonda durante sua viagem de cerca de seis meses até Marte.

Isso resultou em uma exposição de cerca de 0,3 sievert. Essa unidade, pouco familiar no cotidiano, é usada para avaliar impacto da radiação ionizante sobre seres humanos. Fazer uma tomografia computadorizada de tórax, por exemplo, expõe uma pessoa a cerca de 6 milésimos de sievert — mais ou menos o mesmo que ficar uma hora perto da usina de Chernobyl em 2010. Já ficar ao lado do núcleo do reator por 10 minutos logo após o acidente, em 1986, exporia você a bombásticos 50 sieverts. Nada recomendado, uma vez que uma dose de 8 sieverts já seria fatal, sem chance de tratamento.

Para astronautas, a dose considerada aceitável seria de uma exposição de 1 sievert ao longo de toda a carreira. Considerando que a volta de Marte durasse o mesmo que a ida, seis meses, teríamos aí dois terços disso só no trânsito interplanetário. Ainda restaria um tempo considerável na superfície de Marte, onde há menos radiação que no espaço, mas bem mais que na Terra.

O resultado, apresentado na última quinta-feira (20) no EPSC (Congresso Europeu de Ciência Planetária), é consistente com uma medição independente feita pelo jipe Curiosity, da Nasa, e ajuda a ilustrar o tamanho do desafio que será enviar humanos ao planeta vermelho.

Esta coluna é publicada às segundas-feiras, na Folha Corrida.

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