Cientistas encontram primeira evidência de uma lua fora do Sistema Solar

Quando o primeiro exoplaneta fora do Sistema Solar foi descoberto, em 1992, era uma bizarrice impensável: planetas que orbitavam um pulsar, o cadáver de uma estrela de alta massa. Quando o primeiro exoplaneta a orbitar uma estrela similar ao Sol foi descoberto, em 1995, era uma bizarrice impensável: um gigante gasoso que completava uma volta ao redor de seu astro-rei em meros 4 dias. Agora, em 2018, começam a se consolidar as primeiras evidências da descoberta de uma exolua, ou seja, uma lua de um planeta fora do Sistema Solar. E, adivinhe só, é uma bizarrice impensável.

Se Alex Teachey e David Kipping, da Universidade Columbia, em Nova York, estiverem certos, trata-se de uma lua do tamanho de Netuno a orbitar um planeta do tamanho de Júpiter. É para fritar a cabeça dos cientistas que tentam explicar como satélites naturais se formam. Mas primeiro precisa ser mesmo verdade, o que não é ainda certo — embora a hipótese tenha ganho um senhor empurrão com um novo artigo que a dupla acaba de publicar no periódico Science Advances, relatando resultados obtidos com o Telescópio Espacial Hubble.

A história começou no ano passado, quando Teachey e Kipping usaram uma técnica interessante para buscar evidências de exoluas nos dados do satélite Kepler, da Nasa.

Rememorando: o Kepler foi construído para encontrar planetas fora do Sistema Solar monitorando de forma constante o brilho de mais de 100 mil estrelas. A ideia era flagrar pequenas reduções periódicas de luminosidade que correspondessem à passagem de planetas à frente dessas estrelas, com relação à linha de observação do satélite. Deu certo, e milhares de planetas foram descobertos por este método.

Não é difícil imaginar como procurar também por exoluas com esses dados. Muitos pesquisadores imaginaram que, se houvesse alguma lua associada aos exoplanetas descobertos pelo Kepler, poderia haver alguma variação sutil no padrão de variação de brilho observado, dependendo da posição que a lua guardasse com relação ao planeta no momento do trânsito. O problema é que essa variação seria tão sutil, e provavelmente embaralhada ao limite de precisão do equipamento, que não seria nada fácil encontrá-la.

Teachey e Kipping, no entanto, não desistiram e desenvolveram um método em que “empilhavam” diversos trânsitos para tentar encontrar algo que indicasse a presença de uma exolua. E, em meio a vários sinais ambíguos, teve um que chamou a atenção, referente ao planeta Kepler-1625b. Ele foi descoberto ao redor de uma estrela similar ao Sol, mas bem mais velha, a 8.000 anos-luz de distância, na constelação do Cisne. E os dois pesquisadores de Columbia notaram que, entre os três trânsitos observados pelo Kepler, haviam variações que podiam ser bem explicadas por uma lua orbitando ao seu redor. Mas seria uma lua monstruosa, pelos nossos padrões atuais.

No Sistema Solar, a maior das luas é Ganimedes, de Júpiter, com 5.268 km de diâmetro. Ela é maior que o planeta Mercúrio, com seus 4.879 km de diâmetro, mas perde em tamanho de todos os demais planetas, e seu porte se encaixa bem ao processo de formação sugerido pelos cientistas para explicar luas ao redor de planetas gigantes. Já a hipotética exolua de Kepler-1625b seria mais ou menos do tamanho do planeta Netuno, ou seja, teria ela mesma o porte de um mundo gigante gasoso!

Desnecessário dizer que ninguém sabia (ou sabe) como um exoplaneta poderia ter uma lua tão grande. Daí a cautela dos pesquisadores. Eles decidiram que o próximo passo deveria pedir tempo no disputado Telescópio Espacial Hubble, para conferir com mais precisão um trânsito de Kepler-1625b à frente de sua estrela.

O novo artigo, publicado nesta quarta-feira (3), traz justamente essa nova observação, feita em outubro do ano passado e 3,8 vezes mais precisa que as obtidas originalmente com o Kepler. E ela tem elementos que favorecem a hipótese de que a tal exolua gigante é real, embora ainda não permita cravar a descoberta.

Dois fatos ligados à observação parecem corroborar a ideia. O primeiro foi que o planeta chegou “adiantado” para o trânsito, começando a passar à frente de sua estrela-mãe 77,8 minutos antes do esperado. É o que os cientistas chamam de TTV, sigla inglesa para variação no tempo do trânsito. Em geral, ela indica que há alguma interação gravitacional responsável por causar atrasos o adiantamentos do planeta observado. No caso em questão, é bem possível que essa interação seja causada pela presença de uma lua bem grande. (Tenha em mente que dois objetos astronômicos na verdade não giram exatamente um ao redor do outro, mas ambos ao redor do centro de massa do sistema que compõem; se o sistema é de uma lua relativamente grande, se comparada ao planeta, a oscilação ao redor do centro de massa do sistema por parte do planeta podia explicar como ele pode às vezes transitar adiantado, e às vezes atrasado, com relação a uma dada medição.)

Também é verdade que TTVs podem ser explicadas pela presença de outros planetas, em vez de luas, e por isso a evidência apresentada não é conclusiva — talvez exista um planeta adicional ainda não descoberto que explique a variação.

Já o segundo fato revelado pela observação do Hubble é mais difícil de explicar. Acompanhe comigo: se o exoplaneta chegou muito adiantado no trânsito pela presença de uma exolua, é de se supor que a exolua estivesse no lado oposto ao do movimento de translação do planeta. Isso significa que, após o trânsito dele, talvez fosse possível observar um trânsito dela, vindo logo atrás.

E é isso que o gráfico de luminosidade da estrela parece revelar — logo após a grande redução de brilho causada pela passagem do planeta, vem uma redução de brilho menor, mas clara, que… não chegamos a ver terminar porque o tempo de observação alocado para os pesquisadores (40 respeitáveis horas, para um trânsito planetário que duraria 19 horas) terminou antes do fim do possível trânsito da exolua!

Imagem ajuda a entender o que o Hubble teria visto, caso o sinal seja mesmo de uma exolua. (Crédito: ESA/Nasa/STScI)

“Uma lua companheira é a explicação mais simples e natural para a segunda redução na curva de luz e o desvio no tempo da órbita”, disse Kipping em nota. “Foi definitivamente um momento chocante ver aquela curva de luz do Hubble, meu coração começou a bater um pouco mais depressa quando eu continuava a olhar para aquela assinatura. Mas sabíamos que nosso trabalho era manter a cabeça no lugar e essencialmente presumir que era um erro, testando todos os modos concebíveis pelos quais os dados podiam estar nos enganando.”

Por esse invejável e muito sensato excesso de zelo, ainda não dá para cravar que encontramos a primiera exolua. Os próprios pesquisadores deixam isso claro em seu artigo científico, dizendo: “advogamos que se façam monitoramentos futuros do sistema para chegar as predições do modelo e confirmar a repetição do sinal similar ao de uma lua”.

A BIZARRICE
Partindo de modelos, os pesquisadores sugerem que a exolua teria diâmetro e massa similares aos de Netuno, e orbitaria um planeta com diâmetro um pouco maior que o de Júpiter, mas com massa bem maior. Imagina-se que a exolua de Kepler-1625b responda por apenas 1,5% da massa atribuída ao planeta — uma proporção mais ou menos igual à do sistema Terra-Lua, mas em versão tamanho família.

Os dinamicistas não têm a menor ideia de como um Netuno poderia se formar ao redor de um superjúpiter. A hipótese mais simples seria imaginar que ambos nasceram como planetas e um acabou capturado pela gravidade de outro e convertido em lua, mas é bem complicado fazer isso “funcionar” em simulações.

Curiosamente, Kepler-1625b está na zona habitável de sua estrela, completando uma volta ao redor dela a cada 287 dias. Evidentemente, como se trata de um gigante gasoso (assim como sua potencial exolua), não poderia abrigar vida. Mas e se houver uma outra lua, menorzinha e rochosa, capaz de manter água em estado líquido na superfície e, por consequência, uma biosfera? Podemos aí ter certeza de que, se ela existe, deve proporcionar a seus habitantes um dos espetáculos celestes mais bonitos da Via Láctea.

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