Acidente expõe decadência do programa russo e deixa astronautas sem carona
Era mais um lançamento de tripulação com uma Soyuz na madrugada desta quinta-feira (11), mas com pouco mais de dois minutos de voo ficou claro que algo havia dado errado. Ainda não está claro exatamente o quê, mas o foguete falhou e obrigou a tripulação a ser ejetada em sua cápsula, que então abandonou sua ida à Estação Espacial Internacional e voltou à Terra, de forma balística, no Cazaquistão.
O para-quedas da Soyuz MS-10 funcionou bem na emergência e, a despeito de terem sido submetidos a acelerações que os deixaram por um tempo sob uma força de 6,7 G (o equivalente a ter 6,7 seu próprio peso), tanto o astronauta americano Nick Hague quanto o cosmonauta russo Alexey Ovchinin foram encontrados pelas equipes de resgate com boa saúde.
Esse é o fato mais importante do dia e atesta a robustez do projeto russo de transporte espacial, cuja origem remonta aos anos 1960. Em compensação, o caso também é mais um sinal de que o programa espacial russo está em colapso. Quem o acompanha está há algum tempo contando as horas para que algo assim (ou pior) fosse acontecer.
Com o esgarçamento do orçamento russo para a área e a corrupção endêmica, controles de qualidade na fabricação de equipamento espacial vêm caindo vertiginosamente, e com eles, a frequência de acidentes vem subindo. Até agora, essas falhas se restringiam a lançamentos não tripulados, mas desde 2011 houve três falhas com lançamentos de cargueiros Progress, que abastecem a Estação Espacial Internacional e compartilham praticamente todos os elementos com os lançamentos da Soyuz. Os dois mais recentes aconteceram em rápida sucessão, entre abril de 2015 e dezembro de 2016.
Tem mais: a Soyuz atualmente atracada à Estação Espacial Internacional tem um furo em sua fuselagem — literalmente um furo, provavelmente produzido por um erro de manufatura — em seu módulo orbital. Ele foi descoberto em agosto, quando os controladores detectaram um vazamento de atmosfera da estação. Procedimentos foram feitos para identificar a origem, e então os cosmonautas repararam o buraco com gaze e epóxi. É, estilo MacGyver.
Nesses tempos de “fake news”, começou a circular uma teoria conspiratória de que o problema não foi causado por falha de fabricação e que se tratava de sabotagem por parte de um astronauta da Nasa, que teria feito o furo de propósito para obrigar um retorno antecipado à Terra. Claro que não há qualquer evidência disso, nem é possível imaginar que alguém colocaria a própria vida em risco fazendo um furo na nave que poderia levá-lo de volta para casa.
(O remendo feito pelos cosmonautas interrompeu o vazamento de ar, e a Soyuz aparentemente pode trazer seus tripulantes em segurança, uma vez que o módulo orbital é descartado no retorno, e só a cápsula de reentrada, que não apresentou problemas, retorna à Terra.)
A Nasa mantém o sorriso amarelo com os russos, até porque depende deles para levar seus astronautas à ISS. Ou melhor, dependia. Com a falha do lançamento da Soyuz, uma investigação será conduzida e isso muito provavelmente terá impacto no cronograma de voos.
No momento, há três tripulantes a bordo da ISS: a astronauta americana Serena Auñón-Chancellor, o cosmonauta russo Sergey Prokopyev, e o astronauta europeu Alexander Gerst. Eles chegaram lá em 6 de junho, e sua Soyuz (a MS-09) tem em princípio seis meses de validade, o que obrigaria um retorno deles em dezembro — mesmo mês em que deveria subir mais uma Soyuz, com outros três tripulantes.
Do jeito que ficou após o acidente, este voo de dezembro provavelmente não acontecerá, e aí existem duas possibilidades: ou os atuais ocupantes da ISS esticam sua estadia para além de dezembro e depois retornam numa cápsula “vencida” (e que já mostrou problemas, como o furo no módulo orbital), ou retornam e deixam a estação completamente vazia — algo que nunca aconteceu à ISS desde que se tornou habitável, em 2000.
A primeira hipótese é a mais provável, e há suprimentos suficientes a bordo para que o trio permaneça lá por bastante tempo extra. Mas nenhuma das duas “soluções” é exatamente confortável.
Enquanto isso, a Nasa lamenta os atrasos no programa comercial de envio de tripulação, que envolve as empresas SpaceX e Boeing. O primeiro voo de teste das novas cápsulas privadas americanas tripuladas deve acontecer com a Crew Dragon, da SpaceX, em janeiro de 2019. A empresa falou que poderia acelerar o processamento e voar em dezembro deste ano, se fosse do interesse da Nasa. Mas o voo de todo modo seria feito sem tripulação, o que não seria de grande valia. A Boeing está ligeiramente atrás da SpaceX. Ambas dificilmente poderiam realizar voos operarcionais de rotação de tripulação antes de meados do ano que vem.
Ou seja, no momento, o programa da Estação Espacial Internacional está no proverbial mato sem foguete.
Nos próximos dias, Nasa, Roscosmos e demais agências parceiras terão diversas decisões cruciais de gestão a tomar, enquanto os russos realizam sua investigação e enfrentam os problemas cada vez maiores do seu programa espacial decadente. De toda forma, é possível que esta acabe se configurando como a maior crise da história da ISS. Os americanos também já tiveram seus grandes problemas, com a tragédia do ônibus espacial Columbia, em 2003 (que matou sete astronautas e deixou os veículos dois anos e meio sem voar), mas em nenhum momento antes o programa como um todo ficou sem quaisquer meios de levar e trazer tripulação do complexo orbital.
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