Que planeta é esse?
Ah, que saudade eu tenho daqueles malucos que ligavam para a redação desta Folha e tentavam convencer o jornalista a escrever sobre uma nova teoria revolucionária de sua própria invenção ou diziam ter provas de que Einstein estava errado. Malucos raiz.
Hoje não é mais assim. As contestações não se limitam a teorias de difícil compreensão. A ambição é reescrever fatos consolidados há milênios. E para isso têm até assessoria de imprensa e press release.
Circulou na última quinta-feira um comunicado com título inofensivo: “Pesquisadores brasileiros estudam anomalias dos astros na África do Sul”. Certo. Anomalias. Astros. Esquisito. Lá pelo quinto parágrafo, descobrimos que os mesmos “pesquisadores” estão estudando também “A Origem da Humanidade”. Como dizia a boneca Maria Santa, lá vem o golpe…
Eis que só no sétimo parágrafo o texto explica do que se trata um tal documentário que tornou famosos os ditos “pesquisadores”: “A obra cinematográfica revela experimentos científicos realizados ao longo de sete anos que comprovam que a Terra não é esférica e sim plana nas águas e convexa nos continentes.” Olha o golpe aí, gente!
Não se deixe enganar pelo linguajar feito para confundir. “Terra convexa” é apenas Terra plana para idiotas 2.0. Ainda assim, o grupo de “pesquisadores” tem recursos para viajar pelo mundo, um site organizado e um documentário no YouTube que, desde março, teria sido visto 80 milhões de vezes. A patetice virou um rentável produto. E tem quem compre. No mês passado, os “pesquisadores” foram homenageados por deputados estaduais de Mato Grosso do Sul. Assusta.
Consigo entender que, lá na Grécia Antiga, quando Eratóstenes fez um experimento para estimar a circunferência da Terra, alguém tenha duvidado. Mas hoje? Gente, temos toneladas de fotos que mostram a Terra redonda!
Como alguém pode negar evidências tão elementares assim? E mais que isso: que mundo é este em que há espaço para pessoas ganharem até homenagens com uma sandice dessas? Respondendo: é o bizarro mundo da pós-verdade, em que as pessoas se permitem “escolher” o que é e o que não é realidade, sem qualquer apego ao que antigamente chamávamos de “fatos objetivos”.
É uma combinação explosiva de ignorância, oportunismo e picaretagem, que já se manifesta de forma perigosa na sociedade, como nos movimentos antivacinas e no negacionismo da mudança climática. Onde vamos parar? Não sei. Só sei que não gosto de para onde estamos indo.
Esta coluna é publicada às segundas-feiras, na Folha Corrida.
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