Uma superterra na Estrela de Barnard
Com muito processamento e cerca de 20 anos de dados de observações, um grupo internacional de astrônomos detectou evidências de um planeta orbitando a Estrela de Barnard, localizada a apenas 6 anos-luz de distância.
Trata-se da estrela solitária mais próxima do Sol, que só não está mais perto que o sistema trinário Alfa Centauri (4,3 anos-luz). Isso anima os pesquisadores quanto às possibilidades de fazer observações diretas da luz do planeta com a próxima geração de telescópios e, assim, caracterizá-lo detalhadamente.
O planeta é uma superterra — com porte um pouco maior que o do nosso — e completa uma volta em torno de sua estrela a cada 233 dias. Se fosse no Sistema Solar, sua órbita seria um pouquinho maior que a de Vênus. Mas a Estrela de Barnard é bem menor e menos brilhante que o Sol, o que significa que, a essa distância, o mundo recém-descoberto deve ser um deserto gélido e hostil à vida, com temperatura estimada em -170 °C.
A descoberta foi feita pelo método de velocidade radial, também conhecido como o do “bamboleio gravitacional”. A lógica é que, conforme um planeta gira ao redor da estrela, ele induz um suave movimento na estrela, para lá e para cá, que altera o comprimento de onda da luz que emana dela. Ao monitorar um padrão repetitivo, os pesquisadores podem deduzir a distância e um valor mínimo da massa do planeta responsável.
Na teoria é simples. Na prática, bem mais complicado, porque a própria atividade estelar pode ser confundida com o padrão induzido pelo planeta.
“É, foi difícil”, diz Guillem Anglada-Escudé, pesquisador da Queen Mary University, de Londres, e coautor do trabalho, publicado na edição desta semana da revista Nature. “E a detecção não é tão limpa quanto gostaríamos. Mas é hora de reportar, já que as evidências agora são muito fortes.”
Além de vasculhar a base de dados com cerca de 20 anos de observações da Estrela de Barnard, com sete instrumentos diferentes, a equipe lançou mão de uma temporada de novas observações com os espectrógrafos Harps, do ESO (Observatório Europeu do Sul), e Carmenes, do Observatório de Calar Alto, na Espanha.
Com uma análise cuidadosa de todos os dados, antigos e novos, os pesquisadores calculam a chance de um falso positivo em menos de 1%.
As observações sugerem que a superterra Estrela de Barnard b tem pelo menos 3,2 vezes mais massa que a Terra (o valor exato depende da inclinação da órbita, que no momento é desconhecida).
UMA LONGA HISTÓRIA
Para os fissurados por astronomia, não passará despercebido o fato de que há muito tempo já se fala em planetas orbitando a Estrela de Barnard.
O astro ganhou esse nome graças às observações reportadas em 1916 pelo astrônomo americano Edward E. Barnard. Ele notou que a estrela, localizada na constelação de Ofiúco, estava mudando de lugar no céu em alta velocidade — deslocando-se depressa com relação a nós (de fato, ela será a estrela mais próxima do Sistema Solar em mais 10 mil anos, chegando a uma distância mínima de 3,8 anos-luz). Mas o bicho pegou mesmo nos anos 1960, quando o astrônomo holandês Peter van de Kamp disse ter descoberto evidências de planetas gigantes gasosos ao redor da estrela.
Ué, mas o primeiro exoplaneta descoberto ao redor de uma estrela ativa não veio só em 1995? Pois é. Embora tenha passado duas décadas reportando esses planetas gigantes gasosos ao redor da Estrela de Barnard, no fim ficou demonstrado que as “descobertas” de Van de Kamp não passaram de falsos positivos, causados por efeitos induzidos por algo tão trivial quando o processo de manutenção do telescópio.
Fato é que, desde então, cientistas têm procurado os “verdadeiros” planetas de Barnard. Agora acharam o primeiro. E, veja só, talvez exista também um gigante gasoso ao redor dela, como sugeria — por motivos errados — Van de Kamp.
“Há evidências muito fortes de um padrão que tipicamente indicaria a presença de um planeta gigante gasoso — maior que Netuno — com período orbital muito longo, mas o conjunto de dados não é ainda suficiente para dizer muito mais que isso”, diz Anglada-Escudé.
Em seu artigo científico, os pesquisadores sugerem que esse gigante gasoso, se existir, deve completar uma volta ao redor da Estrela de Barnard a cada 18 anos, aproximadamente. Mas, com os dados à disposição, ainda é cedo para afirmar que ele realmente esteja lá.
E quanto a planetas interiores, mais próximos da estrela que o Estrela de Barnard b, poderia haver algum? Improvável, mas não impossível.
“Parece não haver nenhum planeta ‘significativo’ dentro da órbita do Estrela de Barnard b”, diz Anglada-Escudé. “Poderíamos ter detectado coisas tão pequenas quanto a Terra e não vimos nada até agora. Isso não significa que eles não estão lá — poderia haver planetas numa órbita inclinada que não teríamos como detectar –, mas não há evidências para qualquer mundo como a Terra, ‘ameno’, até agora.”
Ou seja, diferentemente do Sol e de Proxima Centauri, a Estrela de Barnard parece não ter ganho na loteria cósmica dos planetas potencialmente habitáveis. Mas isso não torna a atual descoberta menos importante.
IMPLICAÇÕES
Uma das principais vantagens de encontrar planetas ao redor da Estrela de Barnard é que ela está muito próxima de nós. Isso significa que, com a próxima geração de telescópios em solo e no espaço, na década de 2020, existe a perspectiva de que possamos detectar a luz refletida por eles de forma direta.
Essa luz carrega consigo uma “assinatura” que pode informar uma grande quantidade de dados sobre a composição da superfície e da atmosfera desse mundo, além de seu padrão de rotação e nuvens, entre outros parâmetros. Uma visão até agora sem precedentes do ambiente de um exoplaneta.
Outro aspecto interessante é a descoberta de que o Estrela de Barnard b está numa região de seu sistema que é muito próxima à chamada “linha do gelo”, a fronteira que divide a área do sistema em que materiais voláteis (como água) se tornam sólidos no espaço e ajudam a compor os planetas.
Há algumas predições teóricas de que a região da linha do gelo é particularmente propícia à formação planetária, e a descoberta deste novo mundo pode dar força a essa ideia.
Agora, claro que a etapa número zero agora é confirmar que o planeta está mesmo lá. Afinal, 99% de probabilidade não é 100%. E os próprios autores da descoberta têm uma sugestão para isso, sabor ironia.
Eles dizem que as medições de astrometria de alta precisão feitas pelo satélite europeu Gaia, que vêm se acumulando desde seu lançamento, em 2013, poderão em breve não só confirmar que o planeta está lá, mas também determinar sua massa (e não apenas seu valor mínimo, como a técnica da velocidade radial).
Astrometria consiste em observar com precisão a posição da estrela no céu com o passar do tempo, e com suficiente precisão seria possível ver o bamboleio gravitacional causado pelo planeta diretamente, e não apenas inferi-lo pela distorção causada pela assinatura de luz da estrela.
Foi essa justamente a técnica empregada por Peter van de Kamp, na época sem sucesso, para detectar seus falsos positivos em Barnard. Seis décadas depois, agora é para valer.
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