SpaceX lança missão com mais de 60 satélites, dentre eles o brasileiro Itasat-1

Após uma série de atrasos, partiu nesta segunda-feira (3) a missão SSO-A Smallsat Express, impulsionada pelo foguete Falcon 9, da SpaceX. A decolagem aconteceu às 16h32 (de Brasília), na Base Vandenberg da Força Aérea americana, na Califórnia, e levou 64 pequenos satélites à órbita terrestre — dentre eles o Itasat-1, desenvolvido pelo ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica).

Foi a primeira vez que um primeiro estágio do Falcon 9 realizou três voos espaciais, em mais um grande feito da empresa de Elon Musk para amadurecer a tecnologia dos foguetes reutilizáveis. Após a separação, o primeiro estágio retornou à Terra e pousou numa balsa no oceano Pacífico. Segundo a companhia, os atuais primeiros estágios do Falcon 9 foram projetados para realizar pelo menos dez voos com pouca manutenção a cada reuso.

Foguete Falcon 9 sobe com a missão SSO-A SmallSat Express. (Crédito: SpaceX)

O Itasat-1 tem o tamanho de uma caixa de sapato e leva diversos instrumentos desenvolvidos no Brasil, como um transponder de coleta de dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e um receptor GPS criado pela UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte) em parceria com o IAE (Instituto de Aeronáutica e Espaço), além de uma câmera comercial e um transmissor para radioamadores. Sua arquitetura é basicamente a mesma adotada pela futura missão lunar brasileira, a Garatéa-L.

Ao todo, a missão SSO-A levou ao espaço cargas úteis de 17 países, dentre elas o satélite alemão Eu:CROPIS. Um dos maiores da leva, ele vai plantar tomates em órbita, num ambiente de microgravidade. Mas não é só isso. Por meio de rotação, ele vai gerar uma módica quantidade de gravidade artificial a bordo e aí testar também como crescem os tomates sob uma força gravitacional equivalente à da Lua (16% da terrestre) e à de Marte (38% da terrestre).

Embarcado nesse mesmo satélite está um experimento do Centro Ames de Pesquisa, da Nasa. É o PowerCell, que testará a sobrevivência e a saúde de um miniecossistema baseado em resíduos de cianobactérias e uma cultura da bactéria Bacillus subtilis. O experimento, que tem por objetivo desenvolver aplicações úteis para a futura colonização de outros corpos celestes, tem como coinvestigador principal o biólogo brasileiro Ivan Gláucio Paulino Lima, ligado ao Ames.

Confira a seguir, nas palavras dele, a importância do experimento PowerCell.

PowerCell e a jornada da humanidade

Por Ivan Gláucio Paulino Lima

Nesta segunda-feira, dia 3 de dezembro de 2018, o céu noturno ganhará mais uma estrelinha. Não pela despedida de um ente querido, mas pelo nascimento de mais uma missão espacial. Em meio a tantas outras que estão mudando a cada dia a maneira como enxergamos nossa realidade, essa tem um valor especial para mim.

Se nossos antepassados pudessem observar o céu de hoje, veriam muitas estrelas que se movem em linha reta, principalmente ao cair da noite e também ao amanhecer. Diriam se tratar de mensageiros siderais em um turbulento firmamento de divindades. Na verdade, essas “estrelas” foram produzidas artificialmente pelo homem moderno, e habitam os céus desde 1957, com o lançamento do satélite soviético Sputnik-1. Desde então, o homem tem povoado o céu noturno com muitas estrelas artificiais. Construiu até o seu lugarzinho dentro de algumas delas, na Skylab, na Mir e na Estação Espacial Internacional, por exemplo. Transformou a si próprio em uma estrela, ao flutuar livremente no firmamento com seus trajes espaciais. Chegou ao ponto de estabelecer contato físico com divindades ancestrais, ao tocar a deusa Selena (ou Luna, como preferir).

Quando colocamos esses avanços em uma perspectiva atemporal, começamos a apreciar a grandiosidade dos feitos e contemplamos o horizonte que as novas gerações têm pela frente.

Vivemos na era da exploração espacial, onde a humanidade busca novas moradas além da Terra para perpetuar a herança humana. Sabemos que o planeta Marte por exemplo poderá se tornar a próxima grande conquista da humanidade e outros inúmeros exoplanetas potencialmente habitáveis estão sendo descobertos na nossa vizinhança galáctica. O que faremos com tudo isso? Assistiremos de longe e aguardaremos nossa extinção, como fizeram os dinossauros? Certamente não.

À medida que o homem se prepara para sua maior aventura, novas tecnologias são desenvolvidas, novos conceitos científicos são colocados à prova, beneficiando toda a humanidade através da comercialização de novos produtos e processos. Em sua jornada para Marte, os(as) astronautas do futuro precisarão cultivar seus próprios alimentos, cuidar do ar que respiram e reciclar o excedente. Dependerão diretamente de processos biológicos em todas essas etapas.

Neste contexto, a missão PowerCell surge de uma parceria entre as agências espaciais norte-americana (Nasa) e alemã (DLR), com o objetivo de saber se processos biológicos básicos como crescimento bacteriano, produção de proteínas e transformação genética, poderão ser reproduzidos em outros mundos. Esses processos farão parte da rotina dos futuros navegantes do espaço na medida em que toda a microbiologia empregada em diferentes indústrias aqui na Terra forem sendo transferidas para mundos além do nosso.

Muitas tecnologias foram desenvolvidas e serão demonstradas nessa missão, desde a fabricação da plataforma de experimentação alemã, representada pelo satélite rotatório, capaz de operar em diferentes níveis de gravidade, até os minuciosos ajustes técnicos envolvidos na elaboração do software e miniaturização e automação do hardware, que executarão de fato os experimentos.

Uma vez em órbita, com a trajetória estabilizada, enviaremos um comando ao satélite para iniciar a primeira bateria de experimentos ainda em microgravidade, com duração de aproximadamente 10 dias. Em seguida, realizaremos uma réplica dos experimentos nos nossos laboratórios aqui na Nasa. Seis meses depois, passaremos para a velocidade de rotação que fornecerá uma sensação de gravidade equivalente à gravidade lunar e repetiremos os experimentos. Por fim, seis meses adiante, faremos tudo de novo com a gravidade marciana.

Neste momento estamos todos entusiasmados por aqui, aguardando ansiosamente os resultados da missão e esperando poder compartilhar os conhecimentos construídos, na forma de publicações técnicas e científicas e também na forma de publicações e comunicações informais, em contato com o público geral.

A motivação para todo esse trabalho é essencialmente atemporal, transcende os caprichos de uma geração ou de um indivíduo. Faz parte do espírito humano. É a razão pela qual estamos aqui hoje.

Tenho muita esperança de viver para testemunhar a chegada da humanidade a Marte. Mas, se eu não estiver por aqui, por favor transmitam meu recado às(aos) astronautas do futuro: “Foi uma grande satisfação dar os meus dois centavos de contribuição para a sua jornada. Espero que cuidem bem deste planeta e das próximas paradas. Que os nossos erros de agora vos ensinem a agir com mais sabedoria. Sintam-se abraçados e encorajados a perpetuar a herança da humanidade.”

Dr. Ivan Gláucio Paulino Lima
Coinvestigador Principal, PowerCell Science Mission
Blue Marble Space Institute of Science
NASA Ames Research Center

Ivan Gláucio Paulino Lima no centro de controle da missão Eu:CROPIS montado próximo à Base Vandenberg, na Califórnia. (Crédito: Arquivo pessoal)