Nunca estivemos sós no Universo
No último dia 20, o querido e sempre inspirado Drauzio Varella apresentou nesta Folha sua visão sobre a nossa suposta solidão cósmica. Em resumo, ele sugeriu que, mesmo que exista vida inteligente num planeta distante, é improvável que sejamos capazes de travar qualquer comunicação com ela. A ideia é que é virtualmente impossível que formas de vida sofisticadas em outros mundos tenham qualquer similaridade conosco, já que teriam nascido de uma árvore evolutiva tão contingencial quanto a nossa. Em resumo: eles seriam tão diferentes de nós que isso impediria qualquer tipo de compreensão mútua.
Embora eu reconheça como verdadeiros todos os fatos científicos elencados por Drauzio em sua argumentação, ainda julgo saudável uma certa dose de ceticismo quanto à convicção de que, com alta dose de probabilidade, não há inteligências “compatíveis” com a nossa lá fora.
Repare no salto de fé quase invisível entre ter uma história evolutiva particular e ter uma história evolutiva especial. É verdade que a existência dos humanos modernos é largamente contingente — certamente não teria acontecido se, digamos, um asteroide não tivesse levado os dinossauros ao ocaso, há 65 milhões de anos, e uma sequência grande de mutações aleatórias nos mamíferos, selecionadas pela natureza, não tivesse se processado depois disso.
Por outro lado, não temos como saber como teria sido a evolução no planeta se os dinossauros não tivessem sido extintos. Nos faltam as histórias jamais trilhadas. É fato que nós, humanos, não estaríamos aqui. Mas como garantir que outro caminho evolutivo não teria desembocado numa espécie inteligente e tecnológica, capaz das mesmas proezas e, em certa medida, “equivalente” a nós para efeito de comunicação interestelar?
Existe um processo muito interessante a guiar as formas que a vida pode assumir na natureza; é a chamada evolução convergente. Em essência, é o fato de que, diante de desafios evolutivos similares, as soluções biológicas se repetem de novo e de novo, de maneira independente. Pegue o problema do voo, por exemplo. Para solucioná-lo, a evolução gerou asas em insetos; depois, de maneira independente, em pterossauros; mais uma vez, tempos depois, nas aves; de novo, adiante, nos mamíferos (lembre-se dos morcegos); e por fim, por intermédio de construtos artificiais, nos humanos, com seus aeroplanos. É um bocado de repetição — com resultados parelhos — para chamarmos esse processo de “completamente aleatório”.
E é só um exemplo, de muitos. A fotossíntese evoluiu diversas vezes. Nadadeiras evoluíram repetidas vezes. E, crucialmente, o crescimento do cérebro em comparação ao tamanho do corpo, a despeito de seu custo energético brutal para o organismo, também aconteceu em diversas linhagens evolutivas — nas aves, nos cefalópodes, nos cetáceos e nos primatas, para citar quatro exemplos. Parece haver alguma pressão evolutiva para inteligência.
Isso quer dizer que uma civilização tecnológica seria na verdade o desfecho natural da evolução em uma biosfera pujante? Provavelmente não, mas a verdade é que o fato de sermos o produto de uma sequência singular e irrepetível de eventos não significa que ninguém mais chegará a um nível de abstração em que, cedo ou tarde, a ciência — nada mais que uma forma sofisticada e rigorosa de investigar relações de causa e efeito — é inventada.
E, se há outras civilizações lá fora aplicando o método científico, elas hão de descobrir parâmetros realmente universais: a frequência de vibração do hidrogênio é a mesma no Universo todo; a velocidade da luz é a mesma no Universo todo; 2+2 são iguais a 4 no Universo todo. Com esses parâmetros, é possível construir uma gramática elementar que permita a troca de informações úteis e compreensíveis entre sociedades dotadas de radiotelescópios, mesmo que separadas por dezenas ou centenas de anos-luz.
Será uma comunicação fluida, precisa, como esta sequência de letras para você? Decerto não. Mas não existe uma separação rígida entre comunicação e não comunicação, assim como também não há uma separação rígida entre inteligência humana e não humana. E este é outro ponto importante: estamos cercados de criaturas inteligentes com as quais já nos comunicamos, com graus variados de sucesso. Tudo isso por diversas trilhas evolutivas, em um único planeta, de uma estrela vulgar, de uma galáxia mediana, de um Universo de 2 trilhões de galáxias.
Olhando para a biosfera terrestre, é fácil notar que, na verdade, nunca estivemos sós no Universo. Apenas nossa arrogância nos impediu por tanto tempo de formalizar isso. E é tudo que basta — nos despirmos da noção de que somos um “acaso singular” ou um “milagre” — para saber que ainda é cedo para dizermos quanta inteligência há ou não há num cosmos de infindáveis possibilidades, e com que nível de sofisticação poderemos nos comunicar com ela. É dever da ciência não abraçar pressupostos categóricos, por mais que soem razoáveis, e partir em busca de evidências, sempre mantendo a mente aberta. A resposta certa sobre se podemos ou não nos comunicar com inteligências extraterrestres é: não sabemos. Mas queremos descobrir.
Esta coluna é publicada às segundas-feiras, na Folha Corrida.
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