Mais uma superlua e dois dedos de prosa sobre psicologia reversa involuntária

Pois é, você já deve ter lido por aí que nesta terça (19) teremos uma superlua particularmente “super”. Inventaram até um “superlua de neve” para designá-la. É só mais uma Lua cheia no perigeu, ou seja, uma Lua 100% iluminada mais ou menos na mesma época em que nosso satélite natural faz sua máxima aproximação da Terra ao longo de sua órbita ligeiramente alongada.

“Ah, mas não é a superlua mais super do ano?” É. Mas o quanto uma superlua mais super do ano é mais super que uma superlua qualquer? Vamos comparar com a que aconteceu em 21 de janeiro, por exemplo. Naquela ocasião, a aproximação máxima da Lua foi de 357.715 km. Agora, é de 356.846 km. A diferença é, portanto, de 869 km. O que isso significa para o tamanho aparente da Lua no céu? Significa que a superlua de fevereiro é 0,25% maior que a de janeiro. Isso mesmo, 0,25%. Também conhecido como “nada”, num arredondamento. Para todos os efeitos práticos, são iguais.

“Ah, mas ainda assim é uma superlua, não?” É. Mas o quanto uma superlua é mais super que a aparência média da Lua durante sua fase cheia? A distância média Terra-Lua é de cerca de 384 mil km, o que significa que o tamanho aparente de uma superlua é cerca de 7% maior do que o de uma Lua média.  Mesmo 7% são difíceis de notar a não ser que você use um instrumento para medir o tamanho da Lua no céu. No máximo, temos aquela impressão subjetiva clássica de “nossa, como a Lua está bonita hoje”. E é só.

Comparação entre uma “minilua” (mais afastada) e uma “superlua” (mais próxima). Uma Lua mediana seria intermediária entre essas duas.

O Mensageiro Sideral não é contra usar o fenômeno — a tal Lua cheia no perigeu como preferem os astrônomos, ou “superlua”, como cunharam os astrólogos, num termo que compreensivelmente acabou pegando — para educar as pessoas sobre a forma da órbita lunar e o fato de que ela não está sempre à mesma distância da Terra.

O problema é quando, numa cultura de mídia cada vez mais ávida por cliques, cria-se um sensacionalismo exacerbado sobre um evento que é, para todos os efeitos práticos, corriqueiro. A Lua atinge um perigeu e um apogeu a cada 27,5 dias, em seu eterno carrossel elíptico ao redor da Terra, e se toda vez que isso coincidir com a Lua cheia formos gritar “superlua disso!”, “superlua daquilo!”, o resultado será o inverso do almejado. Num ótimo exemplo de psicologia reversa, ao chamarmos atenção para a Lua, tornaremos o público indiferente à observação lunar, depois que, por duas ou três vezes, as pessoas forem induzidas a observar uma Lua que, na real, é só “a mesma Lua de sempre”.

E aí vamos perder uma janela para educar o público sobre astronomia.

Cientes disso, muitos grupos astronômicos no Brasil e no exterior têm decidido abolir o uso de “superlua”, focando no pouco glamouroso, mas mais informativo, “Lua cheia no perigeu”. Parece uma decisão acertada.

Não é problema, na real, abraçar um “superlua” de vez em quando; crias do jornalismo impresso, como o próprio Mensageiro Sideral, já seguiram muito o mote “título bom é título que cabe no espaço”, e “superlua” tem muito menos caracteres (além de ser mais sexy) que “Lua cheia no perigeu”. O pecado é sensacionalizar a “superlua”, ainda mais tentando diferenciá-la como algo ainda mais especial, como “superlua de neve” ou “superlua azul”. É estúpido e contraproducente. Psicologia reversa involuntária antiastronomia.

Então, meu conselho para esta noite é: observe a bela Lua, banhe-se na luz do luar, veja como ela chega a projetar sombras e permitir a leitura mesmo sem qualquer luz artificial, e lembre-se de que ela está sempre por aqui, ora um cadinho mais próxima, ora mais distante, mas sempre nos propiciando um inspirador espetáculo celeste.

(Em tempo, caso a moda não acabe, já proponho aqui o batismo de uma Lua cheia no perigeu que aconteça no aniversário da Xuxa de “superlua de cristal”. Fechou?)

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