Acordo por Alcântara é ótima notícia, mas é preciso combinar com o Congresso
O acordo de salvaguardas tecnológicas entre o Brasil e os Estados Unidos para o uso do Centro de Lançamento de Alcântara é um importante primeiro passo para torná-lo ativo e rentável. Ótima notícia, sem poréns. Mas é a segunda vez que o país dá esse primeiro passo, e da última foi em falso. Ainda é cedo para comemorar vitória.
O debate sobre salvaguardas tecnológicas costuma ser turvado por falsas polêmicas sobre soberania. Foi o que derrubou o último acordo do tipo, firmado em 2000, durante a administração Fernando Henrique Cardoso, e barrado no Congresso Nacional. Caberá à atual gestão se articular para impedir que aconteça de novo.
Que não haja confusão: um centro de lançamento é, acima de tudo, um grande negócio, e não uma questão de soberania. Não se pode (ou deve) misturar o fato de que uma instalação desse tipo deve estar aberta ao lançamento de artefatos fabricados nos Estados Unidos, sejam eles componentes, satélites inteiros ou foguetes, com controvérsias como a gerada recentemente por Bolsonaro ao defender a instalação de uma base militar americana em solo brasileiro. Não se trata disso. Pelo novo acordo, o Centro de Lançamento de Alcântara é e continuará a ser 100% brasileiro.
Trata-se de permitir atividades comerciais vultosas envolvendo o mercado americano, gerando importante fonte de renda e desenvolvimento para o país e, em particular, para o estado do Maranhão, um dos mais pobres da federação.
Segundo relatório da Global Market Insights feito no ano passado, o mercado global de lançamento de satélites comerciais movimenta cerca de US$ 5 bilhões por ano e está em franca expansão. Espera-se que vá atingir mais de US$ 7 bilhões anuais até 2024, e a previsão é que continue a crescer ainda mais nos anos seguintes.
Alcântara tem o potencial para atrair parte desses recursos por conta de sua localização privilegiada, capaz de propiciar economia de combustível (ou maior capacidade de transporte, são intercambiáveis) tanto em lançamentos equatoriais quanto polares (algo que nem mesmo sua rival direta, Kourou, na Guiana Francesa, possui).
Para isso, contudo, é preciso haver foguetes operando de lá que sejam capazes de fazer os lançamentos, assim como cargas úteis que possam ser lançadas dali. E 80% de todos os artefatos espaciais possuem algum componente de origem americana. Sem o acordo, não poderiam ser lançados. Aí vem a pergunta que os brasileiros já deveriam estar se fazendo há décadas: de que adianta ter a base mais bem localizada do mundo para o lançamento de satélites se o governo está disposto a, de saída, descartar 80% do mercado?
Foi o que a gestão FHC quis sanar em 2000, quando firmou o primeiro acordo de salvaguardas. Com ele, tornava-se possível realizar o lançamento comercial de equipamentos de origem americana a partir de Alcântara. Mas com duas condições: que os próprios americanos controlassem o acesso a seus artefatos espaciais (para impedir espionagem e transferência indevida de tecnologia) e que os proventos da comercialização dos serviços não fossem investidos no desenvolvimento do lançador de satélite brasileiro, tecnologia de uso dual facilmente convertível em míssil balístico intercontinental.
A primeira é praxe para quaisquer centros de lançamento do mundo — ninguém gosta de não poder controlar quem espia sua própria tecnologia –, e a segunda, apesar de menos comum, era essencial para que se aprovasse o acordo no Congresso americano, e inócua, uma vez que a renda obtida, uma vez incorporada ao Tesouro, na prática poderia ser usada da forma que o governo brasileiro bem entendesse.
Politicamente, contudo, era muito fácil converter esses pontos em questões de soberania, e foi o que aconteceu no Congresso Nacional, onde o acordo foi rejeitado.
Durante as gestões petistas, houve zero interesse na retomada das negociações. O boicote só terminou no governo Temer, em 2016, quando finalmente o Ministério da Defesa teve aval para retomar as conversas com os americanos.
A formulação do novo acordo vem se dando, desde então, no âmbito da Comissão de Coordenação e Implantação de Sistemas Espaciais da Força Aérea Brasileira, e agora temos um texto pronto, que tenta mitigar as críticas que alvejaram a versão anterior. Desta vez o acordo prevê que os recursos obtidos podem ser aplicados no programa espacial brasileiro, inclusive em lançadores. O novo acordo deve ser assinado durante a visita de Bolsonaro aos EUA.
E aí estaremos exatamente no mesmo ponto em que estávamos em 2000. Duas décadas depois, sem ter saído do lugar, mais uma vez o país dependerá da habilidade política do governo de apresentar ao Congresso Nacional a importância deste acordo e a forma correta de interpretá-lo. Se cairmos mais uma vez na armadilha da “soberania”, é difícil imaginar um futuro em que teremos uma terceira chance. O mercado espacial está crescendo de forma explosiva, e ninguém vai esperar o Brasil ter bom senso para começar a trabalhar.
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