Lebre e tartaruga na corrida para a Lua

Na última terça-feira (26), o vice-presidente americano Mike Pence anunciou a meta de colocar astronautas dos EUA na superfície em 2024, daqui a apenas cinco anos. Em seu discurso, disse que há uma corrida, contra China e Rússia. Há mesmo?

A Rússia, coitada, não tem dinheiro para seu programa espacial, e a penúria deve aumentar ainda mais nos próximos anos, com a redução da demanda por assentos em suas cápsulas Soyuz. É carta fora do baralho.

A China, contudo, é uma outra história. Mantida afastada de projetos espaciais de cooperação internacional liderados pelos EUA (há até uma lei aprovada pelo Congresso americano que proíbe cooperação com os chineses), ela resolveu desenvolver seu próprio programa completo sozinha. E o lema é: devagar e sempre.

Desde o primeiro voo de um taikonauta (apelido dado aos tripulantes chineses), em 2003, o cronograma deles já era mais ou menos conhecido. A primeira década era para pegar o jeito do voo espacial e testar tecnologias essenciais, como caminhada espacial e acoplagem. A segunda década foi marcada pelos pequenos laboratórios científicos orbitais, como os satélites Tiangong 1 e 2, lançados em 2011 e 2016. Também foi o momento de desenvolver as naves de carga automatizadas.

A terceira década está vindo aí, e terá por base a Tiangong 3, a primeira peça de uma estação espacial multimodular (similar em porte à antiga Mir russa). E só na quarta década, ao redor de 2030, espera-se uma tentativa chinesa de pousar na Lua com astronautas. Declarações recentes de autoridades do programa dão conta de que o plano, quando isso acontecer, é construir uma estação científica próxima ao polo Sul lunar.

Com esse cronograma bastante elástico e paulatino, que está sendo cumprido rigorosamente há duas décadas, a China começou a se aproximar da Lua. Os EUA, em contrapartida, passaram esse mesmo período numa crise existencial, em que cada nova administração estabelece sua própria prioridade para a Nasa. Primeiro era a Lua, com Bush. Depois, com Obama, era asteroide e depois Marte. Agora, com Trump, é a Lua e depois Marte. E nisso os anos — e bilhões de dólares — vão passando.

Os americanos gastam muito mais dinheiro com exploração espacial que os chineses. Larga margem. E era bem difícil chamar essa situação de corrida em 2004, quando a Nasa planejava voltar à Lua até 2020 e os chineses trabalhavam com 2030. Mas agora, depois de tanta patinação de um dos lados, pode acabar virando uma. E, se os americanos não se emendarem depressa, podem muito bem perder. É a história da lebre e da tartaruga, transposta para a exploração espacial.

Esta coluna é publicada às segundas-feiras, na Folha Corrida.

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