O mistério cósmico do ovo e da galinha
Sabemos que toda grande galáxia tem um buraco negro supergigante em seu centro. Mas há nesse fato um mistério clássico, no melhor estilo “o que vem primeiro, o ovo ou a galinha?”. É a galáxia que, ao evoluir, gera um buraco negro com milhões de vezes a massa do Sol, ou é o buraco negro gigante e antigo que faz evoluir a galáxia no seu entorno? A resposta a essa pergunta ainda é desconhecida, e o mais provável é que ela seja similar à do ovo ou da galinha, necessariamente prefaciada com as palavras “é mais complicado que isso”.
Na semana passada, a equipe responsável pelo Telescópio Espacial Hubble divulgou imagens de um bom lugar onde procurarmos pistas para resolver o enigma: a galáxia ESO 495-21, localizada a 30 milhões de anos-luz daqui, na constelação austral da Bússola.
Ela é bem pequena, com apenas 3 mil anos-luz de diâmetro (comparados aos 100 mil anos-luz da Via Láctea), e no entanto está formando estrelas num ritmo assustador — mil vezes mais depressa do que na nossa galáxia. Mas o mais interessante é que há evidências de que, em seu centro, há um buraco negro supergigante com massa de 1 milhão de sóis. É menor que o da Via Láctea (com massa estimada em 4 milhões de sóis), mas ainda assim é proporcionalmente muito grande, em contraste com o tamanho da galáxia.
O pequeno porte, a forma indistinta e a produção acelerada de estrelas fazem da galáxia ESO 495-21 um exemplar bastante incomum entre as populações galácticas mais próximas da Terra. Os astrônomos acreditam, contudo, que ela provavelmente se sentiria em casa no passado remoto do Universo, onde galáxias pequenas, bagunçadas e com alta taxa de formação estelar (as chamadas “galáxias starburst”) deviam ser o feijão com a arroz cósmico.
O fato de que ela, apesar da aparência jovial, provavelmente tem um superburaco negro dá a impressão de que esses objetos surgem bem cedo na história de uma galáxia — se é que não nascem primeiro que ela. O certo é que, uma vez que temos uma galáxia jovem e um superburaco negro para lhe servir de centro, ambos evoluem de mãos dadas. Os jatos de radiação emitidos pelo disco de gás que circunda o buraco negro ajudam a modular a formação estelar da galáxia em volta, e a presença de matéria galáctica ajuda a alimentar o buraco negro e fazê-lo crescer.
Uma questão importante em aberto é a de como nascem os buracos negros supergigantes em primeiro lugar. Ajuda providencial nesse sentido está vindo das detecções recentes de ondas gravitacionais, que estão permitindo identificar uma população de buracos negros jamais sondada antes. Pouco a pouco, os astrônomos vão juntando as peças para no fim das contas responder à pergunta que mais nos interessa: como viemos parar aqui?
Esta coluna é publicada às segundas-feiras, na Folha Corrida.
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