Ciência de foguetes e os 50 anos da maior errata espacial do New York Times

A missão Apollo 11 não foi só uma grande façanha histórica, mas propiciou uma das mais icônicas erratas do todo-poderoso jornal New York Times. O episódio ilustra a dificuldade de compreender como um foguete pode se deslocar no vácuo do espaço.

A física envolvida é absolutamente trivial e remonta às leis de movimento de Isaac Newton, no século 17. A terceira lei dita o seguinte: “Para cada ação, há uma reação de igual intensidade e sentido oposto.”

Isso explica, por exemplo, por que um bêbado trombando numa parede cai para trás. Do mesmo modo que ele empurra a parede adiante, a parede o empurra de volta para trás. (Sóbrios também teriam o mesmo efeito, mas esses não costumam praticar o experimento.)

É exatamente esse fenômeno o usado pelos foguetes para voarem. Uma câmara de combustão interna combina oxidante e combustível, produzindo um jato de exaustão que atira a massa da combustão para trás. (No caso de um foguete que usa hidrogênio e oxigênio líquidos, como o segundo e terceiro estágios do foguete lunar Saturn V, a exaustão é feita de água, a combinação de hidrogênio e oxigênio.)

Se você atira a massa para trás, diz Newton, a massa também vai atirá-lo para a frente. E como a intensidade da força é igual, você pode calcular facilmente quanta aceleração um foguete pode ter com base em quanto ele acelera o jato de exaustão e quanta massa por segundo ele exaure. Então, se você queima uma tonelada por segundo de combustível, para levantar um foguete com cem toneladas, a velocidade do jato de exaustão será cem vezes maior que a velocidade da decolagem (na verdade ainda um pouco maior, se você contar que o ar atrapalha o voo, criando resistência, e a gravidade imprime uma aceleração constante de 9,8 m/s/s contrária ao movimento do foguete). Tudo isso é facilmente calculável usando a clássica fórmula de Newton, F=ma (força equivale a massa multiplicada pela aceleração), sua segunda lei do movimento.

E, já que falamos das duas últimas, falemos também da primeira, a chamada lei da inércia — ela diz que objetos em repouso tendem a continuar em repouso a não ser que uma força aja sobre eles, e o mesmo acontece com objetos em movimento cuja velocidade é uniforme. Ou seja, se você coloca algo no espaço — digamos, sei lá, um automóvel do Elon Musk — a 60 km/h, longe de influências gravitacionais, ele continuará para sempre a 60 km/h, sem precisar de impulso ou combustível adicionais.

Essa também é uma lei importante para o voo espacial, uma vez que espaçonaves passam a maior parte do tempo voando por inércia, mas elas nunca estão realmente livres de qualquer força, pois a gravidade é onipresente. Você pode escapar da gravidade da Terra, mas ainda permanecer preso à gravidade do Sol; você pode escapar da gravidade do Sol, mas ainda permanecer preso à gravidade conjunta da Via Láctea; você pode escapar da Via Láctea, mas ainda estará preso à gravidade do conjunto de galáxias do qual ela faz parte; e assim por diante.

Usando o exemplo da missão Apollo 11, por exemplo: depois de ganhar o impulso inicial do Saturn V para escapar do poço gravitacional da Terra, a espaçonave viajava por inércia até as imediações lunares (com pequenas correções de curso com o propulsor do veículo), onde reduzia sua velocidade para cair no poço gravitacional da Lua apenas o suficiente para permanecer em órbita lunar (“caindo” o tempo todo, mas “errando” a Lua, pois a velocidade é tal que a curvatura de queda acompanha a curvatura do astro — isso é o que chamamos de estar em órbita; como diziam Woody e Buzz Lightyear, em Toy Story, orbitar nada mais é que “cair com estilo”). Mais tarde, o módulo lunar freava mais um pouco, mudando a curva de queda para finalmente “cair” na Lua. Depois do pouso controlado, a decolagem se dava acelerando para voltar à órbita e aí se reencontrar com o módulo de comando e serviço, que usava seu propulsor para aumentar a velocidade a ponto de escapar do poço gravitacional da Lua e retornar por inércia (salvo algumas correções de curso) ao poço gravitacional terrestre.

Bem, tudo parece muito simples dito deste modo. Mas um engano comum é achar que, no jogo de empurra-empurra que permite que um foguete se desloque, o empurrão se daria não do jato de exaustão com o próprio foguete, mas sim do foguete com o ar. Não é o caso, mas o engano é compreensível: todas as outras formas de transporte estabelecem essa relação: o carro empurra o chão para trás com suas rodas; a turbina de um avião empurra o ar para trás; um motor de navio empurra a água para trás. Daí a impressão de que um foguete também precisaria empurrar o ar para trás a fim de ir adiante. Não precisa, como vimos antes — o empuxo é extraído da energia da combustão que empurra o jato de de exaustão para trás, que empurra o resto do veículo para a frente.

Eis que chegamos ao ponto em que o New York Times entra na história. Em 13 de janeiro de 1920, o jornalão americano publicou um editorial destinado a ridicularizar o professor Robert Goddard, pioneiro cientista de foguetes americano que estava, pasme você, sugerindo a possibilidade de uma tecnologia similar permitir uma viagem à Lua.

Escreveu o NYT:

Que o professor Goddard, com sua ‘cátedra’ no Clark College e o apoio da Instituição Smithsonian, não saiba a relação de ação e reação, e a necessidade de haver algo melhor do que um vácuo contra o que reagir — dizer isso seria absurdo. Claro, ele parece apenas não ter o conhecimento apresentado diariamente no ensino médio.

Ledo engano. Goddard bem que tentou explicar onde estava a falha de raciocínio num artigo na revista Scientific American, mas as críticas predominaram, fazendo com que o cientista de foguetes passasse a evitar atenção do público, embora prosseguisse com suas pesquisas.

Passaram-se “apenas” 49 anos para que, em 17 de julho de 1969, um dia após a decolagem da Apollo 11, o jornal publicasse a seguinte errata:

17 DE JULHO, 1969: Em 13 de janeiro de 1920, o Topics of the Times, uma página editorial do The New York Times, descartou a noção de que um foguete pudesse funcionar num vácuo e comentou sobre as ideias de Robert H. Goddard, o pioneiro de foguetes, da seguinte maneira: ‘Que o professor Goddard, com sua ‘cátedra’ no Clark College e o apoio da Instituição Smithsonian, não saiba a relação de ação e reação, e a necessidade de haver algo melhor do que um vácuo contra o que reagir — dizer isso seria absurdo. Claro, ele parece apenas não ter o conhecimento apresentado diariamente no ensino médio.’

Investigações e experimentos andicionais confirmaram as descobertas de Isaac Newton no século 17 e agora está definitivamente estabelecido que um foguete pode funcionar num vácuo tão bem quanto numa atmosfera. O Times lamenta o erro.

BÔNUS:
Confira as reportagens do Mensageiro Sideral publicadas até agora nesta Folha sobre os 50 anos da Apollo 11.

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