Grupo usa estrelas pulsantes como faróis para montar mapa 3D da Via Láctea
Usando como faróis estrelas com propriedades luminosas bem conhecidas, um grupo de astrônomos poloneses acaba de produzir um sofisticado mapa tridimensional da nossa Via Láctea, revelando detalhes de sua estrutura.
As reais protagonistas da história são as estrelas conhecidas como variáveis cefeidas clássicas. O nome cifrado pode ser traduzido como “estrelas de alta massa muito brilhantes que incharam na fase final de suas vidas e pulsam periodicamente”. É isso que elas são.
O que realmente interessa a respeito delas é que existe uma relação firme entre a luminosidade e o período de pulsação, fato descoberto em 1908 pela astrônoma Henrietta Swan Leavitt. Ou seja, ao medir quanto tempo leva entre cada pulso, é possível estimar qual é o brilho intrínseco da estrela.
Ao contrastar essa luminosidade absoluta com a luminosidade aparente (o quão brilhante a estrela parece ser, no céu, vista da Terra), temos aí um meio de saber a que distância ela se encontra. (Da mesma forma que podemos saber se um carro com o farol alto atrás de nós está perto ou longe, dependendo do quanto a luminosidade refletida no retrovisor incomoda nossa visão, embora o brilho intrínseco do farol seja o mesmo a qualquer distância.)
Foi graças a essa propriedade das variáveis cefeidas – tão brilhantes que podem ser vistas até mesmo quando estão em outras galáxias – que o astrônomo Edwin Hubble, entre 1929 e 1931, pôde constatar que o Universo estava em expansão. As variáveis cefeidas ofereciam um meio de calcular a distância até suas galáxias de origem, enquanto a distorção do comprimento de onda da própria luz da galáxia por conta do deslocamento dela com relação a nós (algo que os astrônomos chamam de desvio para o vermelho, ou “redshift”) indicava a velocidade dela.
Hubble notou que, quanto mais distante uma galáxia estava de nós, mais rápido ela parecia se afastar de nós. Uma situação em que tudo parece estar se afastando de tudo é análoga à de um balão inflando. Se você pintar pontinhos na superfície da bexiga, verá que eles se afastam uns dos outros conforme ela enche – da mesma maneira que um Universo em expansão será observado, de qualquer lugar, como se todas as galáxias estivessem se afastando de você.
No novo estudo polonês, que figura nas páginas da edição desta semana da revista Science, os pesquisadores se concentraram apenas nas variáveis cefeidas clássicas localizadas dentro de nossa própria galáxia, a Via Láctea.
Foram analisadas nada menos que 2.431 delas, a maioria das quais descoberta por um projeto de observação de lentes gravitacionais (desvios no trajeto da luz causados pela gravidade de objetos, à forma de uma lente óptica convencional) chamado OGLE-IV. Seus resultados, publicados em 2018, mais que dobraram o número de variáveis cefeidas conhecidas na Via Láctea.
Ao marcar exatamente a distância e a posição de cada uma delas, foi possível construir um mapa tridimensional da galáxia, especialmente útil para observar as regiões de formação de estrelas e as populações mais jovens – já que as variáveis cefeidas são estrelas de alta massa e que, por isso mesmo, têm vida curta. (Quanto maior é uma estrela, mais rapidamente ela consome seu combustível. Enquanto o Sol está em sua meia-idade, com 4,6 bilhões de anos, uma variável cefeida clássica deve ter no máximo 400 milhões de anos.)
A detecção de estrelas, naturalmente, é muito maior no nosso entorno e torna-se mais escapa nas regiões além do centro galáctico. Mas, ainda assim, a distribuição das cefeidas ajuda a delinear os braços da Via Láctea e a forma de seu disco.
“Este mapa revela a estrutura das populações estelares jovens da nossa galáxia e nos permite delimitar a forma torcida do disco da Via Láctea”, escrevem os autores liderados por Dorota M. Skowron, da Universidade de Varsóvia.
As observações são consistentes com o que já se sabia da nossa galáxia – ela tem a forma espiral barrada, ou seja, com uma barra de estrelas em sua região central, e parece ter as pontas do disco torcidas, de um lado para cima, de outro para baixo. Os resultados também suportam a noção de que ela tem quatro braços principais em seu padrão espiral.
Além disso, o mapa obtido se encaixa bem com simulações que tentam reproduzir o padrão de formação de estrelas jovens na galáxia, mais um passo importante para entendermos como é o grande conjunto de estrelas dos quais nosso Sol é apenas um, dentre centenas de bilhões. No céu noturno, ela só nos parece uma faixa leitosa (daí seu nome), ilustrando a dificuldade de mapear uma galáxia quando se está dentro dela. Com engenhosidade e observações, pouco a pouco, os astrônomos vão superando essa limitação.
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