Astrônomos detectam vapor d’água em superterra na zona habitável

Pela primeira vez, astrônomos encontraram o sinal de vapor d’água na atmosfera de uma superterra localizada na zona habitável de sua estrela. O resultado é mais um passo importante na busca por planetas fora do Sistema Solar que possam abrigar vida, esforço que deve entrar em efervescência na próxima década.

Contudo, segure o champanhe aí – ainda não é o que você está pensando. O planeta K2-18 b é bem diferente da Terra, com mais que o dobro do diâmetro do nosso mundo. Até para as superterras clássicas ele parece grande demais, talvez merecendo mais o título de mininetuno.

Rápida recapitulação para entender essa classificação: no Sistema Solar, há dois tipos de planeta, os rochosos (Mercúrio, Vênus, Terra e Marte) e os gasosos (Júpiter, Saturno, Urano e Netuno). O maior dos rochosos é a Terra, e o menor dos gasosos é Netuno, com um diâmetro 3,9 vezes maior que o terrestre. Estamos encontrando lá fora planetas sem equivalente em nosso sistema, com diâmetros e massas intermediárias entre as duas categorias bem conhecidas por aqui. O planeta K2-18 b tem 2,2 vezes o diâmetro da Terra.

Descoberto em 2015 pelo satélite Kepler, da Nasa, em sua segunda missão, a K2 (daí o nome de catálogo do astro), o planeta orbita uma estrela anã vermelha com pouco mais de um terço da massa do Sol e 41% do diâmetro solar, localizada a 110 anos-luz daqui, na constelação de Leão.

O Kepler descobria planetas que estão de tal modo alinhados em suas órbitas a ponto de passar periodicamente à frente de suas estrelas, com relação à Terra. Esses chamados trânsitos planetários ocasionam uma pequena redução de brilho do astro principal, que é então detectada pelo satélite, indicando a existência de um objeto menor ao redor dele – um planeta.

O tamanho da redução do brilho é proporcional ao tamanho do planeta, de forma que a própria detecção já indica o diâmetro. Estudos posteriores que medem os efeitos gravitacionais do astro sobre sua estrela-mãe permitiram também estimar a massa, que está ao redor de 8 massas terrestres, com margem de erro de 1,9 massa terrestre para mais ou menos.

Com o volume (calculado a partir do diâmetro) e a massa, é possível calcular a densidade de um planeta. No caso de K2-18 b, ela está ao redor de 3,3 g/cm³ (com margem de erro de 1,2 g/cm³ para mais ou para menos, acompanhando a incerteza da massa).

No Sistema Solar, o planeta que mais se aproxima dessa densidade é Marte, com 3,93 g/cm³. A Terra é bem mais densa, com 5,51 g/cm³. E Netuno tem densidade média de 1,64 g/cm³. O que muda em geral nesses planetas é o tamanho do invólucro gasoso que envolve seus núcleos rochosos. Seguindo essa lógica, devemos esperar de K2-18 b uma atmosfera mais extensa que a terrestre, mas também mais modesta que de um gigante gasoso.

E qual é o conteúdo dessa atmosfera? Essa foi a pergunta a Angelos Tsiaras e seus colegas do University College London, em Londres, no Reino Unido, se dedicaram. Eles trabalharam com dados de arquivo produzidos em 2016 e 2017 pelo Telescópio Espacial Hubble, que registraram a estrela K2-18 exatamente nos momentos em que o planeta b fazia um trânsito.

O objetivo era tentar captar, em meio à luz da estrela, raios luminosos que tivessem sido filtrados pela atmosfera do planeta, ao longo das bordas, e ainda assim chegassem até nós. Essa “filtragem” deixa uma “assinatura” dos gases por onde passou, dando pistas da composição.

O sinal de vapor d’água não estava óbvio nos dados. Para encontrá-lo, os pesquisadores tiveram de desenvolver algoritmos especiais capazes de ajudar a separar a detecção real do ruído de fundo. O esforço deu certo e, segundo eles, foi possível excluir a possibilidade de que a detecção fosse um falso positivo gerado pela própria estrela. O vapor d’água, segundo os cientistas, está mesmo na atmosfera do planeta.

O trabalho, publicado online nesta quarta-feira (11) pelo periódico Nature Astronomy, não vai muito mais longe que isso. A essa altura, com o sinal captado, é difícil até estimar a quantidade de água presente na atmosfera. Combinando o sinal com potenciais modelos da estrutura do planeta, esse valor pode estar em qualquer lugar entre 0,01% (desértico) e 50% (muito mais úmido que a Terra).

Da mesma maneira, não dá para precisar que condições exatamente esse planeta abriga. Sabemos que ele completa uma volta ao redor de sua estrela a cada 33 dias, numa posição que o coloca na zona habitável – a região em que um mundo recebe uma quantidade de radiação luminosa similar à da Terra, permitindo, em tese, a existência de água em estado líquido na superfície planetária, o que é hoje tido pelos cientistas como o principal pré-requisito para o surgimento e a evolução da vida.

Os cálculos dos pesquisadores sugerem que a temperatura média do planeta pode estar entre -73 °C e 47 °C, dependendo do nível de refletividade do planeta, da densidade da atmosfera e das condições na superfície. E de que atmosfera estamos falando? Difícil dizer. Há sinais da presença de hidrogênio (e os pesquisadores presumem que hélio também deve estar por lá), e o grupo de Tsiaras aponta três possíveis modelos que se encaixam nas observações.

– Sem nuvens, contendo apenas água, hidrogênio e hélio

– Sem nuvens, contendo água, nitrogênio, hidrogênio e hélio

– Com nuvens, contendo apenas água, hidrogênio e hélio

Quanto à superfície, também é difícil dizer qualquer coisa. Pode ser um deserto lá embaixo, pode ser um mundo de água (com um vasto oceano global muito maior do que qualquer corpo d’água que temos na Terra) e talvez a superfície esteja abaixo de uma atmosfera tão densa que as condições sejam mais similares às de um gigante gasoso lá embaixo do que às de um planeta rochoso como o nosso.

Como se percebe, são muitas as perguntas. As respostas devem vir nos próximos anos, conforme novos telescópios espaciais (como o James Webb, da Nasa, e o Ariel, da ESA) e em solo (como o ELT, no Chile, e o GMT, no Havaí) passem a entrar em operação. Neste momento, os pesquisadores estão trabalhando no limite da capacidade dos atuais equipamentos. Decerto K2-18 b receberá uma nova olhada no futuro, e muito mais informações sobre este mundo se tornarão disponíveis.

O mesmo se poderá dizer de muitos outros planetas já descobertos ou em vias de serem encontrados por missões como o Tess, da Nasa, atualmente em operação. Assim como cada mundo do nosso Sistema Solar tem sua “personalidade” própria, vamos começar a descobrir que incrível variedade adicional há de haver lá fora. E, quem sabe, alguns desses mundos – mais ou menos parecidos com a Terra, conforme o caso – abriguem também formas de vida, cujo efeito na atmosfera poderá ser detectado? O futuro da astronomia bate à nossa porta.

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