Um potencial novo visitante interestelar
No último dia 30 de agosto, o astrônomo amador ucraniano Gennady Borisov acreditou ter descoberto mais um cometa. O que ele não imaginava, ao seguir o objeto nos dias seguintes, é que fosse acabar sendo o segundo vagabundo interestelar a ser flagrado em visita ao nosso Sistema Solar. Após 12 dias de acompanhamento, esta é no momento a principal hipótese para explicar a presença do objeto catalogado como C/2019 Q4 (Borisov).
A história lembra um pouco a do celebrado 1I/2017 U1 (‘Oumuamua), o primeiro objeto interestelar a ser detectado numa visita a nosso Sistema Solar. Só que agora tivemos mais sorte: se o ‘Oumuamua nós só vimos depois que ele já estava indo embora, o que gerou um rápido frenesi de observações, este novo objeto foi detectado ainda na “vinda”, a 3 unidades astronômicas do Sol (uma unidade astronômica, 1 UA, é a distância média Terra-Sol, cerca de 150 milhões de km).
Ele deve atingir o periélio (máxima aproximação do Sol) ao redor de 7 de dezembro e passará meses ao alcance dos telescópios. Trata-se também de um objeto bem maior que o ‘Oumuamua, o que facilitará sua observação. Ou seja, a diversão só está começando.
E a tarefa número zero é confirmar que ele é mesmo interestelar. Todas as indicações até agora dão conta de que sim, mas ainda não dá para cravar. “Existem duas hipóteses de órbita que caem bem”, explica Cristóvão Jacques, astrônomo brasileiro que opera o observatório Sonear e é especialista na detecção de asteroides e cometas. “A muito hiperbólica, que seria a de um objeto interestelar, e a parabólica, com efeitos não gravitacionais pronunciados. Ambas satisfazem as observações. Só o tempo dirá qual a mais certa.”
A essa altura, a hipótese hiperbólica (em geometria, uma curva aberta) é a que está ganhando, por uma larga margem. Na verdade, muitos astrônomos já admitem que deve ser mesmo um objeto interestelar. Mas, para jogar com a cautela, o Minor Planet Center da IAU (União Astronômica Internacional), responsável pela catalogação desses objetos, deu a ele uma designação C, de cometa.
Diferentemente do ‘Oumuamua, que tinha atividade cometária muito discreta ou nula, este aqui de fato se comporta como um cometa, ejetando gases conforme se aproxima do Sol. Provavelmente não em taxa suficiente para justificar a hipótese parabólica da órbita (em que o objeto estaria ligado gravitacionalmente ao Sol, vindo da nuvem de Oort, a camada mais externa de detritos do Sistema Solar), mas mais do que bastante para classificá-lo como cometa. Contudo, se a hipótese interestelar se confirmar, ele deve ganhar a designação I. Será, no caso, o 2I.
O objeto veio da direção da constelação de Cassiopeia, perto da divisa com Perseu, e passará próximo à órbita de Marte no periélio, antes de pegar o caminho para fora do Sistema Solar.
A detecção de um segundo objeto interestelar tão cedo assim é tida como um golpe de sorte pelos astrônomos. Nem eles esperavam algo assim tão depressa. Apesar disso, já havia uma certa expectativa de que, uma vez encontrado o primeiro, outros não tardariam a vir, e o ritmo de descobertas deveria se acirrar ainda mais com futuros projetos de varredura de céu inteiro agora em planejamento, como o LSST (Large Synoptic Survey Telescope), que deve começar a funcionar em 2022, no Chile.
Com menos pressa que com o ‘Oumuamua, todos os grandes observatórios em solo e no espaço poderão observar o Borisov em sua passagem pelo Sistema Solar. Caso seja mesmo um interestelar, poderemos aprender muito mais sobre sua natureza. Uma coisa, contudo, é certa: com duas descobertas sequenciais, está claro que esses objetos são relativamente comuns, mostrando que mesmo as distâncias interestelares não são suficientes para “isolar” sistemas planetários. A galáxia é um ecossistema conectado. O Sol ejeta constantemente cometas e asteroides solares para fora do sistema, e somos constantemente visitados por cometas e asteroides de sistemas vizinhos. Poderia a vida se propagar pela galáxia pegando carona nesses objetos? É uma pergunta difícil de responder, mas um pensamento interessante de cultivar.
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