O problema com a constante de Hubble

Usando lentes gravitacionais para medir a taxa de expansão do Universo, um grupo de pesquisadores do Instituto Max Planck, na Alemanha, encontrou um valor maior do que o esperado. O achado ajuda a entornar o caldo da cosmologia, em mais um capítulo da novela “tem algo errado com a constante de Hubble”.

Vamos lá, rápida recapitulação. Sabemos que o Universo, tal qual conhecemos hoje, nasceu de uma súbita e brutal expansão do espaço-tempo conhecida como Big Bang, ocorrida cerca de 13,8 bilhões de anos atrás. O que hoje chamamos de cosmos era então menor que a cabeça de um alfinete. Hoje é esse mundão todo.

A taxa de expansão, por sua vez, é a constante de Hubble, assim chamada porque foi Edwin Hubble o primeiro a demonstrar que o cosmos de fato estava em expansão, ao notar uma relação entre a distância das galáxias e a velocidade com que pareciam se afastar de nós. Quanto mais distante, mais rápida a recessão, como se todo o Universo fosse um balão crescendo mais e mais.

Combinando as medições da radiação cósmica de fundo (uma espécie de eco do Big Bang, gerado no momento em que a expansão permitiu que a luz viajasse desimpedida para todas as direções, vinda de todos os lugares) com nosso melhor modelo da evolução do Universo, é possível calcular a constante de Hubble, e o valor atual está ao redor de 67 km/s/Mpc (em que Mpc, megaparsec, é uma unidade de distância equivalente a 3,26 milhões de anos-luz).

Ocorre que outro jeito bom de estimar a taxa de expansão do cosmos é fazer como o velho Hubble: medir estrelas cujo brilho é conhecido (alguns tipos de supernova e estrelas chamadas variáveis cefeidas), que dariam a distância, e comparar com a distorção da luz das galáxias que habitam causada pela velocidade de recessão (o chamado “redshift”). Com esses dois dados, dá para calcular a constante de Hubble. Estudos recentes de alta precisão nesse sentido têm produzido outro valor, uns 73 km/s/Mpc.

O novo trabalho, publicado na última edição da Science, traz uma terceira forma de fazer essa medição. Usando duas lentes gravitacionais (distorções dos raios de luz pela gravidade de objetos de alta massa no espaço), B1608+656 e RXJ1131, como calibração para medir a distância de 740 supernovas, eles chegaram a outro valor: 82 km/s/Mpc. A técnica é pouco precisa (margem de erro de 8 km/s/Mpc), mas é mais um reforço à ideia de que o modelo cosmológico padrão, aplicado à radiação cósmica de fundo, está produzindo uma medida subestimada da taxa de expansão.

O que isso muda? Nada de muito fundamental para nós, meros mortais. O Big Bang continua mais ou menos onde está, as leis físicas conhecidas seguem valendo, o Universo permanece em expansão e o que ainda é misterioso, como a energia escura e a matéria escura, segue o sendo. Mas, para os cosmólogos, essa pode representar uma pista fundamental para desvendar os enigmas remanescentes. Ou, no mínimo, uma provocação para que eles descubram por que estamos obtendo números diferentes com técnicas diferentes. É de balbúrdias como essa que o conhecimento evolui.

Esta coluna é publicada às segundas-feiras, na Folha Corrida.

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