O Google e a conquista da tal supremacia quântica
Passei os últimos 20 anos escrevendo sobre avanços em computação quântica, que, naquela definição “copia e cola”, potencialmente seria capaz de realizar processamentos impossíveis com computadores tradicionais. Na última quarta-feira (23), finalmente, uma equipe do Google publicou um artigo científico que riscou o “potencialmente” da frase.
Em um experimento impressionante, o grupo demonstrou o que é chamado entre os acadêmicos de “supremacia quântica”. É uma expressão pomposa para descrever “sucesso na realização de um cálculo que um computador convencional não poderia fazer tão bem ou tão depressa”.
Ninguém duvidava que o truque era possível, afinal, a mecânica quântica, teoria testada e retestada, já sugeria a possibilidade. A sacada é usar propriedades de partículas elementares como bits de dados. E como, de acordo com a mecânica quântica, partículas podem ter todas as propriedades possíveis simultaneamente, esses qubits (quantum bits) são muito mais poderosos que aqueles bits caretas, que só podem ser 0 ou 1. Resultado: com qubits dá para fazer processamentos que bits não fariam.
O experimento em si envolveu a construção de um processador, chamado Sycamore, com circuitos supercondutores mantidos a temperaturas baixíssimas, próximas do zero absoluto. Ele tinha apenas 54 qubits, dos quais um pifou, deixando o sistema operando com 53. E tudo que o processador fez foi produzir uma fileira de números aleatórios, o que levou 200 segundos. Algoritmo similar, trabalhando num computador clássico, levaria 10 mil anos para fazer o serviço, de acordo com simulações realizadas pelos pesquisadores.
O resultado extraordinário foi publicado, após a devida revisão por pares, na revista científica Nature. Uma turma da rival IBM até tentou jogar uma água no chope do Google, dizendo que na verdade daria para fazer a mesma operação num computador clássico em 2,5 dias. Acontece que 2,5 dias ainda são 216 mil segundos, contra 200 do Sycamore. Não por acaso, a resposta do Google à crítica da IBM foi meio no tom “ah-hã, Cláudia, senta lá”.
Certo, mas todo esse oba-oba por uma fileira de números aleatórios? Nem o pessoal que faz o sorteio da Mega-Sena ficaria tão empolgado com isso. O real valor do experimento é a prova de princípio — ele tirou a computação quântica da caixinha do “se” e a colocou na do “quando”. A tendência agora é vermos uma aceleração no desenvolvimento desses sistemas.
As potenciais recompensas, em alguns anos? Vão desde aplicações mais pedestres (mas extremamente importantes) como em criptografia e segurança digital até a possibilidade de revolucionar nossa compreensão de processos químicos e físicos básicos (com seus naturais ganhos em tecnologia), por meio de computadores que falam diretamente a linguagem mais fundamental da natureza. O feito do Google é “só” o começo de uma nova era. Os próximos 20 anos da conversa sobre computação quântica prometem ser bem mais empolgantes.
Esta coluna é publicada às segundas-feiras, na Folha Corrida.
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