Pesquisadores estudam antimatéria e encontram antinotícia

Os pesquisadores que se dedicam a compreender os mistérios da antimatéria estão produzindo grandes quantidades de antinotícias. A última veio na semana passada e ganhou as páginas da revista Nature, aprofundando o grande mistério de por que todas as coisas que observamos no universo, das estrelas aos desfiles de escola de samba, são feitas de matéria, não de antimatéria.

Claro, brincadeira chamar de antinotícia. Mas nem tanto. A definição de notícia tem a ver com fatos novos, movimentos que se descolam do status quo. E o que o estudo da antimatéria tem revelado é que, a despeito da busca incessante por um fato novo, ou seja por características dela que sejam diferentes das da matéria convencional, os pesquisadores têm apenas confirmado o que a teoria sugeria: que matéria e antimatéria têm propriedades (definidas aqui por cada vez mais casas decimais) exatamente iguais.

Sabemos desde o século passado que a cada partícula de matéria corresponde uma antipartícula. Então, se nossos átomos têm prótons, com carga positiva, também devem existir também prótons com carga negativa, os antiprótons. O mesmo vale para os elétrons, que têm carga negativa, e os antielétrons, também conhecidos como pósitrons, com carga positiva. E por aí vai. Essas antipartículas figuram em quantidades ínfimas e efêmeras no cosmos, em contraste com todo o resto, feito de matéria. E daí vem o enigma.

Nossas modelagens físicas do Big Bang sugerem que, no começo de tudo, matéria e antimatéria devem ter sido produzidas em quantidades iguais. Mas, se isso fosse verdade, o cosmos a essa altura seria só um mar de radiação sem graça, porque sempre que partículas e antipartículas se encontram, elas se aniquilam, virando energia pura.

Daí a necessidade de imaginar que deve haver uma pequena, minúscula, diferença entre matéria e antimatéria, não prevista pela teoria, para explicar o fato de que, mesmo depois de todas as aniquilações que devem ter acontecido logo após o Big Bang, ainda sobrou matéria suficiente para fabricar estrelas, planetas, carros alegóricos e alas das baianas.

A colaboração Alpha, no Cern (centro europeu de física de partículas), está dedicada a tentar encontrar essa diferença. Lá, eles fabricam e aprisionam rotineiramente átomos de anti-hidrogênio, para depois estudá-los de forma minuciosa.

Em 2018, eles mediram uma transição de energia do átomo de anti-hidrogênio (a 1S-2S, caso você seja um entusiasta de distribuição eletrônica) com precisão de 12 algarismos, e o resultado foi exatamente igual ao do hidrogênio. Agora, eles mediram outra transição, a 1S-2P, o que exigiu a construção de um complicado sistema de laser. De novo, antinotícia: tudo segue igual para matéria e antimatéria.

O sucesso da técnica, contudo, mostra que os pesquisadores estão no caminho para, em breve, medir a transição 1S-2S com até 15 algarismos de precisão. Será que ainda teremos antinotícias? “Todo mundo gostaria de ver uma diferença”, diz Claudio Lenz Cesar, físico brasileiro envolvido com o trabalho. “Pode ser que ela seja achada quando chegarmos a precisões maiores. Mas também pode ser que não haja. E aí continua o mistério do sumiço da antimatéria primordial.”

Ficamos à espera de notícias do experimento.

Esta coluna é publicada às segundas-feiras, na Folha Corrida.

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