Jipe chinês faz ‘radiografia’ do subsolo no lado afastado da Lua
O pequeno jipe robótico Yutu-2 obteve dados de radar capazes de descrever a estrutura do solo na cratera Van Kárman, no lado afastado da Lua, a até cerca de 40 metros de profundidade. É a primeira vez que resultados assim permitem reconstruir em detalhes a história geológica daquela região lunar.
O Yutu-2 foi levado à Lua em 3 de janeiro de 2019, pela missão Chang’E-4, a primeira na história da exploração espacial a pousar no chamado lado afastado (ou oculto) lunar – a face do satélite natural que fica permanentemente “de costas” para a Terra e, portanto, não pode ser vista daqui.
Os resultados apresentados pelos cientistas, publicados na última edição da revista Science Advances, representam leituras obtidas pelo instrumento LPR, o radar penetrante lunar, e foram colhidas durante os dois primeiros dias lunares da missão (um dia lunar dura cerca de 29,5 dias terrestres).
A cratera Von Kármán, onde a missão pousou, fica na bacia Polo Sul-Aitken, uma das maiores e mais antigas estruturas de impacto na Lua. O radar funciona basicamente emitindo um sinal de rádio para a superfície e observando como ele é refletido pelas camadas abaixo dela. O tempo de viagem das ondas e o ponto de reflexão ajudam a construir uma “radiografia” do solo abaixo do jipe.
Instrumentos similares já foram levados à Lua em orbitadores (como o módulo de comando da missão tripulada Apollo 17, em 1972, e a sonda orbitadora japonesa Kaguya, em 2007) e obtiveram perfis do subsolo a uma profundidade de até 2 km. Mais recentemente (2013), a missão chinesa Chang’E-3 levou ao Mare Imbrium, no lado próximo lunar, o jipe Yutu, que também tinha seu radar – um gêmeo do equipamento do Yutu-2. Como são idênticos, é especialmente apropriado comparar os resultados obtidos pelos dois jipes em regiões diferentes.
E as diferenças são de fato significativas. O sinal do radar penetrou bem mais profundamente na cratera Von Kármán, indicando que o solo é bem mais poroso lá do que na região de pouso da Chang’E-3 no Mare Imbrium.
Os cientistas conseguiram identificar três camadas no subsolo daquela região do lado afastado lunar. A primeira vai até uns 12 metros de profundidade e é basicamente composta de regolito, a poeira fina que recobre a superfície, com algumas rochas esporádicas. A segunda camada, entre 12 e 24 metros, tem maior quantidade de rochas, e sua composição é mais densa. E a terceira camada, que começa aos 24 metros de profundidade, alterna entre segmentos com mais rochas e outros com mais grãos. Especula-se que essa camada vá além dos 40 metros, mas o radar não conseguiu colher dados mais profundos.
Do ponto de vista científico, o resultado é interessante por ajudar a atrelar as camadas a eventos de impacto de asteroides (que naturalmente levantam um monte de poeira e rochas que depois acabam caindo de volta, formando camadas). Mas o mais intrigante, conforme adentramos essa nova fase da exploração espacial, é o uso cada vez mais comum de radares penetrantes na Lua. Aqui na Terra, eles são muito usados para mineração, ajudando a identificar o conteúdo do subsolo. No futuro, certamente serão usados para a mesma finalidade, só que em solo lunar.
Esta coluna é publicada às segundas-feiras, na Folha Corrida.
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