Astrônomos registram pela primeira vez estrutura que indica parto de um planeta

Enquanto os macacos sem rabo do terceiro planeta a contar do Sol elucubram (e requentam) formas de agredirem-se uns aos outros, um novo mundo é flagrado em pleno trabalho de parto, a 520 anos-luz daqui, naquela que pode ser a primeira evidência direta do nascimento de um planeta fora do Sistema Solar a ser registrada por telescópios.

A poética imagem vem do VLT, o principal quarteto de telescópios do ESO, o Observatório Europeu do Sul, no Chile. Usando o instrumento Sphere, os pesquisadores observaram em detalhes um disco de gás e poeira circulando ao redor da estrela jovem AB Aurigae, na constelação do Cocheiro.

Há quatro anos, os radiotelescópios do Alma, também no Chile, já haviam detectado um disco de formação planetária ao redor da estrela, ainda em seus primeiros milhões de anos de vida, e notado um padrão espiral nele.

Era a deixa para uma olhada mais atenta, obtida com o Sphere. Com esse instrumento, especialmente projetado para captar a luz infravermelha de planetas jovens e em formação, os pesquisadores conseguiram não só registrar os braços espirais internos sugeridos pelas observações do Alma como notar uma estrutura torcida em uma das espirais, indicando que ali, com toda probabilidade, está nascendo um novo planeta.

“A torção da espiral é reproduzida perfeitamente com um modelo de densidade de onda gerada por um planeta”, escrevem os autores, em artigo recém-publicado no periódico Astronomy & Astrophysics. “A torção e seu movimento orbital aparente podem muito bem ser a primeira evidência direta de uma conexão entre um candidato a protoplaneta e sua manifestação como uma espiral marcada nas distribuições de gás e poeira.”

A julgar pelas observações, o planeta em formação deve estar a cerca de 30 unidades astronômicas de seu sol infante. É uma distância colossal. Por aqui, quem está praticamente nessa mesma posição é Netuno, o oitavo planeta. Mas vai saber o que há mais para dentro desse sistema em formação? Poderia haver uma pequena Terra nascendo ali, onde nossos telescópios não conseguem enxergar? É mais que mera especulação.

A pesquisa, liderada por Anthony Boccaletti, do Observatório de Paris, contou com a participação de pesquisadores da França, de Taiwan, dos EUA e da Bélgica. São três continentes representados e irmanados, num trabalho realizado pela mesma espécie de macaco sem rabo que dedica tanto do seu tempo a confusões e paranoias.

Desde sempre, a humanidade caminha nessa trilha sinuosa entre o sublime e o rasteiro, o futuro e o passado, a luz e a sombra, a cooperação e a desconfiança. A ciência, é claro, se oferece como instrumento para ilustrar nossas escolhas. Mas também deixa claro o fato de que a natureza não está plantada por aí, esperando a gente dar certo. Em cada cantinho do céu, ela está lá, na labuta, fabricando novos planetas, fazendo novas apostas e deixando seu recado sobre a irrelevância de nossas disputas mesquinhas. A opção pela união ou pela cizânia não está escrita nas estrelas. Ele é nossa para fazermos.

Esta coluna é publicada às segundas-feiras, na Folha Corrida.

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