Das galáxias distantes aos planetas vizinhos, o Universo parece ter pressa

Não me pergunte por quê, mas está cada vez mais claro que o Universo tem pressa. Vamos lá, sabemos que ele tem cerca de 13,8 bilhões de anos, o que é tempo para caramba. Seria razoável supor que a transição, de lá para cá, teria sido gradual, suave, com degraus e transições claras e modorrentas. Mas não é isso que os astronômos têm percebido, conforme vasculham cada vez mais fundo o Universo.

Olhar mais longe, claro, é investigar o passado. Como a velocidade da luz no vácuo é fixa e limitada a 300 mil km/s, leva bilhões de anos para que ela viaje dos cafundós do espaço até nós. A luz das galáxias mais distantes que está chegando agora aqui na Terra partiu de lá quando o Universo era bebê. Então dá para ver como ele era naquela época.

Um estudo recente publicado no Monthly Notices of the Royal Astronomical Society e liderado por Rachana Bhatawdekar, da Agência Espacial Europeia, usou o Telescópio Espacial Hubble para mergulhar a até 500 milhões de anos depois do Big Bang, em busca das primeiras estrelas do Universo. Mas elas furaram o encontro. Não estavam mais lá – sinal de que surgiram ainda mais cedo que isso e que só poderão ser vistas, quem sabe, com o próximo grande telescópio espacial da Nasa, o James Webb, que vai “enxergar” em infravermelho justamente para poder ver mais longe.

Por conta da expansão do cosmos, quanto mais a luz viaja pelo espaço, mais se estica, e aí o comprimento de onda cai nas faixas menos energéticas, infravermelho para baixo.

Não é à toa que a primeira luz detectável gerada no Universo, a radiação cósmica de fundo, gerada 380 mil anos após o Big Bang, aparece hoje em micro-ondas, a forma menos energética de radiação eletromagnética. Ela nasceu como raios gama de alta energia, mas foi se esticando no longo caminho até chegar aqui, e agora não passa de um sutil chiado em nossas antenas.

Outro sintoma dessa aparente pressa cósmica veio do grupo liderado por Marcel Neeleman, do Instituto Max Planck, na Alemanha. Qual não foi a surpresa deles ao descobrir, em meio à bagunça dos primórdios do Universo, uma galáxia que, 1,5 bilhão de anos após o Big Bang, já tinha a forma de um disco e um porte similar ao que a nossa Via Láctea tem hoje.

A observação, que demonstra a capacidade do Universo de ter galáxias grandes e arrumadinhas mais cedo do que todo mundo imaginava, foi feita com a rede de radiotelescópios Alma, no Chile, e ganhou as páginas da revista Nature.

Só que tem mais. Novos resultados colhidos pelo Alma, em combinação com o VLA, outro conjunto potente de radiotelescópios, ao investigar discos de formação planetária ao redor de estrelas recém-nascidas, mostra que, num período entre 100 mil e 500 mil anos, esses agregados de gás e poeira já têm “tijolos” suficientes para a construção de planetas. Pelas escalas de tempo astronômicas, isso é um piscar de olhos! Meras duas décadas atrás, os cientistas achavam que a formação planetária precisava, por baixo, de uns 10 milhões de anos. Daí para 100 mil, repare na pressa.

O que tudo isso quer dizer? Sei lá. Significado é uma mania humana, algo que a gente inventa para dar algum sentido aos padrões naturais observados por aí. Mas que o Universo nunca deixa para amanhã o que pode resolver ontem, isso está mais que evidente.

Esta coluna é publicada às segundas-feiras, na Folha Corrida.

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BÔNUS: Confira nesta segunda (29), às 15h, no canal do Museu de Astronomia e Ciências Afins no YouTube, o lançamento da mostra O céu que nos conecta.