A ciência aprende mesmo quando erra
Texto de Helio Jaques Rocha-Pinto
No século 18, estava claro aos astrônomos que o movimento de Urano apresentava desvios ante as previsões da mecânica newtoniana. Em esforços independentes, Urbain Le Verrier e John Adams demonstraram que esses desvios poderiam ser explicados pela existência de um oitavo planeta no Sistema Solar. Com base nas previsões de Le Verrier, que indicou até a área do céu onde procurá-lo, Johann Galle descobriu Netuno na noite de 23 de setembro de 1846. À época, a façanha foi considerada a mais sensacional demonstração da teoria da gravitação de Newton, elaborada 160 anos antes.
Animado com a descoberta, Le Verrier hipotetizou a existência doutro planeta, Vulcano, situado entre o Sol e Mercúrio, também com base em desvios observados no movimento deste último. Buscas por Vulcano ao longo de décadas foram inconclusivas, marcadas por intensa polêmica entre os que alegavam tê-lo encontrado e outros que questionavam os resultados. No começo do século 20, a teoria da relatividade de Einstein já tinha sepultado essa hipótese ao explicar mais elegantemente o deslocamento do periélio de Mercúrio como efeito da distorção do espaço pela massa do Sol.
Voltemos a Netuno! Em sua órbita também se encontrou desvios, levando à conjectura de que um outro planeta estivesse oculto mais além. Isso tornou-se a obsessão do magnata Percival Lowell, que ergueu um observatório dedicado a esse fim, através do qual Clyde Tombaugh descobriu Plutão em 1930. Parecia que o mistério tinha se resolvido, mas logo ficou claro que Plutão não tinha massa necessária para explicar os desvios da órbita de Netuno. Seria necessário postular um novo corpo planetário além de Plutão, que passou a ser denominado nas rodas científicas de Planeta X.
Em 1989, a sonda Voyager 2 sobrevoou Netuno, possibilitando uma medida mais precisa de sua massa. Com isso, os supostos desvios orbitais deixaram de existir, bem como a necessidade de um Planeta X. E, em 2006, o próprio Plutão deixou de ser planeta!
Chegamos enfim a 2014! Konstantin Batygin e Michael Brown propõem que os parâmetros orbitais de alguns corpos transnetunianos seriam causados pela existência de um outro planeta distante, apelidado de Planeta Nove. Até o momento, as buscas por esse planeta não deram resultado.
A ciência tem dessas idas e vindas, pois busca perscrutar o que nos é desconhecido. Resultados podem demorar décadas; teorias são comprovadas séculos depois; algumas ideias renascem transmutadas, para serem alvo de novos testes. Pois o edifício do conhecimento é construído em incrementos por gerações de pesquisadores. A hipótese que funciona num caso não se aplica totalmente a outro. É preciso ter isso em mente quando se receita o uso de um remédio para uma doença diferente daquele no qual tem eficácia comprovada…
Esta coluna foi produzida especialmente para a campanha #CientistaTrabalhando, que celebra o Dia Nacional da Ciência. Ao longo do mês de julho, colunistas cedem seus espaços para abordar temas relacionados ao processo científico, em textos escritos por convidados ou por eles próprios.
Helio Jaques Rocha-Pinto é diretor do Observatório do Valongo, vice-presidente da SAB e editor da Revista Brasileira de Astronomia.
Esta coluna é publicada às segundas-feiras, na Folha Corrida.
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